Make a Memory escrita por Paula Freitas


Capítulo 19
Capítulo XVIII – Meu Menininho


Notas iniciais do capítulo

“A minha dor era de um menino... De um menino abandonado”.



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... ... ... - Parece uma ratinha... ...

— Suas digitais estão na echarpe!... ...

— Você jogou a filha da sua irmã dentro de uma caçamba sim!... ...

— Félix... Félix... ...

— C-Chega! Chega! Chega!... Chega! É verdade. ... Eu joguei aquela ratinha numa caçamba! ... ...

— O meu pai vai morrer de amor por ela assim como sempre morreu de amor por você! ... ...

— Eu comecei tudo isso contra o meu menininho!... ...

— Eu nunca gostei de você. ...

— Uma intrusa!... Que veio para roubar o meu pai de mim. ...

— Você tinha trejeitos, eu não suportava aqueles trejeitos... ...

— Mesmo depois que eu me casei, porque você quis, com a Edith, mesmo aí eu sentia que tinha alguma coisa errada nessa história! Eu pensei que com o nascimento do Jonathan você ia ter orgulho de mim, porque eu tinha orgulho de mim, eu tive muito orgulho de mim, pai,  porque mesmo com os meus trejeitos, mesmo com os meus desejos, meus impulsos, eu consegui ter um filho para satisfazer o meu papi. ... ...

— Para de se fazer de vítima, Félix! Você acha que isso é razão? Isso é justificativa para você pegar a filha da Paloma e atirar dentro de uma caçamba?... ...

— Você não era mais uma criança!... ...

— A minha dor era de um menino. Ainda é de um menino abandonado! ... ...

— Eu sinto horror de você. ... ...

— Mãe?... ...

— Cala a sua boca! ... ...

— Meu menininho...

— O que você fez foi horrível, meu menininho, foi horrível... Mas, agora eu sei que você é meu menininho... ... Eu vou estar te esperando sempre. ... ...

— Eu sempre te dei amor...

— Morra sozinho! ... ...

— Não fala comigo, Félix. Preciso ficar sozinha. ... ... ...

— Ah! Ah!... Ah...

Acordei assustado com o terrível pesadelo que tive. Nele eu deixava um bebê numa caçamba de lixo! Depois todos descobriam... Meu pai, minha mãe, minha irmã... Minha irmã! Foi... Foi a filha dela que joguei numa caçamba! Ela brigava comigo. Eu... Eu dizia que nunca gostei dela, que ela me roubou o amor do meu pai.

O que é isso?!

Quanto ódio, quanto rancor...

Eu joguei... Eu joguei a filha dela no lixo!

Quem é o monstro capaz de fazer uma coisa dessas?

Foi muito claro. Foi tão real. ... Fui eu!

Fui eu, sim... Claro! Isso é mais uma lembrança.

Será que era por isso que ninguém queria me contar quem eu era de verdade? Porque eu era um monstro!...

Como pude fazer isso?

É óbvio... Foi porque meu pai nunca me amou. Ele só... Só amou ela... A Paloma.

Claro! Agora eu começo a entender... As coisas parecem se encaixar, tudo parece ter um pouco mais de sentido agora.

Meu pai disse que não suportava meus trejeitos.

E só por isso ele nunca me amou? Só por isso?

“A minha dor era de um menino... De um menino abandonado”. Era isso que eu dizia. Então é isso... Eu sempre me senti um menino abandonado. Tal qual me sinto agora. Por isso abandonei aquela menininha numa caçamba, por isso... É lógico! Eu queria que ela sentisse o que eu sempre senti.

Mesmo assim é muita crueldade. Como eu podia ser tão... Tão mau a esse ponto? Tão perturbado?... Fosse como fosse, eu provavelmente estava pagando por aquilo agora, já que era eu quem estava na caçamba dessa vez.

Saí de lá de dentro com uma dor forte na cabeça e na alma. Me sentia um verdadeiro lixo. Ainda cheio de pensamentos obscuros... Cada lembrança que veio a mim naquele instante era dolorosamente reveladora.

Eu só me casei com a Edith pra satisfazer o meu pai, só tive o Jonathan pelo mesmo motivo.

Eu alimentei um ódio da minha irmã por toda a minha vida. E eu me vinguei, abandonando a filha dela.

Agora está claro por que não me contaram logo quem eu sou e tudo sobre mim. Sim, sobre mim... Sobre o verdadeiro eu... Sobre o Félix.

