Café Frio escrita por Mah e Deh
— Nós falaremos em breve mãe, eu prometo. - Julia falou antes de desligar o celular. Tinha acabado de chegar no aeroporto de Moscou. Estava ali à trabalho, tinha sido escolhida para participar de um experimento e esperava ansiosa por isso.
Ela colocou os óculos escuros e olhou ao redor.
As pessoas estavam extremamente ocupadas levando malas e filhos, e nem sequer notaram sua presença.
Ela caminhou até um carro preto e sentou no banco de trás.
— Alguém te viu entrar ? - O motorista perguntou assim que ela fechou a porta.
— Não. - Julia respondeu com um sorriso orgulhoso.
O Homem deu partida no carro e saiu cantando pneu. Uma forma oposta de ser discreto, pensou Julia.
— Com quem falava no telefone?
— Minha mãe. - Ela suspirou. - Ela só queria ter certeza de que cheguei bem da viagem. Não sabe de nada, não se preocupe.
Julia não queria mentir para sua família e amigos, mas entendia que aquilo era necessário.
— Onde está Nicolas? - Ela perguntou depois de alguns minutos.
Nick - Ou Nicolas - era um grande amigo de Júlia, cujo ela não via à uns 6 meses. Ela soube que ele também participaria e mal podia esperar para que se reecontrassem.
— Em uma cafeteria próxima ao galpão. Te deixarei lá. - O Motorista respondeu.
Ω
Julia entrou na cafeteria que estava praticamente vazia, exceto por dois amigos sentados em uma mesa e um homem de sua idade sentado em um banco próximo ao balcão.
— Oi Nick. - Ela falou ao se aproximar, num tom alto o bastante pra que ele se virasse.
Ele sorriu ao vê-la e se levantou para cumprimentá-la.
— Não sabia que tinha sido promovida. Parabéns.
— A você também. - Ela respondeu ao se sentar em um banco - Deixou a barba crescer? - Ela notou.
— Não é hora de falar disso. - Ele respondeu e ela sorriu, encarando seus olhos castanhos. Sempre soube que nutria sentimentos por ele, mas nunca tivera coragem de dizer. E se não fosse recíproco? E se estragasse a amizade deles ? Não queria arriscar.
— Ainda temos vinte minutos. Fique tranquilo. - Ela avisou.
Um garçom se aproximou e colocou duas xícaras de café encima do balcão, lançando um olhar desconfiado aos dois antes de se retirar, eles decidiram ignorar.
— Pedi café antes de você chegar. - Nick explicou tomando um gole da bebida.
— Você falando russo? Não acredito que perdi. - Júlia provocou.
— Sabe que não sei falar russo. - Ele riu - Tive sorte que o garçom entende inglês.
— Achei que odiasse inglês. - Ela soprou na bebida quente para que não queimasse seus lábios. - Espero que não tenha vodka aqui.
— Pois é. Mas ele pode ser útil as vezes. - Ele franziu a testa - E russos não colocam vodka no café. Eu acho.
Eles riram e ela assentiu terminando o café.
— Ele aceita dólares americanos também? - Ela perguntou
— Provavelmente não. Mas tenho Rublo* - Ele fez um sinal pra chamar o garçom.
* Moeda Russa
— Fico te devendo essa, irei te compensar - Ela falou e se dirigiu a saída da Cafeteria.
Ela passou ao lado da mesa dos dois amigos e viu que eles a encarava.
— Algum problema? - Ela perguntou. Eles fizeram uma careta confusa e murmuraram algo em russo.
— Você também não sabe falar russo. - Nick provocou ao se aproximar. Ela revirou os olhos.
— Vamos logo. - Julia o puxou até o lado de fora.
Do outro lado da rua estava um galpão, sujo e abandonado. Ambos sabiam que ele estava assim propositadamente
— Está preparada? - Ele perguntou assim que entraram no galpão.
— Serão apenas 12 horas. - Ela respondeu com humor.
— No primeiro dia, sim. - Ele concordou. - Mas você não respondeu minha pergunta.
— Estou. - Murmurou meio incerta - E você?
— Mal posso esperar pra ver os Estados Unidos chorar. - Ele deu um sorriso convencido - Eles podem ser os primeiros a chegar a lua, mas não serão os primeiros a chegar em Marte. Estou pronto.
— Se é que essa história de ir a lua seja verdade.. - Julia completou. - E não se esqueça de que é apenas um teste. Pode ser que os EUA esteja planejando algo como nós. Pode ser que não dê certo.
— Nada de pensamentos negativos.
Eles chegaram ao fundo do galpão onde tudo que havia era um tapete no piso. Eles se entreolharam e afastaram o tapete com os pés, onde havia uma tampa no chão.
