Espírito de Revolução escrita por GilCAnjos


Capítulo 22
A Festa do Chá


Notas iniciais do capítulo

E enfim chegamos a Dezembro! Fiquem com o capítulo novo e boa leitura! ^^ Nas notas finais tem conclusão do NaNoWriMo.



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Por vários minutos tentei abrir o vagão. Joguei meu corpo contra a porta e a parede, em tentativas falhas de tentar tombar o carro, cada uma delas seguida por reclamações exaltadas do cocheiro irritado e relinchos dos cavalos. Perdi a noção do tempo e logo o cansaço me tomou. Eu estava em um estado sonolento quando fui desperto pelo som do vagão se abrindo. Fui cegado pela forte e repentina luz do sol a adentrar pela porta, de modo que não pude reagir ao homem alto que se aproximava e me puxava pelas pernas. Logo em seguida, ele me tomou pelos braços e me lançou para a frente, fazendo-me bater com meu rosto no chão.

Lentamente abrindo os olhos, tentei ignorar a dor e me erguer para identificar o terreno gramado e descampado em que estávamos, mas antes que eu o fizesse um par de braços me prendeu, me levantando de cada lado.

 — Acordando, bela adormecida! — zombou o homem hostil de cavanhaque e tricorne que segurava meu braço esquerdo.

 — Quem diria! — adicionou o outro, à direita. Ele era magro, ruivo e tinha um nariz torto. — Um selvagem andando por essas bandas! Por que não o escalpelamos?

 — Não tão rápido, Otto — dizia uma terceira voz. Era um sujeito alto, com barba por fazer e uma cartola. Ele segurava um bastão de madeira por cima do ombro. Ao seu lado estava um quarto homem, careca e de pele morena, que observava a cena de braços cruzados e com um sorriso no rosto. Aparentávamos estar no meio do nada, sem que nenhum prédio fosse visível por perto. — Respostas primeiro. — Ele adicionou, andando em minha direção e apontando o bastão para o meu rosto — Diga aí, selvagem: quais são os planos de Samuel Adams para o piquete dele? Conte agora e talvez peguemos leve com você.

Eu pisquei os olhos, ainda tentando recuperar as energias. Olhando discretamente para baixo, vi que a adaga continuava na bainha em minha cintura. Àquele momento eu me arrependi de não ter levado minhas lâminas ocultas comigo ao sair ontem para a reunião. Elas facilitariam a minha saída dos braços daqueles capangas.

 — Não fala Inglês, é? — Ele perguntou, me encarando. Fitei-o com fúria.

O bastão me causou um grito abafado ao se encontrar com meu estômago. Em seguida, ele deu uma segunda pancada, desta vez nas minhas costelas.

 — Ele aguenta o tranco!

 — Certo, isso pode demorar um pouco — falou o homem com o bastão, que aparentava ser o líder daqueles rufiões. Olhando para o careca, ele prosseguiu — Wilhelm, pode mandar ver!

O capanga, que parecia ansioso por aquela ordem, imediatamente avançou em minha frente e desferiu um potente soco na minha barriga. Ele em seguida começou a me golpear em diferentes locais do meu tronco, intercalando os socos com palavrões e ameaças.

 — Eu vou perguntar de novo... — falou o líder — Diga o que Adams pretende com aquela mobilização. É verdade que ele quer matar Hutchinson?

Questionei-me de onde aquela acusação infundada devia vir. O Adams que vi na reunião parecia relutante em usar qualquer violência, mas prossegui quieto, aguentando os golpes de Wilhelm. Por alguns minutos o líder continuou fazendo perguntas às quais eu não pretendia responder, mas enfim gritei:

 — Eu falo! Eu falo!

Os capangas pareceram surpresos.

 — Veja só, ele fala mesmo a nossa língua — comentou Otto.

 — Que conveniente. Wilhelm, para trás — ordenou o homem de cartola. Ele ficou de pé onde Wilhelm estava e ordenou que os outros me levantassem à sua altura. Os ferimentos doíam por todo o meu corpo, de modo que até ficar com a coluna ereta foi difícil. Reuni as minhas forças para agir. — Nossos patrocinadores querem Samuel Adams morto. Como podemos chegar até ele e quando será a próxima reunião dos Whigs?

 — Adams disse... — balbuciei — Nas próximas semanas...