Até parece que todo mundo preferiria ter o Cristiano no meu lugar. Por isso, eu comecei a achar que realmente era o Cristiano. Então é isso... Então, eu sou Félix. Félix Khoury.

Vi meu reflexo difuso numa poça d’água e me perguntei: - Por que eu ainda não me lembro de mim? Será por que... Por que eu só tenho coisas ruins para recordar?

Pensando no sonho ou lembrança que eu havia acabado de ter, ainda me fiz mais uma pergunta: E aquela mulher... A única pessoa que se aproximou de mim... Quem é ela? Ela me chamou de menininho... Por quê? Ela parecia me compreender, parecia me amar. Mas, eu não faço ideia de quem ela seja.

Toquei na minha nuca e percebi que havia um ferimento e sangrava. Sentei no chão quase desesperado. Além das fortes dores em todo meu corpo, minha alma era a mais machucada. Simplesmente não resisti mais e caí no choro. Um choro que eu queria muito que lavasse toda minha alma; que curasse as feridas e que fizesse o mais difícil de tudo: cobrisse as cicatrizes. Mas, no fundo eu sabia que isso era impossível.

Chorei não sei por quanto tempo até ouvir uma voz.

— Ei, rapaz... Ei!

— Hã? – Me assustei, pensando se tratar de outro assalto. – O que v-você quer? E-Eu não tenho nada!

— Não, imagina... Quem não tem nada sou eu. Você tem alguma coisa sim, tá chorando.

Olhei bem para aquele homem. Era apenas um mendigo.

— Tá chorando por quê?

— Por nada.

— Desde quando alguém chora por nada?

— Eu... Estou perdido.

— Como assim perdido? Tu não sabe onde tá não, é?

— Não.

— Oh, menino, é só ler as placa das rua... Tu sabe ler, não sabe?

— Sei.

— Então? Por que não lê?

— Porque mesmo se eu lesse não saberia onde estou. Não adiantaria de nada. E eu... Eu também estou perdido dentro de mim.

— Ih... A coisa tá é complicada, hein?

Eu não sabia bem por que, mas senti vontade de desabafar com aquele senhor. Ele tinha um ar confiável e, além do mais, eu não tinha outra escolha. Era falar com ele ou continuar com as sombras do meu passado.

— Eu não sei o que fazer. Tudo... Tudo é... Horrível demais. Complicado demais. Triste demais. ... Minha vida é um erro.

— Olha, rapaz... Nenhuma vida é errada.

— O senhor dizendo isso?

— Ué! Não é porque eu sou morador de rua que eu não sei das coisa. Eu tô aqui porque fiz daqui o meu lugar. Mas, e você? Qual é o seu lugar?

—... Eu não sei. Acho que nunca tive um lugar pra chamar de meu.

— Ah, vá! Todo mundo tem uma ideia de onde quer ir, onde quer ficar... Com quem queria tá...

— Com quem queria estar? É, até que tem alguém... Tem alguém com quem eu queria estar agora, mas...

— Mas?

— Eu não posso mais confiar nessa pessoa?

— Como você sabe que não pode? Quê que essa pessoa te fez?

— Ele disse que... Não, deixa pra lá. Pra quê eu vou contar para o senhor, não vai entender mesmo...

— Você tá falando grego, por acaso, pra eu não entender? Fala aí, rapaz.

— É que... – Suspirei e contei, vendo que aquele pobre senhor não ia me fazer mal. – Essa pessoa mentiu pra mim. Me enganou. Disse que nós dois... Que nós dois tínhamos algo muito forte, mas hoje eu descobri que é com outra pessoa que ele tem algo na verdade.

— Mas, como você descobriu? Você viu a traição, foi isso?

— Não. A outra pessoa me disse a verdade...

— Peraí... Outra pessoa te disse que a pessoa que você gosta tá com essa outra pessoa?

— É, bem... Eu disse que é bem complicado.

— Complicado nada, menino! Isso é burrice!

— Burrice?

— É, sim! Como que você acredita numa outra pessoa, sem perguntar a verdade pra a pessoa que você gosta?

Pensei bem e... Não é que o velho tinha razão! Eu devia perguntar ao Niko se era verdade tudo que o Eron me disse. Mas, eu não sabia como encontrá-lo.

— Não é não, menino? Eu não tô certo?

— Está, de certa forma...

— De certa forma nada! Olha só, por acaso você tinha motivo pra desconfiar da pessoa que você gosta?

—... Não. Muito pelo contrário. Ele... Ele era a única pessoa em quem eu sentia que podia confiar plenamente.

