Svyazi escrita por Leona Devolk


Capítulo 9
Capítulo IX - Divisão de Pesares


Notas iniciais do capítulo

Hm, ok, eu ia incluir muito mais coisas mas o capítulo ficaria gigantesco :v well... foi feito de coração ♥



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 O gosto por revólveres que Adam adquiriu, em meio aos traumas do trabalho escravo, poderia ser classificado como uma verdadeira paixão. Em seu ver, revólveres eram artefatos elegantes, complexos, compactos e, sobretudo, possuíam requintes que os diferenciavam de qualquer outra arma. O sábado enfim havia tido início, e isso significava a primeira oportunidade de Adam descobrir do que um revólver seria capaz.

 Cobra Unit já havia para Adam se tornado um lar, mas somente após todo um processo burocrático que sua presença e frequência tornaram-se oficiais. Todos os seus documentos haviam sido assinados e entregues antes do jantar do dia antecedente, e uma ficha com seus dados foi posta junto a muitas outras nas grandes gavetas de ferro da coordenadoria. Finalmente, estava inscrito em seus almejados treinamentos.

 Seu ânimo havia sido restaurado por completo, a ponto de ter despertado por livre e espontânea vontade minutos antes do primeiro toque do sinal. Embora não fossem boas as suas recordações ao lidar com armas, receber consentimento para manusear algumas delas deixava o fã de western em euforia.

 Sob o chuveiro, Adam esfregava o rosto e os cabelos nervosamente. A água morna sobre sua pele em nada auxiliava em sua apreensão. Pela primeira vez, estava experimentando o amargo sentimento da ansiedade. Somente no momento onde assinou papéis de confirmação de presença em treinos por ele selecionados, se deu conta das inúmeras possibilidades de cometer erros ou passar por situações embaraçosas na frente de professores, amigos e de muitos outros alunos.  

 Não sabia atirar, embora soubesse manusear revólveres. Não sabia ser discreto, mesmo que houvesse absorvido algumas dicas com o mais velho dos Snakes. E, principalmente, não fazia ideia de como era lutar. Como se todas essas razões para seus temores não fossem o bastante, havia também o incômodo detalhe de que sua chegada ocorreu exatamente na metade do ano letivo. Não havia outros iniciantes como ele para fazê-lo sentir-se confortado, ou ao menos para que não passasse por vexames sozinho.

 Apesar de todas as adversidades e de seu nervosismo, Adam não desejava voltar atrás. Encararia suas apreensões. Desejava se tornar bom em algo, mesmo que isso implicasse em ignorar as pontadas de preocupação por seu estômago. Desligou o chuveiro, inspirando profundamente, na tentativa de manter seu corpo relaxado.

 Hal, Ahab e Kaz, que antes também se banhavam nos chuveiros próximos, saíam de suas posições com toalhas enroladas nos quadris e com as bolsas contendo suas roupas em mãos. Os três encaminhavam-se aos longos bancos de madeira a alguma distância de onde Adam estava, enquanto o jovem russo secava os cabelos com a toalha lentamente, feito uma calmante terapia, sob o chuveiro inativo.

 David e John eram os únicos no banheiro que ainda trajavam seus pijamas. O Snake do meio encontrava-se curvado frente a uma das pias, passeando cuidadosamente um aparelho de barbear feito em aço por sua face coberta de espuma. Removia todos os curtos fios de sua barba em desenvolvimento, atento ao seu reflexo no espelho para obter precisão. Seu rosto tornava-se liso e livre de pelos, enquanto John permanecia a encarar um idêntico barbeador numa de suas mãos. Desolação estampada em suas feições, sua barba desordenada e intocada.  

 — Pretende começar hoje, John? — David dizia ao limpar o barbeador sob a água corrente.

 — Sabe que preciso me despedir. — acariciou tristemente os pelos faciais.

 — Em uma semana você recupera tudo outra vez, Snake. — Kaz relembrou, no aguardo junto aos demais por uma cabine vaga onde pudesse se vestir. — Ao contrário de nós.

 Embora o corpo de Kaz estivesse envolvido somente pela toalha, os óculos de sol já estavam postos no seu rosto. O acessório era, para ele, essencial. Sua ausência por tempo prolongado causava desconforto, assim como ocorria com a boina que Adam usava.