 — Sim? — o homem perguntou, entusiasmado. Percebi que seu bastão pendia em sua mão, quase no chão.

E então eu pulei. Com um início de rodopio, eu lancei o meu pé para a frente e desferi um chute preciso na virilha do líder, que logo em seguida gritava em choque. Ao mesmo tempo em que ele largava o bastão para levar as mãos aos testículos, dei uma cotovelada no nariz do homem à direita, que cambaleou para trás, e um chute na canela do à esquerda. Otto não se deixou abalar e logo lançou seus braços em volta de mim, mas com a mão direita tive tempo para tomar a adaga em minha cintura. Quando o ruivo tomou-me pelo pescoço, me curvei para a frente para fincar a faca em sua coxa, jorrando sangue. Avancei para o homem de cartola e, empurrando-o, me agachei para tomar seu bastão, que levei de encontro à nuca de Wilhelm conforme ele se aproximava rapidamente de mim, caindo no chão desacordado.

Quando o homem de cavanhaque se aproximou de mim, lancei o bastão com força em seu tórax. Ao que ele vacilou com o impacto, soquei seu rosto com um golpe circular com a minha mão esquerda, e em seguida bati o cabo da adaga na sua têmpora. Finalizei-o puxando-o pela nuca e ajoelhando a sua face. Restando apenas o homem de cartola, pus-me em posição defensiva, balançando a lâmina em minha frente.

 — Mano a mano, então? Estou preparado.

Armado com nada além de seus punhos, o bandido, cuja cartola já havia caído, também se punha na defensiva, estudando-me. Percebi que ele era destro. Eu sou ambidestro, mas fingi que também usava a mão direita, abaixando a esquerda e erguendo a faca mais para frente. Investindo rápido contra mim, ele retirou a adaga de minha mão, porém, em vez de tomar a arma para si, ele conseguiu apenas fazer com que eu a jogasse para longe. Uma fração de segundo depois, ele acotovelou meu nariz, e pude sentir o leve aroma de meu próprio sangue.

Com uma furiosa sequência de socos, o capanga me pôs no chão e ficou acima de mim, sem deixar de golpear. Seus joelhos prendiam o movimento de meus braços, mas, com ele concentrado em socar meu rosto, consegui lentamente desprender o meu braço esquerdo. Entre uma sequência e outra, ele levou o punho direito para trás, e nesse momento, segurei sua mão no ar o mais rápido que pude. Girando meu corpo para a direita, puxei o punho dele para o outro lado, para logo em seguida me girar no lado contrário, apoiando meu cotovelo na sua têmpora e bruscamente girando o adversário junto comigo. Logo eu é que estava por cima dele, e com alguns golpes a mais, ele fechou os olhos, inconsciente.

Levantei-me, e logo em seguida a dor que eu sentia no estômago me fez cair de novo. No momento de adrenalina, parecia que todos os meus cansaços haviam ido embora, mas agora que eu parava, eles voltavam redobrados. Agachado no chão para tentar juntar forças, ouvi gritos de dor. Levantando o rosto, vi Otto, que punha as mãos na coxa ensanguentada. Após dois minutos, consegui me erguer e caminhar até ele.

 — Para que lado é Boston?

Como se só então ele percebesse a minha presença, o rapaz de nariz torto arregalou os olhos.

 — Ao inferno! Para trás, não chegue perto de mim!

 — Se continuar parado, não irei! — ameacei, sério.

Ao analisar melhor meu rosto, ele pareceu me reconhecer.

 — Puta que o pariu! Você... Você é o selvagem do Cabo Ann.

 — Como?

 — Piedade, amigo, não me mate dessa vez.

Fiquei confuso. "Dessa vez"? A Fazenda Davenport ficava no Cabo Ann. Será que...?

 — Quem é você e de onde você acha que me conhece?

 — Ah, diabos. Você e aquele preto velho mataram a todos os meus amigos. Meu nariz ficou torto com a coronhada que você me deu. Por favor, piedade!

Mas é claro. "Que mundo pequeno", pensei. Com treze anos, cheguei à Mansão Davenport apenas para ver aquela gangue de bandidos tentando assaltá-la. E Otto era o único que Achilles não fora capaz de executar. Agora, quatro anos depois, eu o encontrava mais uma vez.

