Monarquia Indesejada escrita por Anne Ribeiro


Capítulo 8
Revelação


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! ♥



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Violinos soavam ao longe, acompanhados de outros instrumentos de cordas que preenchiam o ambiente abaixo de mim, fazendo meus pés vibrarem sob o tapete grosso. Eu podia sentir a música do outro cômodo como se estivesse no salão de eventos, onde uma cerimônia acontecia há pouco mais de meia hora.

À minha frente, o espelho refletia minha imagem. Era tradição vestirmos alguma peça de roupa que tivesse a ver com a ocasião de hoje, e eu escolhi usar um lenço de seda vermelho no bolso do paletó azul marinho. Aprontava-me para o baile de Natal, e, como sempre, não estava pronto para a ocasião.

As abotoaduras de ouro, que precisavam ser usadas nestes eventos, eram difíceis de serem colocados no paletó. E pensando em me atrasar ainda mais, esticava o tempo como se não houvesse uma multidão à minha espera, enquanto as prendia no tecido grosso azul. As odiava, no entanto, eram necessárias.

— Ollie – alguém bateu na porta, enquanto eu calmamente abotoava as peças douradas.

— Sim – ergui uma das sobrancelhas, visualizando uma das abotoaduras através do espelho.

— Estou entrando – Phill avisou, irrompendo pela porta branca. – Se já está pronto, por que não está lá embaixo? – perguntou, deixando o copo quase vazio de whisky sobre a lareira há muito tempo não usada.

— Essas abotoaduras – expliquei, mostrando-as. – Se soubesse o quão difíceis elas são... – bufei, tentando ajustar a outra.

— Se sabe que não são fáceis, por que então decidiu coloca-las?

— Obrigações, irmão. Obrigações – dei um tapa em seu ombro, imaginando o que aconteceria se nosso pai me visse sem as malditas abotoaduras.

— Precisa de ajuda? As minhas não são tão pomposas quanto as suas, mas consegui ajeitá-las.

— Não, já estou terminando – abotoei a última e conferi para ver se não cairiam. Da outra vez em que tive que usá-las, perdi uma delas no meio de um brinde. Quando ergui minha taça, finalizando meu discurso, ela caiu e rolou em meio à multidão de pessoas bem arrumadas. É claro que não pude correr atrás dela, como meu pai deixou bem claro assim que segurou a manga do paletó, me impedindo de continuar.

— Está pronto, então?

— É a vida – respondi, sem ânimo.

Atravessamos o corredor, fazendo algumas brincadeiras entre nós. Phill sempre foi o mais divertido, engraçado e brincalhão de nós dois, e isso se devia ao fato de ser o mais novo, provavelmente. Não precisava carregar o mundo nas costas, com obrigações que lhe foram forçadas a aprender ao longo de toda a sua.

Já eu, era o contrário. Talvez se tivesse a oportunidade de deixar tudo para trás, olharia o mundo de outra forma e, quem sabe, mais relaxado.

Assim que chegamos ao grande salão, prestei atenção em tudo ao redor. As ornamentações estavam mais bem feitas do que no ano anterior. No alto dos balcões, faixas douradas com os votos de "Feliz Natal" adornavam os balaústres brancos, onde pude reconhecer alguns parentes que não via há anos bebendo e brindando nas sacadas. Tios, primos e amigos dos meus pais sorriam como se se reunissem em todas as épocas festivas. O que não era verdade.

Nas escadas, nos limites dos degraus, almofadas pequenas amarradas com fitas douradas. Enfeites que imitavam guirlandas em verde e vermelho envolviam os corrimões de madeira de ponta a ponta, com pequenas luzes que piscavam em intervalos curtos de tempo. E, me arrancando uma risada, botas de pelúcia nas mesmas cores das guirlandas.

No meio do amplo espaço, uma árvore de Natal com uma grande estrela na ponta lembrava um floco de neve transparente, que brilhava em sincronia com as lâmpadas coloridas ao longo do seu tronco. Debaixo de sua copa, caixas e mais caixas embaladas em papéis luxuosos e coloridos.

Observei discretamente as jovens moças que passeavam distraídas, provavelmente enfeitiçadas pela ornamentação da árvore e do salão. Até eu mesmo faria isso, se não fosse por algo que me chamou mais a atenção no meio da multidão.

Do outro lado, escondida atrás de uma cortina verde e dourada, reconheci alguém. Atravessei cautelosamente o hall, evitando topar com pessoas conhecidas, pois senão a perderia de vista. Era uma miragem ou eu realmente a estava vendo?

— Precisamos conversar – o Duque apressou-se em dizer, me encontrando a poucos metros da árvore. Pedi desculpas e lhe garanti que logo retornaria, mas que precisava continuar. Ele assentiu e eu prossegui.