— Então? Como que desconfia dele no primeiro boato que outra pessoa te conta? E se esse outro cara mentiu?

— Pode ter sido. Mas, me diz uma coisa... Como o senhor sabe que estou falando de dois homens?

— É intuição. Mas, eu tô certo, não tô?

— Está sim.

— Tô dizendo... Eu digo por experiência própria. Eu tinha um amigo também que me traiu, mas esse foi bem na cara, sabe. Eu sabia que ele ia fazer isso comigo um dia. Ele tirou o que de mais valioso eu tinha. Mas, isso não acabou comigo não, muito pelo contrário. Isso me tornou mais forte.

— Mas, por que o senhor está aqui, então?

— Ah, isso é outra história, filho. Mas, e daí é só por isso que você tava aqui chorando pra se acabar?

— Não. Acontece que eu sofri um acidente há algum tempo e perdi a memória. Só que eu vou lembrando aos poucos de algumas coisas, e a última de que lembrei foi... Foi... – Novamente me pus a chorar.

— Foi muito ruim?

— Foi uma coisa horrorosa. Horrorosa. ... O que eu fiz não tem perdão.

— Mas, não tem perdão de quem?

— C-Como assim?

— Ah, meu filho, antes da gente querer o perdão dos outros, a gente tem que se perdoar.

—... Eu não sei se... Se eu já me perdoei... Ou se alguém já me perdoou por isso. Eu não me lembro, entende? Mas, mesmo que me perdoassem, eu... Eu não sei se seria capaz de conviver com uma coisa dessas. Parece que minha vida é toda errada, eu sou um grande erro! Eu sinto como se... Como se fosse melhor que eu não existisse.

— Deixa disso! Todo mundo existe por um propósito.

— Ah, é? E qual é o meu? Sofrer e fazer os outros sofrerem também? Eu não quero isso...

— E o que você queria? Não sofrer nunca nem nunca fazer ninguém sofrer? Isso faz parte da vida, meu filho. Infelizmente.

— Por que diz isso?

— Porque é a verdade. É a vida.

— Quer saber?... O senhor fala muito bem para ser um...

— Um quê? Um mendigo? – Ele riu. – Não julgue um livro pela capa. Conhece essa frase? Pois, então... Mendigo começa com as mesmas letras de médico.

— Médico? – Sua citação me surpreendeu bastante. – P-Por que falou em médico?

— Porque era para eu ser médico.

— Sério? Meu pai é médico. Quer dizer, era. Ele tem um hospital. ... Eu acho que ele queria que eu também fosse médico. Na verdade, ele queria que eu fosse igual a ele, eu sei disso. Mas, eu sou totalmente diferente dele. Eu sou... Eu sou o que ele mais detesta.

— Ele detesta que você seja diferente? E qual o problema? Que eu saiba Deus não fez ninguém é igual a ninguém.

— Eu também acredito nisso.

— Acredita é? Que bom. Porque se você acredita em Deus, acredita que ele é perfeito né?

— Acho que sim...

— E quem é perfeito não erra, não é mesmo?

— Bem... É lógico.

— Então... Ele não errou quando te fez assim do jeito que você é.

Aquela conversa com aquele desconhecido estava, incrivelmente, me trazendo uma paz de espírito que eu precisava demais naquele momento. Já que aquele velhote era tão esclarecido, eu fiz mais uma pergunta.

— Se Deus não errou quando me fez... Por que eu cometi erros tão graves na minha vida?

— Ué! Pensei que você tinha dito que tinha perdido a memória.

— E perdi! Mas, é que eu me lembro de algumas coisas, e hoje lembrei justamente dos meus erros...

— E dos acertos? Você se lembra?

—... Não.

— Então é isso, né? Todo mundo tem erros e acertos. Mas, se você ficar se lembrando só dos erros, você sempre vai achar que é só isso que você tem.

Depois de tal conversa, enxuguei minha lágrimas e, finalmente, tive forças para me levantar.

— Obrigado. Obrigado por conversar comigo mesmo sem me conhecer. Eu estava precisando.

— Eu vi.

— Eu preciso ir agora, preciso continuar procurando...

— Procurando quem, posso saber?

— Procurando a mim mesmo... Para onde eu posso ir... E em que devo confiar.

O senhor também se levantou. Percebi que ele era um homem alto, provavelmente da minha altura, só andava meio curvado. A barba grande e suja, além das roupas velhas e o chapéu, não me deixavam ver bem sua face, mas sua expressão calma me inspirava confiança e, afinal, ele havia me ajudado sem ao menos me conhecer.