 — Eu que devia estar lamentando. — David dizia, guardando o barbeador num estojo especial. — A minha demora meses para aparecer.

 — Ter um pouco é melhor do que não ter nada. — disse Ahab, costumeiramente direto, dando de ombros.

 — Por falar nisso, há alguma barba crescendo no seu rosto. — Kaz observou os pequenos traços de pelos que cresciam em alguns pontos na face do mais silencioso. — E você é novo. Talvez tenha tanto quanto os Snakes daqui a dois anos.  

 — Dave não tem tanto assim. — Hal zombou. Não usava seus óculos, fazendo parecer que seus olhos eram menores. Um tímido sorriso em seus lábios. — Não sei o que ele está tentando tirar ali.

 David voltou-se para ele no mesmo instante. Secava o rosto livre de pelos pacientemente com a toalha, seu semblante carregando um aborrecimento sutil.

 — Se quer saber — David guardava o estojo em sua bolsa. — Meryl gosta mais de homens com a barba feita. Pode ser esta a minha chance de conseguir algo com ela — voltou-se para Hal. — O que acha, Otacon?

 Adam ouvia atentamente toda a conversa. O topo de sua cabeça, onde seu cabelo era ligeiramente mais alto, encontrava-se com fios desalinhados e rebeldes após tanto esfregá-los. Enquanto encaminhava-se aos bancos com a toalha ao redor de seus quadris, notava o imenso esforço que Hal fazia para não demonstrar quão incomodado estava com a situação. Sua atenção pairou de um rosto a outro entre os rapazes em seu grupo, e Adam viu-se atônito.

 Não era capaz de compreender como ninguém além dele havia notado o quanto a menção de Meryl deixava Hal desconfortável.

 — Talvez seja, Snake. — o fã de mangás respondeu impacientemente. Sua entonação com claro desânimo para este tipo de pergunta.

 Uma das cabines se abriu, e um rapaz devidamente uniformizado e muito provavelmente pertencente ao ensino médio de lá saía. Seus cabelos eram louros numa tonalidade escura, brilhantes e bem ajeitados, divididos lateralmente, e uma barba suave e quase imperceptível seguia pela terminação de seu maxilar. Hal levantou-se de súbito e direcionou-se à cabine, não permitindo que nenhum dos outros rapazes ocupasse o espaço antes dele.

 Adam via-se em Hal. O modo evasivo com que se comportava e seu desespero por desaparecer.  

 — Uh... — o jovem que havia desocupado a cabine captou a atenção de Hal, e consequentemente a dos outros no grupo. — Eu... Não entraria aí agora se fosse você.

 — Diarreia outra vez, Johnny? — David perguntou.

 — É... — passou uma mão pela nuca, encabulado. — Espero que isso não me atrapalhe no treino de hoje.

 — Pode se sair bem se tentar. — respondeu simplesmente, como uma pequena motivação.

 Hal retornava para o banco com os outros, decepcionado pela falha em sua tentativa de fuga. Johnny se foi, constrangido e sem palavras a acrescentar, e Adam pôde somente acompanhá-lo com o olhar até que se afastasse completamente. Sua empolgação era nítida.

 — O nome dele é Johnny? De verdade? — Adam perguntou, entusiasmado, sem interlocutor específico. Havia encontrado alguém com o mesmo nome de seu ídolo literário.

 — Johnny é um nome comum por aqui, cowboy. — John esclareceu com um sorriso. — Assim como “John” também é.

 — Imagino que o nome John na América seja como Ivan na Rússia. — Kaz comentou. — Nomes comuns que estão por toda a parte.

 — Na fábrica em que trabalhei — Adam comentou vagamente. Tristeza apossava-se de suas feições. — Um dos garotos se chamava Ivan.

 Memórias sombrias retornavam para o jovem russo. O alto-comandante daquela indústria possuía uma preferência intrínseca por manter este garoto em específico mais próximo de si.

 Adam lembrava-se de trabalhar com Ivan no mesmo setor durante quase todo um ano. Mesmo que não pudessem conversar o suficiente para criar um vínculo, Ivan havia sido o mais próximo que Adam poderia considerar como um amigo, ou um colega ao menos. Era de sua mesma idade durante a época; possuía cabelos ainda mais claros que os dele e feições tão delicadas que por muito pouco poderia ser confundido com uma menina. Mas, ainda assim, era um belo rapaz. Uma beleza que por muitas vezes captava a atenção do comandante.