 — Não me mate, senhor.

 — Bem, Otto, não te matarei. — Me agachei, e segurando-o pela gola da camisa, completei: — Se me disser o que eu quero saber: para quem vocês trabalham?

Ele gaguejou.

 — Nós... Nós somos da gangue de North End. O chefe Swift nos mandou vir te espancar a mando de um amigo dele.

 — Qual amigo?

 — Eles me matariam se eu contasse.

 — E eu te matarei se não contar — blefei.

 — Ah, merda! — Ele exclamava, nervoso. — Só sei o sobrenome dele: Church. Os garotos de North End estão sempre fazendo serviços pro homem.

Eu fitei o capanga com um semblante ameaçador.

 — Passe uma mensagem minha para William Johnson, Otto. Diga que eu estou indo atrás dele. Lembre-o da proposta que fiz. — Assustado demais, Otto apenas balançou a cabeça em afirmativa, nervoso. — Agora me diga para que lado fica Boston.

Ao que Otto apontou o caminho, eu o larguei, fazendo-o estatelar-se no chão. Caminhei até a carruagem e, tomando de volta meu chapéu e desatrelando um dos cavalos, pus-me a cavalgar até a cidade. Os Templários não iriam se livrar de mim tão facilmente.

• 

Era meio-dia quando retornei ao centro de Boston. Larguei o cavalo para vagar sozinho por Boston Common e fiz a pé meu caminho restante até a Taverna Molineux, onde encontrei um preocupado Samuel Adams.

 — Connor, até que enfim! Quase pensei que você não retornaria mais. Molineux não soube de você a manhã inteira.

 — Mas retornei, e com informações valiosas. — anunciei, tirando meu casaco e sentando-me em uma cadeira.

 — Pois diga. — Samuel sentou-se à minha frente.

 — O tal Jack Weeks me levou diretamente a William Johnson.

 — Então ele está mesmo em Boston! Você chegou a descobrir em que parte da cidade ele está?

 — Não. Johnson me encontrou dentro da sua carruagem, sem que eu pudesse ver onde estávamos. Ele me ofereceu um suborno para te trair ou te convencer a cancelar o piquete, e tentou me matar quando eu recusei.

 — Por Deus. — Adams exclamou. — Fico feliz em saber que você recusou, mas o maldito realmente não quer deixar nenhum rastro da sua presença aqui.

 — De fato. Acho que a gangue que ele mandou para me executar nem sabia que era dele que vinha a ordem.

 — Que gangue?

 — A de North End.

 — Cruzes. E pensar que em 65 eu cheguei a chamar Swift para obter o seu apoio nos protestos contra a Lei do Selo... E agora ele está mancomunado com a Companhia das Índias! Malditos criminosos, só são leais a quem mais pagar.

 — Também não acho que eles sabiam da Companhia. Só sei que respondiam a ordens de Benjamin Church.

 — Church? — Adams ponderou. — Então ele é o traidor que revelou nosso ponto de encontro. Mas é claro, vários dos homens da reunião de ontem eram amigos dele. Como saber quanta informação o filho da puta já não vazou aos Tories pelas minhas costas?

Ergui-me da cadeira.

 — Recomendo então avisar aos seus colegas sobre isso — falei — Avisá-los de que, enquanto vocês boicotam a Companhia, Church lucra junto com ela.

 — Mas é claro. — Ao que eu andei em direção à escada da taverna, ele adicionou: — Aonde vai?

 — Ao meu quarto. Dormi muito mal nesta noite.

Os dias passaram, e o descontentamento do povo de Boston continuou. Adams continuava a liderar a campanha contra o chá, hospedando comitês e protestos, e mais dois navios da Companhia das Índias Orientais chegaram ao ancoradouro de Griffin, chamados Beaver e Eleanor. Um quarto navio, chamado William, não conseguiu alcançar Boston (como eu descobri mais tarde, fugindo dos ataques de Robert Faulkner sob o comando da Aquila), e teve de descarregar a mercadoria na costa do Cabo Cod.

Para a noite do dia 16 de Dezembro, a data-limite para descarregamento do navio Dartmouth, Adams chamou uma nova assembleia a ser realizada na Old South Meeting House. A reunião conseguiu reunir ainda mais pessoas do que a anterior, juntando nada menos do que sete mil cidadãos – quase a metade da população de Boston. Do lado de fora da igreja, e distante da aglomeração, estávamos eu e Paul Revere, aguardando na rua Milk.