— Eu esperava algo mais tecnológico. - Ela confessou enquanto Nick levantava a passagem secreta.
— Isso foi feito a três décadas atrás, talvez não tenham tido tempo de modernizar. - Ele falou e entrou na passagem, Julia o seguiu.
Nick estendeu os braços para ajuda-la a descer.
— Não precisa. - Ela sorriu e pulou. Ela cambaleou ao chegar ao chão e quase caiu.
— Na próxima vez te deixo passar vergonha sozinha. - Ele riu.
Eles caminharam em linha reta no corredor escuro.
— Normalmente eu conseguiria. Só estou meio fraca por ter passado 12 horas em um avião. - Ela cruzou os braços.
Ele ignorou sua desculpa e se concentrou na luz no fim do corredor. Ao se aproximarem, passaram por dois seguranças que abriu passagem para os dois e chegaram até um laboratório.
Uma equipe de uma dúzia estudiosos e cientistas os aguardavam ansiosamente
ali dentro. Quando Nicolas abriu a porta do laboratório, Júlia percebeu que não estava pronta. Se sentia fraca e uma certa dificuldade pra respirar. A viagem havia sido longa e a troca de ambiente podia ter prejudicado sua respiração, afinal, não estava acostumada com o ar da Rússia.
— Achei que não iam chegar nunca - Um cientista, que Nick e Julia reconheceram imediatamente por ser famoso no mundo inteiro, falou. - Faltam três minutos para o contador iniciar. Guardem seus pertences naquele armário e voltem para iniciar o experimento. - Ele apontou para um armário no canto do laboratório.
Julia tirou seu óculos escuros, colocou na bolsa e a guardou no armário. Nick fez o mesmo com seu celular, chaves e relógio.
— Agora entendi porque estava de óculos, suas olheiras estão gritantes. - ele murmurou para que só ela ouvisse. Júlia revirou os olhos, era incrível como ele não perdia uma oportunidade de zoá-la.
— Não é hora pra isso - Ela imitou a voz dele.
Uma mulher pigarreou e eles se voltaram a equipe.
— Quando começamos? - Júlia balbuciou.
— Daqui a um minuto. - Ela respondeu. - Não se esqueçam : Vocês não poderão sair de lá por 12 horas. Esse é um simulador da atmosfera de Marte. Há oxigênio suficiente lá, mas também há outros tipos de gases e vamos testar o efeito deles em seus corpos. Também há comida, mas não há água, nem banheiro.
— Tenho certeza de que irão conseguir - Comemorou um cientista.
— Sem dúvidas, esse é um dia histórico pra humanidade. - Respondeu outro.
Ao ver que continuaram parados, um homem começou a empurra-los em direção á porta que levava até o simulador. Julia reconheceu o homem, sendo ele o motorista que levou ela até o galpão.
Ela e Nick respiraram fundo e entraram no simulador. A princípio, parecia uma sala comum, pisos e paredes brancas, uma mesa com comida e um enorme contador com o numero "12:00:00". Mas quando esse numero chegou à "11:59:59" a porta atrás deles se fechou. Júlia já sentia a diferença do ar rarefeito de Marte. Ela encostou o corpo na parede.
— Você está bem? - Nick perguntou.
Júlia fechou os olhos e deixou o corpo escorregar até o chão.
Ela começou a sentir seus órgãos falharem junto com uma náusea muito forte. Então, ela finalmente se deu conta do que estava acontecendo. Aquilo não era cansaço do vôo e nem ar rarefeito.
— Nick - Ela falou com dificuldade - O café.. ele estava evenenado.
Ele se agachou ao lado dela e segurou suas mãos, sem saber o que dizer.
— Nos confundiram com americanos? - Ela continuou. - Ou eram americanos disfarçados?
Ele aproximou seu rosto do dela. Ela se esforçou para abriu os olhos e o encarou pela última vez.
— Pelo menos você está aqui. - Sua voz soou como uma lástima.
— Não fale mais nada. - Ele respondeu percebendo a dificuldade que ela tinha pra falar.
— Eu .. amo.. você - Ela murmurou tão baixo que se eles não estivessem tão pertos ele não teria escutado.
Eles selaram os lábios em um beijo calmo e lento.
Embora sentisse que estava prestes a morrer, Julia sorriu ao fim do beijo. Era assim que gostaria de ser lembrada, mesmo que fosse por alguém que morreria dali a pouco, pensou ela.
Ela quase sentia o veneno correndo pelas veias e se espalhando por todo seu corpo. Júlia suspirou pela última vez e caiu em seu colo.
— Sinto muito pelo café, querida. - Ele acariciou seu rosto - Mas tenho amor á pátria.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!