 E num dia comum, inesperadamente, Ivan foi pelo comandante chamado. Não precisou trabalhar nenhuma vez a mais desde então, e sua aparição tornou-se um evento raro. Adam, vez ou outra, podia vê-lo distante e brevemente, sempre asseado, bem vestido e de cabelos mantidos médios e brilhantes. O comandante gostava de mantê-lo belo.

 Por mais incrível que pudesse parecer, nenhuma outra criança na fábrica possuía tanta dor no olhar quanto o pequeno Ivan. Após o resgate feito pelos americanos, Adam não o viu em momento algum, e sequer lembrava-se de sua existência na ocasião. A última aparição de Ivan havia sido há quase seis meses antes do último dia de Adam como escravo.

 — Aliás... — John voltou-se para Adam, sério. — Posso saber por que se empolgou tanto com Johnny e não deu a mínima para John?

 — E, por acaso, Johnny é o mesmo que John? — Adam zombou, erguendo uma sobrancelha.

 — São nomes parecidos, e você sequer fazia ideia de como eram comuns quando me apresentei. — cruzava os braços. Não fazia questão alguma de ocultar os ciúmes que sentia. — Você não teve qualquer reação.

 — Porque eu estava envergonhado demais pela forma com que você me olhava, talvez? — Adam o imitou ao cruzar os braços. Sua mente acendeu-se num pequeno lapso. — Por falar nisso... Por que estava me olhando daquele jeito?

  John se calou. Uma ruga de apreensão formava-se em sua testa. Todos no grupo o observavam, aguardando por alguma resposta.

 — Você me lembra alguém. — respondeu com honestidade, após uma ligeira hesitação. — O seu rosto.

 — Eu lembro? — Adam repetiu, desconcertado. — Quem?

 — Eu não sei. Não ao certo. — seus olhos azuis puseram-se nos mais claros que o russo possuía. — E havia outro motivo, também.

 — E qual seria? — perguntou, confuso. Uma leve pontada de impaciência em sua voz.

 Um pequeno sorriso de intenções incertas surgia nos lábios de John, enquanto seu olhar em Adam mantinha-se fixo. O mais novo podia sentir seu rosto queimar com ímpeto, e titilações frias perturbavam seu abdome nu. Seu coração agitava-se.

 Adam poderia estar imaginando coisas. Coisas demais.

 — Vamos logo. — David dirigia-se aos chuveiros, numa interrupção abrupta. — Ainda quero tomar o café da manhã hoje.

 John suspirou pesadamente. Deixou de olhar para Adam, causando-lhe alívio. Encarou o barbeador por uma última vez antes de voltar-se para a pia novamente. O coração de Adam apertava-se, sem que atribuísse uma coerente razão para tal.

 — Você pode aparar a barba com uma tesoura em vez de tirá-la. — o russo sugeriu rapidamente, quase se atrapalhando nas palavras. — Dra. Clark cortou meu cabelo com uma tesoura e um pente, talvez você possa...  

 — Adam, não dê ideias para ele. — Kaz cortou sua fala. — Ele nunca mais vai querer tirar essa coisa.

 — E por que ele deveria tirar? — o russo o encarou em resposta. Seus olhos semicerrados.

 — Por questões de higiene. Se dependesse somente dele, andaria feito um mendigo por aí.

 — Está exagerando. Sugeri que mantivesse aparada, não que deixasse crescer.

 — Seja permissivo com Snake uma vez, e veja o caos acontecendo. — Kaz prosseguia em seu protesto. — Vai acabar criando um monstro, Adam.

 — Não vou. — afirmou, convicto. — E a barba dele é legal, não há razões para tirá-la.

 — Finalmente — John possuía um sorriso de imensa satisfação. — Alguém que também pensa dessa forma.

 John reteve os próprios passos, quase involuntários. Pretendia aproximar-se de Adam e bagunçar amavelmente seus cabelos, mas no ambiente havia pessoas demais. Passava a guardar o inútil barbeador em seu devido lugar, como distração para si mesmo.

