Coringa: Carta em Branco escrita por Agama


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, boa leitura :^)



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A lua brilhava do lado de fora da minúscula janela gradeada de um quarto de concreto. Não havia outra iluminação fora essa, além da fresta de luz por debaixo da porta de ferro que era a unica saída do aposento, com uma pequena abertura pelo qual provavelmente deveria se passar comida e água, abertura essa que se encontrava fechada. As paredes eram robustas e certamente sua espessura era bem mais do que qualquer um desejaria para escapar dali. O chão era frio, de pedra, não tendo chances de ser escavado. Não havia qualquer mobília no aposento. O calor nesse local era brutal e a condição chegava a ser desumana.

Mas naquele recinto, não se trancafiava um humano. Mal como besta pode se descrever tal criatura ali encarcerada. Sentado no chão, um homem pálido. O escuro dificultava reconhecer suas feições, mas alguns detalhes eram muito expressivos para serem ignorados. Um cabelo desbotado e molhado de suor, numa cor verde marcante; uma pele alva, contrastando com o cenário sombrio; uma perturbadora cicatriz em sua boca, como um eterno sorriso, um assustador e tétrico sorriso, semelhante à mascara de um palhaço. Seu torso era revestido por uma camisa de força, deixando apenas suas pernas livres. Ele sentava um pouco para a esquerda do centro da sala, como se estivesse deixando um espaço para outra pessoa sentar, no canto direito. Pessoa esta que encarava o ser pálido com um semblante de fúria imbuído de seriedade.

O segundo homem estava completamente emergido nas sombras, sentado, com apenas seus dois olhos brancos e as formas musculosas e revestidas de seu corpo sendo distinguíveis. Usava um traje especial, negro, se camuflando com a escuridão da cela. Podia-se também notar duas formas pontudas acima de sua cabeça, como orelhas de um morcego. Uma capa descia de seus ombros e chegava até o chão. O primeiro homem se põe finalmente a falar:


— Você sabe a diferença entre um corvo e uma escrivaninha? - O pálido ri da própria pergunta. O homem nas sombras, nada. - Sabe, você poderia deixar de ser durão assim as vezes, imagine todos nós sentados ao redor de uma fogueira, eu, você, quem sabe até o garoto Jason...



O morcego aperta o punho com força.



— Opa, opa, tópico errado, desculpa, próximo! - Risada. - É que... ficar aqui preso, não é tão ruim. Você reflete, pensa algumas coisas que não pensaria se... não sei, estivesse tentando tocar o caos em Gotham, por exemplo. Coisas do tipo... você sabe a simbologia das cartas do baralho?



O homem nas sombras nada diz, apenas encara o palhaço com frieza.



— Vou tomar isso como um não, Batsy. Bom, o principal baralho utilizado é o baralho francês, de 52 cartas, 4 naipes, tendo 13 cartas de cada um, numeradas de 2 a 10 juntamente a um ás, um valete, uma rainha, um rei e... dois coringas independentes. Você tem alguma ideia do por que de termos dois coringas no baralho e só um nesta sala? Parece uma pergunta bem aleatória, mas eu irei lhe explicar.



O palhaço se inclina para conseguir encostar na parede, relaxando a postura. O morcego continua parado, o observando, com os punhos cerrados, esperando o que o pálido tem a dizer.

 



— Cada carta no baralho francês, segundo cartomantes e coisas do gênero, possui um significado em relação a sua posição com as outras cartas. Imagine que na sociedade somos todos cartas. Talvez aquela mulher que você viu na rua a algumas horas seja uma dama de ouros, mulher charmosa, sedutora, atraente, desejada. E se quando ela chega em casa, sua carta se torna uma Rainha de Paus? Que esconde sua melancolia e infelicidades atrás da dama de ouros. Talvez você, Vigilante de Gotham, seja um Rei de Copas? Um homem imponente, poderoso, influente? Outrora, de acordo com as outras cartas na mesa você talvez seja um Cinco de Paus? Indicador de tristeza, depressão. Quem sabe ainda um Rei de Espadas? Um homem violento, perigoso que faz justiça com as próprias mãos?



O homem para um pouco de falar, pingando de suor, para desfrutar da sensação causada por suas últimas palavras.