 — O que estamos esperando? — perguntei.

Revere estava distraído, esfregando as mãos para se esquentar na fria noite de Dezembro. Tive que chamá-lo uma segunda vez para que ele me ouvisse e respondesse.

 — Ah, sim. — Ele disse. — Nós temos um sinal programado. Assim que Adams disser o sinal, começamos os preparativos, indo à casa de Nathaniel Bradlee para juntar nossos homens. Quando a reunião acabar, iremos todos para o ancoradouro. O piquete já foi reforçado e invadiremos os navios.

 — Vocês não têm medo que guardas tentem impedir-nos?

 — Nossos números são grandes, Connor. Os casacos-vermelhos não seriam tão estúpidos para tal. E, bem... Se por um acaso eles realmente forem tão estúpidos, teremos que virar isso a nosso favor. A notícia de que soldados britânicos pretendiam massacrar brutalmente cidadãos que protestavam por seus direitos iria piorar ainda mais a imagem da Coroa.

 — Mas você acha que a Coroa tem a intenção de derramar sangue?

 — Talvez sim, talvez não, mas o que importa é que todos tenham certeza que sim. Em 1770, no dia do massacre da rua King, se você perguntasse aos casacos-vermelhos, eles te diriam que estavam sendo assediados pela população e tiveram de usar violência para conter o caos, aqueles pobres homens de farda “indefesos”. Naquele dia eu tive de correr pela cidade espalhando o nosso lado da história. Do contrário, só Deus sabe o que a Coroa teria usado como desculpa para nos reprimir.

 — Mas então não seria isso apenas espalhar meias-verdades?

 — Ei, eu não criei o jogo. Apenas sigo as regras.

Eu ri com o uso da palavra “regras”.

 — Irônico dizer isso, quando toda esta comoção foi feita por uma lei que vocês se recusam a seguir.

 — Bem, nossos direitos também são regras. — Ele apontou. — E temos o direito à representação política, que o Parlamento prefere ignorar. Sem representação, sem tributação, como dizemos.

Concordei.

 — É uma causa justa. Mas todo esse povo é tão consciente assim de tais questões políticas?

Revere deu de ombros.

 — A Companhia das Índias Orientais está fornecendo um chá muito mais barato do que qualquer outro comerciante poderia cobrar. Com certeza alguns do movimento são comerciantes apenas interessados em se salvar da falência, mas nós não podemos nos dar ao luxo de recusar ajuda. Ainda mais quando tantos do Caucus sofrem dessa mesma questão.

A essa hora, um homem apressado aproximou-se de nós dois.

 — Paul! Notícias.

 — Louis. O que houve?

 — Hutchinson acabou de emitir um documento oficial.

 — Deixando os navios voltarem à Inglaterra?

 — Negativo. Um documento autorizando as forças no Forte Hill a confiscarem toda a carga dos navios, e reprimir as rebeliões.

 — Merda. Não fique parado, entre lá na igreja e avise Adams! Só precisamos da confirmação dele para começar o plano.

O informante já estava a caminho da estrutura antes que Revere terminasse a frase. Caminhamos para mais perto da assembleia, a fim de poder ouvir o discurso. De longe, pude ver o tal Louis cochichar no ouvido de um enfurecido Adams.

 — Senhores. — Ele bradou em voz alta. — Parece que, mesmo com todos os nossos apelos por uma resolução pacífica desse impasse, o governador Hutchinson continua a não permitir negociação. Sendo assim, lhes digo que este encontro nada mais pode fazer para salvar a pátria.

 — É o sinal. — Paul Revere exclamou, tenso. — Fique aqui, Connor. Os nossos homens dentro da igreja devem sair em breve. Vou rápido buscar o resto.

Dizendo isso, ele correu pela rua na direção leste, logo virando em uma estreita alameda à esquerda. Revere sempre fora e seria conhecido pela sua rapidez, principalmente ao entregar mensagens. Durante sua ausência, consegui ouvir uma dupla de cidadãos discutindo.

 — Se Adams continuar fazendo esses discursos... — dizia um dos homens — Logo mais acabará sendo enforcado.

 — Há — riu-se o outro — Os covardes não ousariam.