  — Obrigado pela sugestão. — John disse, como um encerramento do debate. — Vou tentar depois.  

 Kaz pousou uma mão no rosto em irritação pela derrota. Os demais optavam por não se pronunciar, para que o peso da discussão não neles respingasse.

 David e John tomaram rumo aos chuveiros, e Adam passou a também aguardar nos bancos enquanto Ahab, Hal e Kaz tomavam cabines vazias antes dele. Havia posto a salvo a barba de John, e sentia um inexplicável alívio por seu feito. Definitivamente, gostava daquela aparência.

 Próximo ao chuveiro que havia selecionado, John pendurou sua bolsa no gancho do muro baixo. Removeu a camisa que usava com certa rispidez e, desleixadamente, apoiou-a na parede, despreocupado em amassá-la. A face de Adam por inteiro com a visão se aquecia, seu coração descompassava em seu ritmo e um diferente calor ocorria por seu ventre, seguindo feitas ondas ainda mais quentes pela região mais abaixo.

 Uma sensação diferente e desconhecida. Gostava e ansiava por sentir mais, e lhe custava admitir em seu íntimo que seu amigo era agradável de observar.

 Constrangido, modificou a direção de seu olhar. Em alguns pontos, todas as manhãs eram idênticas umas às outras.  

 

 

 

* * *

 

 

 

 Como um doce costume, todo o grupo esteve reunido à mesa para o café da manhã. Divertiam-se sem medidas, fazendo Adam esquecer completamente do nervosismo que sentia para os treinos.

 Saíram do refeitório devidamente saciados e, em Adam, toda a tensão foi substituída por uma ansiedade suave, beirando o agradável. A partir desta primeira refeição no dia, o grupo tornou-se disperso, estando somente as duplas pré-concebidas unidas entre si.

 O treino de tiro teria início em pouco menos de uma hora. John esteve ao seu lado por parte desse tempo ocioso, com um braço sobre seu ombro, tranquilizando-o com conversas amigáveis para as aulas que estavam por vir. Pouco a pouco, Adam sentia-se acostumar com o alterar em seu ritmo cardíaco quando John o tocava. Gostava do calor delicado que lhe subia ao rosto com a proximidade e de olhá-lo ao falar. Se fosse possível, gostaria de ter a atenção dele por todo o dia.

 Por alguns minutos, cogitou que realmente a teria. Até ela aparecer.

 Só é possível reconhecer os sentimentos de outro alguém, mediante uma qualquer situação, ao compartilhar de iguais ou semelhantes sensações. Adam havia deixado John preocupado ao desaparecer em seu momento de angústia, ocorrido há menos de dois dias; e, agora, era a vez de John desaparecer de sua vista.  

 — Snake... — Tatyana pôs-se a frente dos dois, com suas delicadas mãos unidas e exibindo seu melhor semblante de cão sem dono. — Você não me procurou mais... Pensei que fosse me chamar para a conversa que prometi.

 John, involuntariamente, retirou o braço do ombro do mais novo. Adam conteve uma raiva crescente.

 — Desculpe. Eu... — buscava por uma desculpa adequada. — Esqueci.

 — Desta vez, eu realmente preciso de você. — a garota voltou-se para o jovem russo. Sua entonação sempre amável. — Adam, importa-se se eu roubar seu amigo por um momento?

 Adam hesitou sob o olhar dos dois. Forçou um sorriso súbito, trêmulo, buscando afirmar mais para si mesmo que para os outros que a situação em que foi posto em nada o afetava.

 — Claro que não. — o loiro afastava-se em alguns passos para trás. O largo sorriso plástico estampado nos lábios. — Vou... Procurar pelos outros. Até logo.

 — Nos vemos na aula, cowboy. — John, ingenuamente, sorria para ele.

 — Não vamos demorar. Eu prometo. — Tatyana agarrou um dos braços do mais velho. Carinhosamente, encostou a cabeça num de seus ombros.

 Adam girou nos calcanhares, recusando-se a olhar por mais um segundo sequer. Pôs-se a caminhar para qualquer lugar que ali não fosse, controlando-se fortemente para não endurecer seus passos. O sorriso desaparecia em seu rosto, fazendo-o sentir uma sutil dormência em suas bochechas.