— Mas se todos podemos ser qualquer carta... se podemos ter qualquer numeração, qualquer posto, qualquer valor... não somos nós, coringas? Não há só um coringa nessa sala, Batsy. Qualquer um pode ser um coringa. Todos, no fundo, somos um coringa. Temos dois coringas aqui, Cavaleiro das Trevas. Mas ainda não podemos dizer qual tem o maior valor. - Esta frase se segue por uma gargalhada contida e profunda, de dentes cerrados, que brilham levemente ao receber luz da lua pela janelinha do aposento.

 


— Você se diz o coringa, mas não toma nenhum outro valor para si, palhaço. - Fala finalmente o homem morcego. Sua voz é gutural e rouca, mas perfeitamente clara. - Você é uma carta vazia, com os mesmos pretextos sempre e sempre. As mesmas atitudes, mesmos erros. Você não se adapta a sociedade. Você quer que os outros se adaptem a você, sejam como você. Você é só uma carta em branco, procurando um valor momentâneo que nunca vai ter de fato.

— ESSE É TODO O PONTO, BATSY! - Grita o coringa numa risada frenética. - Eu já sou o coringa! Já sou a carta em branco. Eu só quero que vocês entendam que são como eu. Qualquer um pode ser louco. Apenas não querem perder seus naipes.

— Eu tenho nojo de você. - Diz o vigilante de Gotham.

— Você tem nojo de você mesmo? Ah, vamos lá, Batman. Somos cara e coroa, duas faces da mesma moeda. Não existimos um sem o outro. E quanto a isso, não me refiro apenas ao conceito Batman e Coringa. Eu digo mais. Ordem e Caos. Justiça e Crime. Uma não pode destruir a outra. Pois sem uma, a subsequente não existe. Eu já disse e repito: apesar de termos ideias diferentes, Batsy, somos um todo. Somos Batman. Somos Coringa.



O homem das sombras se mantém calado ante o comentário do palhaço. Depois de uma pausa, o louco continua:



— Palhaço do Crime... Cavaleiro das Trevas. Nomes, identidades, alcunhas, NADA DISSO IMPORTA! O que importa é a aleatoriedade de cada ser, o resquício de loucura, a instabilidade da carta em branco. A perfeição do não-previsível.

— Você ignora a parte única que mantém as pessoas como pessoas. A essência de cada um. Temos diferenças, temos, usando seus termos, nossos valores originais. A mudança não é permanente, sempre voltamos para o estado padrão. Isso nos mantém humanos.

— Isso nos mantém presos. - O coringa bate com a nuca na parede duas vezes, como se quisesse fazer menção á seu próprio carcere. - Você acha que está livre, morcego? Acha que pode abrir as asas e voar? Não. "Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu." Você não pode simplesmente voar. Você é preso por si mesmo na sua essência. No seu "valor original". Eu sei meu valor.

— Nenhum? - Retruca o vigilante.

— EXATAMENTE! A incógnita! O "x"! Eu sou o coringa. Esse é meu valor. E logo, cada um vai descobrir que este também é o valor de vocês. Concorda, Rei de Espadas?



O Batman levanta do chão frio, subitamente, ainda olhando para o palhaço. Ele, ainda de frente, adentra ainda mais a escuridão. Desaparecendo completamente.



— JÁ VAI, JUSTICEIRO DA NOITE? VOCÊ AINDA NÃO RESPONDEU MINHA PERGUNTA, HAHAHAHA! QUAL É A DIFERENÇA ENTRE O CORVO E UMA ESCRIVANINHA, BATMAN? HAHAHAHAHAHAHAHA, HAHAHAHAHAHAHAHAHA, HAHAHAHAHAHAHA! - O palhaço do crime ri descontroladamente, num êxtase brutal, como um prazer indescritível tomando seu corpo.



Uma batida na porta de ferro ressoa pelo quarto de concreto, mas a risada continua. O coringa mal escuta a voz de um guarda dizendo:



— Ei, Coringa, tava conversando sozinho de novo, sua aberração? São 2 da manhã e os outros doentes querem dormir. Fecha a matraca!


HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!!!!


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Notas finais do capítulo

Eu queria muito descrever a risada do coringa de uma forma magistral mas... meh, acho que não consigo, os "Hahahaha" são muito icônicos pra mim, espero que não tenham se incomodado. Enfim, espero que tenham gostado, obrigado pela leitura :3