 — Tenho dúvidas quanto a isso. Já vi homens serem punidos por bem menos.

 — Os Tories seriam bem idiotas se acham que isso tranquilizaria a população. Se tocarem em um fio de cabelo que seja de Adams, ele se torna um mártir.

Em cerca de dez minutos depois, Paul retornou à fachada da South Meeting House, acompanhado de uns trinta ou quarenta homens. Mais da metade deles estava sem camisa, vestindo apenas colares e saias leves de cores diversas. Seus rostos eram adornados por pinturas de guerra e em seus cabelos estavam penas de peru pintadas com tinta.

 — Estamos de volta, Connor. Adams já terminou o discurso?

 — Que diacho de roupas são essas, Sr. Revere? — questionei, perplexo.

 — Ah, foram ideia da irmã de Nathaniel. São trajes de índios Mohawks — respondeu, com um sorriso no rosto que logo se desfez quando ele se deu conta de com quem estava falando.

 — Eu sou um “Mohawk”! E não me lembro de em algum momento ter vestido algo tão ridículo assim.

Revere gaguejou.

 — Sinto muito, Connor, se a nossa pressa não permitiu que te chamássemos como consultor de figurino. Mas o que vale é a intenção, certo?

 — Que intenção? Como se estes homens não estivessem igualmente reconhecíveis com esses disfarces.

 — Não são apenas disfarces. A intenção é nos desvincular da Coroa. Os Mohawks foram uns dos primeiros habitantes da América, então queremos mostrar a eles que nós não nos identificamos mais como britânicos, e sim como um novo povo, um povo americano.

 — Parece hipócrita considerando todos os povos americanos com quem vocês lutaram nas guerras intercoloniais.

 — Apenas aqueles que não estavam do nosso lado, Connor, do mesmo modo que aos franceses. Somos todos iguais, sim? Mas sem delongas, agora devemos nos dirigir ao ancoradouro. Adams ainda está no púlpito?

Cruzei os braços e, com um movimento da cabeça, apontei para o interior da igreja.

 — Ele não parou de falar.

 — Maldição! Já estou impaciente de tanto esperar.

Após um minuto ouvindo as risadas que os homens vestidos de “Mohawk” arrancavam dos cidadãos em volta, um homem que logo reconhecemos como William Molineux saiu da igreja, seguido por um grupo de uma ou duas dúzias. Sem parar de andar, ele gritou para nós, a distância:

 — Boa noite, cavalheiros! Andem logo, o tempo urge!

 — William? — Paul exclamou, caminhando até o colega, que andava pela rua em direção leste. — O que está fazendo? A reunião ainda não acabou!

 — Eu é que não vou esperar aquele filho da puta terminar de ler a bíblia que escreveu. Temos que pôr a mão na massa, e cada minuto conta. Whigs! — Ele gritou. — Povo de Boston! Estamos indo ao ancoradouro de Griffin destruir o chá da Companhia das Índias, e toda ajuda é bem-vinda!

Ao que Molineux marchava, Revere resignou-se e ordenou a seus homens para acompanhá-lo também. Algumas dezenas de pessoas na multidão aglomerada em frente à igreja também seguiram a comitiva. Fiquei na fachada do prédio por mais um tempo, ouvindo Adams.

 — Aonde vão? — Ele berrava. — A assembleia ainda não terminou. Cavalheiros, fiquem, temos muito o que abordar.

Decidi que Molineux estava certo. Eu também não tinha paciência para esperar o fim do discurso. Eu estivera por oito meses à procura de William Johnson, e agora finalmente chegava o momento em que eu arruinaria os planos do Templário.

A multidão de quase uma centena de pessoas marchou pela rua Milk, e em seguida, pela rua Hutchinson (um nome deveras apropriado para o local do ancoradouro). Em cerca de quinze minutos a turba chegou aos arredores do píer. Ao nos avistar, Stephane Chapheau e as outras duas dúzias de homens a acampar no piquete começaram a entrar nos navios ancorados. Com gritos e armas de fogo em riste, logo invadiram as embarcações, ordenando a todos os tripulantes que saíssem. Antes que nos aproximássemos, eu já podia ver os primeiros caixotes sendo abertos com pé-de-cabras, despejando todas suas folhas de chá no mar.