 Em suas entranhas, recomeçavam os incômodos e as sensações cortantes, quase frias. A combinação de raiva e melancolia tomava conta de seu ser e de seu pensar. Não fazia ideia de qual expressão John possuía naquele instante, e definitivamente não desejava descobrir. Acima de qualquer outra coisa, não desejava passar por outra crise. John era seu amigo, Tatyana nele tinha interesses, Adam devia compreender e aceitar.

 Precisava aceitar.

 Não possuía qualquer direito de interferência, afinal. John era um rapaz, Tatyana era uma garota que dele gostava, e Adam... Adam era seu irmão mais novo.

 Após tomar uma grande distância, ainda para Adam não suficiente, Tatyana e John não estavam mais à vista. Recostou-se na parede lateral do prédio A, permitindo-se por ela descer até sentar-se sobre o morno solo. Cruzava os braços em frustração. Seu interior, inconsistente.

 Os circuitos de obstáculos para treinamentos mais pesados, dignos de grandes exércitos, estendiam-se à distância. A alta cerca e o grande portão dos fundos, feito como via para a densa floresta, exibiam esplendor à sua direita. Poderia ler para distrair-se de tudo, mas o ânimo para tal era inexistente. Suspirou lastimosamente, de olhos vedados.

 — Oi, Adam. — uma figura reclusa o cumprimentava, sem ânimos vocais. Estava sentado logo ao lado antes mesmo de sua chegada, a cinco metros de distância, sem que Adam o tivesse notado.

 — Hal? — voltou-se para ele, surpreso. — O que faz aqui?

 — Esperando pelo Dave. — abraçava as pernas firmemente. A lateral de sua face repousava sobre os joelhos, os óculos redondos tortos por milímetros. — E você?

 — Esperando pelo John. — apoiou o cotovelo sobre uma das pernas cruzadas e o rosto sobre a palma de sua mão. Sentir a textura da luva em sua face causava-lhe sempre algum alívio.  

 — Tatyana? — Hal pareceu ler seus pensamentos.

 — Sim. — respondeu, dando de ombros fracamente. Procurou em suas memórias o nome pertencente à garota muito por David citada. — Meryl?

 — Sim. — suspirou com igual amargor.

 — Quem ela é? — focou nos óculos do fã de mangás. — Não pareceu muito contente ao falar sobre Meryl nos chuveiros.

 — Não... Não tenho nada contra ela. — sorriu, sutilmente. — Chegou esse ano para iniciar o ensino médio e é filha de um grande militar. Habilidosa, também. Ela é legal.

 — David e ela...? — Adam perguntava relutantemente. Temia tocar em algum ponto que o incomodasse.

 — David gosta dela. — respirou, desolado. — E só.

 — Gosta? — o russo pendia a cabeça para o lado, não compreendendo o sentido imposto na palavra.

 — Você sabe... Gostar. — voltou-se para ele. Repensava cuidadosamente. — Ou não sabe?

 As feições de Adam tomaram um aspecto infeliz enquanto refletia seus temores, suas dúvidas e suas dores. Refletia amargamente, com o coração pesado:

 “Talvez eu saiba do que se trata.”

 — Mais que como um amigo, você quer dizer? — perguntou, ainda que fossem poucas as suas incertezas para este tópico.

 — Isso. — afirmou com suavidade. — Gostar muito de alguém.

 Um silêncio desconfortável ali instaurou-se por alguns segundos. Era nítido o quanto ambos desejavam distrair-se ou extravasar pesares.

 — Não acho que Meryl goste do Dave. — Hal iniciou, oferecendo a Adam alguma salvação de si mesmo. — Não da forma como ele gostaria.

  — Por que acha isso? — esforçava-se para manter em oculto as suas angústias.

 — Eu não sei... Ela não parece reagir bem às tentativas dele. — teve um breve momento para pensar. — Meryl, Tatyana, Stefanie... São todas amigas. E no grupo delas tem também a Naoko. Ou Wolf, que é como alguns a chamam.

 — Lembro de você ter falado sobre Wolf em meu segundo dia. Sobre ela dizer coisas inteligentes e sobre ser uma boa sniper.