— Vai lá, menino. Vai que todo mundo tem seu caminho pra seguir.

— Tchau. E desculpa não poder te ajudar, mas... – Olhei para mim mesmo. Eu estava pior que ele. Sujo, com cheiro de lixo, descalço, faminto.

Aquele senhor tocou na minha cabeça e falou: - Preciso da tua ajuda não, rapaz. É você quem tá precisando. E eu tenho certeza que você vai achar o que precisa.

Antes que eu pudesse agradecer de novo ou, ao menos, perguntar o nome dele, ele se virou e foi indo embora. Eu achei melhor continuar meu caminho que eu nem sabia se era longo ou não, ou se pelo menos eu tinha um caminho.

Eu mal conseguia andar. Além do corpo dolorido, pisar com os pés descalços naquele chão imundo e frio das calçadas, na solidão e escuridão da madrugada, era como estar no inferno. Eu não fazia ideia de quanto tempo eu havia ficado desacordado dentro daquela caçamba. Não sabia que horas eram, onde eu estava. Eu só sabia que estava muito, muito cansado. Mas, depois da conversa com aquele mendigo, eu sabia também que precisava encontrar uma forma de voltar para casa e esclarecer cada uma das dúvidas que me atormentavam.

Andei um pouco mais até chegar de frente a uma oficina mecânica. Havia um poste na frente, era o único lugar por ali que estava bem iluminado e eu já estava com medo de ficar sozinho no escuro de novo. De escura bastava a minha mente.

Sentei no batente da porta da oficina. Eu só queria descansar para, talvez, quando o sol aparecesse novamente, ele me enviasse uma luz, um anjo, uma boa memória... Qualquer coisa que me resgatasse.

Toquei na minha nuca e já não mais sangrava. Apenas minha cabeça doía como já estava todo o tempo.

Morrendo de frio e sem resistir mais ao sono que insistia em deixar minhas pálpebras pesadas, me ajeitei num cantinho junto à porta da oficina e dormi.

...

...

...

A madrugada havia chegado e o meu Félix continuava desaparecido. Onde estaria o meu amor?

Desolado, ao voltar para casa depois de uma busca inútil, encontrei meus filhos já dormindo.

— Seu Niko...

— Ainda acordada, Adriana?

— É... Eu fiquei esperando alguma notícia. O senhor saiu tão de repente. Eu fiquei sem saber o que dizer pra o Jayminho...

— O que você disse a ele?

— Eu disse que o senhor devia ter ido resolver algum problema do restaurante. Ele não queria muito não, mas até que dormiu logo.

— Que bom que você conseguiu colocá-lo pra dormir, Adriana. Obrigado.

— Eu tô achando o senhor muito tristinho, então eu acho que errei né? Não foi problema do restaurante não...

— Não, não foi. Foi o... – Não consegui mais segurar o choro. – Foi o Félix. Ele sumiu.

— Sumiu?

— É. Ele desapareceu. Saiu de casa sem ninguém ver e... Eu fui procurar ele agora, mas foi em vão.

— Gente! Por que ele saiu assim?

— Quem sabe! Ele perdeu a memória, lembra? Ele... Ele devia estar muito confuso, coitado...

— Coitado do seu Félix... Sumir assim, logo depois de ter se acidentado...

— Não sabe como eu estou preocupado, Adriana. Estou me sentindo tão mal. E pensar que hoje de manhã ele estava aqui, acordou ao meu lado, parecia que tudo ia voltar a ser como era antes...

— Não perca a esperança não, seu Niko.

— Não. Eu não consigo. Se eu perdesse a esperança, já teria perdido tudo. Bom... Vai descansar, Adriana, você já fez muita coisa ficando aqui até essa hora. Eu vou tentar... Sei lá... Dormir um pouco, se é que é possível.

Fui para meu quarto, mas nada de sono vir. Eu só conseguia pensar no Félix. Onde ele estaria? Estaria bem? Estaria mal? Estaria se sentindo perdido e sozinho? Meu coração estava angustiado e me dizia que o dele também estava. E tudo que eu mais desejava era que ele estivesse aqui comigo de novo, nos meus braços... Pois, se eu soubesse o que aconteceria hoje, não o teria deixado ir, não o teria soltado jamais.

...

...

...

Horas depois...