— Não faça nada que eu não faria – Phill falou com um sorriso, ajeitando o paletó aberto a caminho dos banheiros femininos. Atrás dele, discretamente, uma morena de olhos café o seguia. Sorri para a cena e mantive meu ritmo.

Ao me virar novamente, a jovem de não tirava os olhos – a não ser quando vi meu Phill e sua acompanhante – deixou o salão inesperadamente. Ela atravessou bem depressa a porta de vidro, que ligava o salão ao corredor acarpetado e com imagens das últimas rainhas penduradas nas paredes.

Não gostava nem um pouco de lá, devido a um trauma de infância. Phill, que sempre brincou com tudo, um dia me trancou naquele corredor, sabendo que tinha medo de ficar sozinho lá. Acreditava que os olhos se moviam, acompanhando quem o atravessasse e até hoje eu pressentia isso.

— Oliver, está chegando a hora do discurso – meu pai avisou, com a voz baixa, segurando meu braço.

— Pai – rolei os olhos pelo salão em sua procura. – Preciso ir.

Ele sorriu para um casal, que o cumprimentava ao longe.

— Você não irá a lugar algum – ameaçou, acenando para a Princesa Catarina.

Tentei me desvencilhar do aperto da sua mão em meu braço, mas aquilo só fazia com que ele apertasse mais e mais, chegando a torcê-lo por baixo do tecido grosso.

— Eu preciso ir, pai – falei mais alto. – Eu devo ir!

— Você está assustando os convidados – advertiu, de boca fechada fingindo um sorriso.

— Me larga, me larga, me larga – gritei, me debatendo.

— Ei, o que está acontecendo? Oliver, Oliver – ouvi a voz de uma jovem me chamar, como se eu estivesse debaixo d'água.

Abri os olhos assustado, observando cada pedaço do ambiente ao redor com aflição. E, quando encontrei Moa, tudo voltou rapidamente como em um flashback em máxima velocidade. Eu não estava no Palácio, nem na última festa de Natal, embora sentisse vontade de estar mesmo com as obrigações da única vida que conhecia.

— O que aconteceu? – ela perguntou, se afastando quando percebeu que havia ultrapassado um limite: o de me tocar.

Logo que abri meus olhos, percebi que sua mão estava na minha testa e franzi o cenho, estranhando tal ação.

— Sei lá, um sonho. E o que você está fazendo aqui? – mantive o cenho franzido, com certo receio do que ela poderia querer a essa hora da noite.

— Isso não interessa! – disparou, levantando-se e indo embora.

— Que garota doida – comentei baixinho, ainda deitado.

Apoiei meus braços sobre o pedaço de pano, tomando impulso para levantar. Minha camisa estava coberta de suor, assim como a bermuda puída, constatando isso enquanto caminhava para fora do meu quarto.

Do lado de fora, ao redor da fogueira acesa, encontrei várias pessoas que comemoravam com bebidas e um singelo banquete ao lado de uma cabana afastada. Aquilo me chamou a atenção, principalmente por ver uma árvore, não tão bem ornamentada como a do sonho, ali perto. Isso seria a imitação de um Natal?

— O que estão comemorando? – perguntei, sentando ao lado de Moa, pois era a única que falava o meu idioma e não havia como eu aprender a falar o deles em tão pouco tempo.

Ela bufou, cutucando a fogueira.

— O Natal – respondeu, sem me notar.

— E por que estão dançando ao redor da árvore? – me virei para observar os passos sincronizados.

— Talvez não tenha percebido – rosnou – mas não chove há mais de 3 meses. Todos os anos, precisamos fazer o mesmo ritual para que ela aconteça, senão morreremos de fome.

— E o poço?

Ela sorriu, sem humor.

— Está quase seco. Você não percebe direito o que acontece debaixo do seu nariz, não é? – cuspiu no chão, levantando-se do toco de madeira envelhecido.

Parei para pensar. Nesta manhã, o balde foi mais para o fundo do que o de costume. Na hora, nem percebi que a água estava quase acabando, e nem comentei com ela minhas impressões. Inocentemente, acreditei que alguém havia esquecido de colocar mais água dentro do poço.

— Tem razão – concordei, me sentindo culpado.

Ela balançou a cabeça, fechando as mãos ao lado do corpo franzino.

— Há algo que possa fazer?

— Está vendo aqueles homens? – apontou para os bobos da corte, que imitavam passos ridículos. - Dance com eles!

— E por que você mesma não dança ao invés de ficar cutucando o fogo?

Ela irou-se, agarrando a gola da minha camiseta molhada de suor. Em seus olhos, sentimentos mistos de raiva e insolência.

— Cale sua boca, pois você não está lidando com uma qualquer.

— Ah é? – ousei perguntar, com petulância na voz sussurrada. – Então, quem é a à toa, que passa o dia apenas observando os outros, sem mover uma palha para ajudar?

— Sou a Rainha disso aqui, sou a Rainha de Stadt!

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler! ♥



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