Quando o grupo de Revere e Molineux chegou ao cais, os três navios ficaram apinhados de gente, de modo que vários ainda tiveram de ficar nas docas. Quando um grupo de casacos-vermelhos se aproximou, eu, Stephane e outros homens os ameaçamos. Por um acaso, logo descobri que os rebeldes haviam trazido diversas armas para a ocasião, mas nenhuma delas precisou ser usada. Em número bem menor, os casacos-vermelhos deixaram o ancoradouro, e apenas alguns poucos ficaram em volta para monitorar o protesto.

E não apenas os rebeldes tomavam o local, mas em pouco tempo mais cidadãos vieram. As pessoas que assistiam à cena da rua logo começavam a gritar, seja em apoio ou repúdio, variando de um ato de justiça a um ato de vandalismo dependendo da pessoa a quem se perguntasse. Para bem ou mal, o ancoradouro ficou lotado. Duas mil pessoas ao todo assistiram da rua à destruição do chá, de modo que nem os reforços dos casacos-vermelhos conseguiam passar por elas para chegar aos rebeldes no cais. Samuel Adams, que chegou à cena bem mais tarde, teve de ver tudo de longe, com aplausos.

A noite se seguiu, e ao longo de três horas os navios foram aliviados de um total de 342 caixas de chá. Era difícil distinguir o fundo da água naquela noite, mas no dia seguinte o ancoradouro amanheceu amarelo-esverdeado. “Espero que os peixes gostem de chá gelado”, brincava Stephane Chapheau. O povo viu toda a cena maravilhado. Por muito tempo os políticos de Boston falavam contra a Coroa, mas esta era a primeira vez em que agiam. Como heróis ou arruaceiros, Boston nunca havia visto nada como aquilo. E, mais do que os protestos de 1765 ou o massacre de 1770, foram as consequências daquela noite que realmente iniciariam a revolução meses mais tarde.

E, no auge da madrugada, quando as caixas de chá estavam em seu fim, avistei rostos familiares na multidão: William Johnson, Jack Weeks e Benjamin Church, juntos a um quarto homem de olhar frio e grossas costeletas. Os outros três mantinham sua compostura, mas Johnson via a cena horrorizado, em sua face um misto de ultraje e desespero. Me percebi por alguns minutos a contemplar os Templários, até o momento em que Johnson finalmente me percebeu também. Mantive o contato ocular, sem nenhuma expressão no rosto.

 — Connor! — A voz de Stephane Chapheau me retirara do meu pequeno transe. Ele sorria, segurando um caixote de chá em minha direção. — Guardamos o último para você.

Sorri de volta para ele e tomei a caixa. Abri-a com minha machadinha e, olhando fixamente para William Johnson, derrubei as folhas na água do porto. Ele claramente me reconheceu, e logo se virou de costas para deixar o local. Seus colegas Templários o seguiram prontamente.

Gritei uma comemoração, jogando a caixa vazia ao mar e arrancando uivos dos homens à minha volta. Eu havia conseguido. Meu povo estava salvo da influência dos Templários.


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Notas finais do capítulo

É bizarro que na vida real somente uma pessoa se feriu na Festa do Chá de Boston (um caixote de chá caiu na cabeça de um rapaz e ele desmaiou), mas no jogo o evento é uma batalha sangrenta cheia de carnificina, kkkk.

Conclusão do NaNoWriMo:
O mês de Novembro já acabou, e com ele o NaNoWriMo. A má notícia é que eu não consegui alcançar as 50 mil palavras no Espírito de Revolução (a menos que eu conte as 19425 palavras que escrevi em outros projetos).
https://nanowrimo.org/participants/gilcanjos/novels/espirito-de-revolucao/stats
Nesse mês eu escrevi 35470 palavras, mantendo uma média diária de 1182 palavras. Já tenho até o capítulo 26 pronto, e já adiantei alguns mais pra frente. E a boa notícia é que eu escrevi só nesse mês mais do que em todo o resto do ano. :)
A meta agora é não parar de escrever e manter uma constante de no mínimo um capítulo por semana. Ainda tenho mais 4 partes e 7 anos de História para desenrolar.
Agradeço a todo mundo que acompanhou e comentou na história ^^ Agora vamos em frente! Na semana que vem, vamos conhecer alguns personagens novos e ver a expansão dos aliados do Connor.



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