— Ei! Vamo acordar! Você tem que sair da porta da minha oficina pra eu poder abrir!... Ei! – Acordei com a voz de um estranho que me chamava. – Acorda, cara! Com certeza bebeu todas ontem, não foi? Mas, isso não é lugar de dormir não. Bora levantar...

Quando levantei... A surpresa! Ele me conhecia.

— Félix?!

Olhei para ele tão surpreso quanto. Eu precisava saber quem ele era.

— V-Você me conhece?

— Félix! O que você tá fazendo aqui?

— É... Desculpa, mas... Quem é você?

— Quem sou eu? Não se lembra de mim, Félix? Juscelino, seu mecânico favorito!

— Oi? Não, espera... Quem é você?

— Sou eu, Félix!... Espera... Acho que eu sei o que foi... A Márcia me falou que você tinha tido um acidente que tinha mexido com sua memória.

— É... Sim... Foi, mas...

— Félix, vem comigo então! Eu vou te levar pra Márcia.

— Márcia?... Quem é a Márcia?

— Márcia? Não me diga que não se lembra dela também?! Ela era sua babá! Cuidou de você quando você foi morar com ela, te deixou vender hot-dog com ela... Ela te adora! Você é o menininho dela.

— Menininho? – Aquela palavra me fez recordar o sonho que eu tive quando estava na caçamba de lixo. Aquela mulher que me compreendia, que me oferecia ajuda... Ela me chamava de menininho.

— Vem, Félix! Vem! – Aquele homem pegou em minha mão e foi me levando.

— Espera! Para onde vai me levar?

— Para ver a Márcia, ora! A não ser que... Que você queira passar mais um tempinho aqui comigo.

Não gostei nada do seu tom malicioso. – Não, não... Me leva até ela.

...

Em pouco tempo já estávamos em frente a uma casa. A gente olhava para lá do outro lado da rua. O mecânico me apontou uma mulher que segurava um bebê nos braços e conversava com outra mais jovem.

— Olha, se você ainda não tá lembrado, aquela ali é a Márcia.

— Márcia... – Era ela! Era a mulher com quem sonhei, que me estendia a mão, que me chamava de seu menininho.

— Olha lá... Acho que a Valdirene já vai sair. É a filha dela, você lembra?

— Não, não lembro.

— Mas, é, é a filha dela. E a bebezinha é a neta, a Mary Jane. A Val sempre deixa a Mary Jane com a mãe, é incrível. Eu acho que ela não sabe cuidar muito de bebê, não. Quem cuidava bem da Mary Jane era você.

— Eu? – Aquilo me pegou de surpresa.

— É, Félix! Você tem o maior jeito com criança.

A afirmação dele me confundiu outra vez. Como que eu tinha sido um monstro tão terrível a ponto de jogar um bebê no lixo, enquanto que podia cuidar bem de outro?

— Vem. A Márcia vai entrar em casa. Vamo fazer uma surpresa pra ela?

— Vamos.

Fui com ele até a porta da casa. A mulher já havia entrado. O mecânico tocou a campainha e nós escutamos um sonoro “já vai” de lá de dentro. Eu estava ansioso para ver reação daquela mulher quando ela me visse. De alguma maneira, eu estava com uma sensação de tranquilidade que eu não sabia explicar. Bem diferente do incômodo que era quando eu estava na casa dos meus pais.

Eu fiquei um pouco de lado enquanto o mecânico se pôs de frente para a porta. Quando a mulher abriu, a ouvi falar:

— Ah, é você, Juscelino? Vem, entra! Eu tinha acabado de entrar com a Mary Jane, tinha que colocar ela segura aqui pra ela não cair. Mas, vem, entra...

— Espera, Márcia. Eu tenho uma surpresa.

— Surpresa? Que história é essa, hein, Juscelino? Qual é a surpresa pra mim? Vai me cobrar mais caro agora pra consertar minha vã, é? Só porque eu namoro o meu Gentil e ele tem um dinheirinho, isso não quer dizer nada...

— Não, Márcia, não tem nada a ver com a sua vã.

— Então, o que é?

— Eu encontrei uma pessoa que acho que você gostar muito de ver, porque eu sei que você estava morrendo de saudade.

— Morrendo de saudade? Ué! Eu só te disse que estava morrendo de saudade do meu meninin...

Ela nem terminou de falar, o mecânico me puxou pela mão e eu apareci na frente dela. Ela ficou me olhando como se tivesse um grande susto ao me ver, mas, ao mesmo tempo, seu olhar se encheu de emoção.

— M-Meu... Meu menininho!


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Notas finais do capítulo

Continua...



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