 — Eu não fui totalmente honesto. Meryl e Wolf são bastante amigas, embora tenham tido desavenças no passado. Então, David tenta me fazer aproximar de Wolf enquanto ele tenta ter algo com Meryl. — torceu o nariz em clara irritação. — Como se isso fosse “compensar” alguma coisa.

 — Em meu primeiro dia, John disse que você, David e Ahab tinham sumido após o jantar para estar com algumas amigas. Eram elas?

 — Eram, sim. — esclareceu em desânimo. — Confesso que ser obrigado a passar o tempo junto a David e essas duas é um saco, mas se isso faz Dave se sentir melhor...

 — Por que você apenas não diz a ele que não tem interesse em Wolf? — franziu o cenho em preocupação. — Não devia se forçar a algo assim.

 — Porque Wolf é bonita, Adam... As pessoas achariam... — melancólico, mirou o olhar numa direção não específica. Pensava e repensava sobre quais seriam as palavras corretas a se usar na continuação de sua oração. — Achariam estranho se... Eu dissesse que não estou interessado em alguém feito ela.

 — Quem acharia isso? — observou-o transtornado. — Eu não acharia.

 — Mas todos os outros, sim. — afundou o rosto entre os joelhos. Mexia nos próprios cabelos com certo grau de nervosismo, sua voz agora abafada. — Até eu mesmo me acho estranho por isso.

 O russo entreabria os lábios, absurdamente afetado. Não sabia o melhor a ser dito, mesmo que muito ansiasse por ter algo a se dizer. O mundo parecia girar diante de seus olhos, num acúmulo de seus sentimentos incógnitos.

 Hal passou a mirar os olhos, sob as grossas lentes, na direção das quadras no centro no campus. Num ato reflexo e por curiosidade, Adam voltou sua atenção para a mesma direção. Sentiu seu estômago borbulhar de insegurança ao ver quem estava por vir: os mais velhos Snakes, lado a lado. John soava inexpressivo, enquanto David tinha seus braços cruzados e a cara emburrada, feito uma criança que teve seu brinquedo perdido.

 — O que aconteceu? — Hal perguntou sem rodeios quando os irmãos estavam próximos o bastante.

 — Meryl está namorando o Johnny. — John enfiou as mãos nos bolsos de sua calça estampada, despreocupado.

 — O Johnny. — David repetiu com ênfase, incrédulo. Intensificou ainda mais suas feições raivosas. — Vocês conseguem acreditar nisso?

 Hal hesitou por alguns instantes. Adam poderia jurar que nele havia esforço para conter um sorriso.

 — Sinto muito, Dave... — empenhou-se numa entonação de desapontamento.

 O jovem russo era incapaz de crer que estava presenciando tal situação. Ninguém além dele parecia notar o quão satisfeito Hal estava. Continha uma necessidade de rir.

 — Não sinta. — David chutou para longe uma minúscula pedra no chão. — Meryl é uma garota legal, mas às vezes é tão... Tão...

 — Burra? — Adam completou, quase inocentemente.

 — Burra. — David aceitou bem o adjetivo. Bufou rapidamente. — O que tem de traseiro, tem de burrice.

 — Não ligue para isso. — John deixou dois tapas num dos ombros do irmão e o segurou, para tranquiliza-lo. — Você se mostrou um bom pretendente para Meryl e ela não deu o valor que merecia. Azar o dela.  

 — Eu estaria menos puto se não tivesse sido o Johnny. Se ao menos fosse alguém melhor do que eu...

 — Olha a boca. — o mais velho o repreendeu com um empurrão.

 — Ah, que se dane. — o Snake do meio voltou-se para Hal após sua reclamação, seu olhar ainda duro. — Talvez eu devesse ter te escutado.

 — “Talvez”. — o míope fez aspas no ar.  

 — Estamos atrapalhando um momento importante? — todos foram surpreendidos com a pergunta em tom divertido, vinda de poucos metros distantes.

 Adam não pôde reter sua felicidade por rever Joy. Parecia não tê-la visto há uma eternidade, embora não passassem de 48 horas. Dra. Strangelove, com seu elegante porém quase casual terno e com seus brilhantes cabelos platinados, a acompanhava com certa graça em seu modo de andar. A pergunta divertida por ela havia sido feita, enquanto Joy sorria discreta e silenciosamente. Sua bandana sempre esvoaçante.

