Descobrindo Sombras escrita por Lucy Devens


Capítulo 19
Queda




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—Como assim? - Foi tudo o que eu consegui dizer quando Lúcio fechou a porta.

Noiva? Eu sabia que Lúcio e eu tivemos algo em uma vida passada, mas… Noiva?

John pareceu ter percebido meu desconforto. Foi até sua maleta, tirou uma garrafa de água e dois comprimidos dali e me entregou.

—Para te ajudar com a ressaca - Disse ele.

Eu não pensei duas vezes. Já estava ficando com dó das pobres plantinhas da janela. Teria que dar um jeito nelas depois.  Peguei os comprimidos e coloquei na boca, então segui com a garrafa de água e tomei tudo tão rápido que mais pareceu que eu a virei em um só gole. A sede havia melhorado.

—Como eu posso estar de ressaca se eu não bebo há dias? - Indaguei.

—São as memórias - Explicou John - Você sente tudo o que viveu naquele dia, às vezes até na vida inteira. 

Isso explicaria os calafrios, a vontade de chorar e o enjoo. Mas não explicava o por que de tudo isso estar acontecendo. E ainda a palavra “noiva” ecoava em minha cabeça.

John deu uma volta no meu quarto, pegou o copo descartável com o meu chá e olhou para ele.

—Ele sabe que você não põe açúcar no seu chá - Disse ele - Nem no seu café.

Engoli seco. Quanto eles dois me conheciam?

—Então por que colocou açúcar no meu chá? - Foi tudo o que consegui dizer, mais uma vez.

Mas John não respondeu. Apenas olhou para o nada, pensativo. Era como se ele estivesse ali sozinho, imerso em pensamentos, preocupado com algo que eu sentia que nunca saberia do que se tratava. Aproveitei esse momento e me concentrei nele. Talvez eu conseguisse abrir suas chaves, como fiz no manicômio na Filadelphia. Consegui começar a ler suas emoções. Ele estava ansioso, apreensivo, com medo e preocupado. Muitas emoções para serem mostradas tão superficialmente, o que me deu a sensação de que haviam muitas coisas em sua mente.

John me lançou um olhar e todos os cadeados foram fechados. Senti um calafrio repentino na espinha.

—Não tente - Disse ele.

—Como você consegue?

Ele veio até a mim e se sentou na cama.

—Foram séculos de prática - Ele estava sério

—John - Me aproximei dele - Eu estou tentando entender…

Ele respirou fundo.

—Eu sei, Mey - Sua voz estava cansada - Para ser sincero, todos estamos tentando entender. - Ele deu uma pausa. Não estava medindo suas palavras, parecia estar apenas tomando um tempo para organizar seus pensamentos. Apesar de não conseguir ler os dele já li de incontáveis pessoas e elas tinham essa expressão quando estavam tentando organizar tudo em suas devidas caixinhas - Eu te prometo que vamos todos entender. Mas, por agora, eu preciso que você fique bem.

Eu não sabia dizer ao certo o que aquilo significava. Se era para eu parar de tentar descobrir as coisas, elas viriam naturalmente? Talvez ele estivesse querendo que eu ficasse longe do Lúcio. Poderia ser ciúmes?

Eu me levantei da minha cama e fui até meu armário pegar algumas coisas para poder tomar meu banho, mas parei ali mesmo e não peguei nada do armário.

—Eu não sei o que você quer dizer - Confessei - É difícil entender quando você não é claro, quando você não consegue conversar comigo.

Eu estava ficando brava. Eu sabia que ele estava tentando me proteger. Mas eu não sabia do que. Eu podia aguentar alguns sintomas. Eu poderia aguentar o que quer que fosse. Dessa vez eu iria sobreviver, eu iria entender tudo o que estava acontecendo comigo. Com ou sem a ajuda de John.

A raiva estava crescendo dentro de mim.

—Você não quer me contar o que está acontecendo - Comecei e me virei para ele - Não quer deixar Lúcio me mostrar. Tudo é um buraco escuro com alguns flashes de luz que não apontam para lugar nenhum. Sei que estava na Rússia depois da guerra em uma cidade que nem tem o mesmo nome de hoje, que fiquei presa em um manicômio na Filadelphia e que tive um caso com Lúcio na Califórnia, mas o que isso quer dizer? 

Eu deixei todas aquelas palavras saírem de mim sem nenhum filtro. Eu estava muito agoniada com tudo aquilo. Já John continuava sério, impenetrável. Não respondeu nada.

Eu bufei como resposta ao seu silêncio.

—Se você não for me ajudar, não tente me impedir de buscar ajuda em outros lugares - As palavras saíram amargas da minha boca, mas era aquilo que eu precisava dizer.

—Em outros lugares, com o Lúcio? - Ele se levantou e veio em minha direção - Você acha mesmo que ele está querendo te ajudar?

—E como eu vou saber se sim ou não?- Meu tom de voz estava ficando mais alto - Você claramente não está muito a fim de me ajudar.

—Não estou a fim? - Ele sorriu, mas era um sorriso sarcástico, um sorriso de alguém que está com raiva e não de alguém que está feliz. - Você não tem ideia.

—Que bom que você finalmente entendeu, John. Eu realmente não tenho ideia. De absolutamente nada do que está acontecendo.

Um minuto de silêncio. Nós dois precisávamos digerir aquelas palavras. Eu sentia um nó se formando em meu peito. Não queria brigar com ele, mas a raiva tomou conta de mim. Eu estava cansada de ficar no escuro.

De repente eu me lembrei de algo. Tivemos uma briga como essa na Califórnia. Estávamos no meu apartamento perto da praia. Eu estava tendo muitas memórias de uma vez e elas estavam me deixando cansada e irritada. Ele estava tentando fazer com que eu me desapegasse daquela ideia de ter que lembrar de tudo, sua cabeça estava tão confusa que ele não conseguia me manter fora dela e eu acabei usando aquele momento para tentar arrancar qualquer informação que fosse.

Senti remorso. Eu tinha acabado de tentar fazer a mesma coisa, mas ele não deveria ter seus pensamentos vasculhados. Era algo extremamente invasivo.

—Me desculpe - Eu disse e ele me olhou confuso - Por ter tentado vasculhar seus pensamentos hoje e no meu apartamento... - Dei uma pausa, ele ainda tinha aquela expressão confusa - Nos anos 70 - Expliquei e cruzei os braços abraçando a mim mesma, como se estivesse gelada e pudesse me aquecer sozinha.

John respirou fundo e veio até a mim.

—Você se lembrou agora? - Ele falava de uma maneira tão suave que mais parecia um sussurro.

Segurei as lágrimas que queriam desabar e acenei com a cabeça, olhando para os lados. Não conseguia encará-lo. Apenas fiz que sim com a cabeça. John respirou fundo como resposta. Eu queria muito entender o que se passava com ele, por que esconder tantas coisas, mas ele estava se recusando a me dizer qualquer coisa que fosse relevante.

—É melhor eu me arrumar - Eu disse ainda sem encará-lo.

—Tudo bem - Ele respondeu calmamente, então veio até a mim, estava muito próximo. Ele colocou seu dedo indicador embaixo do meu queixo e me fez olhar para ele e pousei meus olhos nos seus. Eu estava fazendo um esforço enorme para não chorar. Nunca me senti tão frágil em toda essa minha vida - Se precisar de qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, me avise. - Então ele pôs sua mão atrás do meu pescoço e deu um beijo suave, porém demorado, em minha testa e foi embora.

Quando ele fechou a porta eu soltei o ar que não sabia que estava segurando.

O que iria acontecer agora?

 


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