 — Vi que se inscreveu para duas das aulas em que leciono, Adam. — o pequeno sorriso permanecia no rosto da diretora, enquanto próxima para conversar. — Será um prazer passar para você algumas das coisas que sei.

 — Hal, querido, venha comigo. — a doutora estendeu a mão para ele. — A aula de engenharia mecânica começa em instantes e desta vez preciso de sua ajuda para alguns preparativos.

 Hal levantou-se, sem qualquer hesitação, e ofereceu um dos braços para a mãe. Prontamente recebeu o dela em troca. A doutora acariciou seus cabelos escuros com doçura.

 — E quanto a vocês — Joy olhou para os Snakes e para o russo franzino ainda no chão. — Não se atrasem. Vou buscar revólveres para a aula de hoje, quero ver Adam deixando vocês, soldados prodígios — teve uma pequena pausa para olhá-los, um por vez. — Impressionados.

 O russo teve calafrios deleitosos em seu ventre. Sua alegria multiplicava-se. Joy se foi após um meneio de sua cabeça, feito um cumprimento breve. David parecia infinitamente mais calmo...  Até Joy se afastar o bastante.

 — Preciso de água. — se retirou em pisadas firmes. As pontas de sua bandana azul sacudindo com brusquidão.

 — Tente não se afogar no bebedouro. — John zombou, inescrupuloso.

 — Vai se ferrar. — deixou como últimas palavras, causando em John uma risada.

 Após uma pausa, John fitou o jovem russo com um sorriso. Estavam a sós, novamente. O loiro lhe parecia ainda menor enquanto sentado, e isso o divertia.

 — O que era a tal ‘conversa importante’? — Adam cuspiu negligentemente as palavras. Os braços cruzados, feito uma mania involuntária.

 — A tal ‘conversa nada importante’, você quer dizer. — acenou negativamente com a cabeça, em decepção. — Apenas algo que eu e ela já havíamos conversado e eu pensava ter resolvido. Parece que me enganei.

 — É da minha conta? — fechou a cara. — Ou é algo que seria melhor eu não descobrir?

 — Acredite... — sorriu afavelmente. — Se fosse algo a qual dou alguma importância, eu certamente te contaria.

 Adam encarou o chão, com um tímido sorriso. Suas bochechas tornavam-se róseas. Desfez o cruzar de seus braços, com certa calma em seu espírito.

 John soava, a seu ver, sempre uma agradável companhia. Mesmo quando lhe parecia um grande idiota.

 — Venha. — John, afetuosamente, lhe estendeu a mão. — Talvez possamos barganhar por mais alguns cookies no refeitório antes da aula começar. O que acha?

 — Seria ótimo. — sorriu imensamente, tornando a olhá-lo nos olhos.

 O âmago de Adam foi tomado por uma erupção de confiança. Segurou a mão de John vigorosamente, apreciando a textura dos dedos nus e o calor de seu toque. Foi levantado facilmente num único puxão, e se permitiu ruborizar.

 No instante seguinte, o mais velho o puxou dura e rapidamente. Fez Adam estar de costas para ele tão facilmente quanto o havia ajudado a erguer-se do chão, rendendo-o em seu momento vulnerável. Segurava-o fortemente pela dobra de seu braço direito, imperante, e circundava seu pescoço com o braço esquerdo sem força o bastante para enforcá-lo e sem qualquer intuito para tal. Adam, inutilmente, segurava o braço ao redor de seu pescoço com a mão que permanecia livre. Tentava debater-se a todo custo na tentativa de se libertar.

 — Mas que droga, John — reclamou em ira, retorcendo-se.

 — Primeiro conselho para a guerra: — o americano falava num tom quase suave, com os lábios próximos ao ouvido do mais novo. Um arrepio passou-se por toda a espinha de Adam ao sentir o calor emanado junto a suas palavras. — Não confie em ninguém. Nem mesmo no seu irmão.

 — Não estamos numa guerra, seu... — falou, com impaciência, entre dentes.

 — Primeiro dia de CQC, cowboy. — largou-o bruscamente, entretido. Observou Adam falhar, desnorteado, em alguns passos. — Seu aquecimento já começou.  

 

 

 

 

* * *

 

 

 

 


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