Amargo escrita por Pochie


Capítulo 2
Capítulo II


Notas iniciais do capítulo

Aos que deram a chance, bem vindo(a)
boa leitura



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CAPÍTULO II

Antes de dormir no dia anterior, coloquei  "Sweater Weather" do the Neighbourhood e fiquei dançando na sala até cansar. Não sentia muito sono por causa da cafeína e o que me ajudava a dormir, nem que fosse um pouco, era a bebida, mas eu não tinha mais dinheiro e fui demitido de onde eu trabalhava. O motivo eu não entendi bem até hoje e achar emprego de novo não era uma tarefa fácil. Quando cansei, cai no chão da sala e fiquei me lembrando do que tinha acontecido durante o dia todo, e obviamente a melhor parte foi no final da tarde, quando voltei a cafeteria pela última vez e o encontrei lá.

Me lembrei de como minha escolha foi a melhor de todas e me perguntava se também tinha sido a melhor chance dele. Kevin. Seu nome sussurrava em minha mente, como se ele estivesse me chamando de onde estivesse. Será que ele estaria pensando em mim? Da mesma forma que eu penso nele?

Como poderia? Nós só nos vimos uma vez e eu já estou que nem uma garotinha apaixonada. Eu só podia estar ficando louco, talvez seja por culpa do café. Talvez eu devesse maneirar na dosagem.

Acabei adormecendo ali mesmo, naquele chão frio da sala e de manhã, acordei com um balde de água fria na cara. Minha irmã, Sally, morava comigo. Nossos pais haviam se mudado para França e nos deixado para nos tornar independentes. Funcionou com ela, mas comigo não muito, consigo viver graças a ajuda dela e sou bastante grato.

― Não me olhe desse jeito, não tenho medo das suas caras feias. Estou te chamando a algum tempo já ― ela afirmou e foi buscar panos secos para enxugar a sala ― Vá tomar café da manhã que eu cuido disso.

Me levantei e fui tomar um banho antes que eu pegasse um resfriado. Quando acabei, vesti uma blusa que parecia mais com um pijama e pus meu casaco preto de sempre. Adorava Sally porque ela parecia mais com aquelas mães que mimam seus filhos ao levar o café da manhã na cama, mas a diferença é que Sally apenas o deixava em cima da mesa que estava ficando empoeirada com a quantidade de livros  e camisas sujas jogadas.

Estava quase acabando o pão com queijo cheddar quando ela bateu na porta do quarto.

― Pode entrar.

― Isso era seu? ― ela pergunta erguendo o livro de Kevin, todo ensopado de água naquela altura. Entrei em pânico.

― Mas que droga, Sally. ― gritei com ela.

― Eu não tinha visto ele, me desculpe. Posso comprar outro, não posso?

Respirei fundo e disse para ela apenas esquecer, mas ela me deu alguns trocados, talvez o suficiente para comprar um novo. Coloquei o livro enrolado em uma de minhas camisas ― limpas ― dentro de minha mochila e o dinheiro em meu bolso. Meu destino agora seria a biblioteca. Estava com a esperança que pudessem me vender por um preço mais em conta e que ainda sobrasse um pouco para o café.

Estava mais frio que habitualmente, e me arrependi por não ter pego luvas e meu gorro. Ao chegar na biblioteca, cumprimentei o vigia e fiz a piada de sempre sobre a porta de entrada, porque era uma biblioteca e elas são silenciosas, a porta desrespeita essa regra e rangia toda vez que abríamos. Era uma piada ruim, mas ele sempre ria e dizia que iam consertar rapidamente.

Em passos silenciosos, me encaminho para falar com a secretária. Eu não tinha parado para ler o livro ou pesquisar sobre o seu conteúdo, então me enrolei na hora de explicar sobre qual seção eu estava procurando, mas retirei o livro da mochila, desenrolei da blusa e mostrei a capa tufada.

A secretária riu e colocou a mão em seu coração, como uma forma de dizer que aquilo doeu e de certa forma havia me machucado muito também.

― Tenho que me lembrar de nunca deixar você levar os livros daqui. ― ela disse em meio a risos. Me deixou um pouco irritado, mas relevei.

Ela me indicou por onde seguir e disse que o encontraria na seção de livros de profissões, na estante quatro. O bom da biblioteca era a calmaria e o silêncio, um bom lugar para organizar os pensamentos.

Por acaso do destino ― ou não ―, encontrei Kevin com fone de ouvidos procurando algum livro na mesma estante que eu estava indo. Talvez estivesse procurando o livro que esqueceu ontem na cafeteria. Seus dedos aveludados passavam com gentileza pelos livros. Por sorte, ele estava de costas, o que me permitiu um pouco de tempo para que eu pudesse esconder o livro molhado dentro da mochila.

Agi como se nada estivesse acontecendo, ou que ao menos me lembrasse que o conhecia, mas fiquei ao seu lado, fingindo que estava procurando algo que me interessasse.

Tentei imitá-lo ao passar os dedos pelos livros e fico trocando o peso do corpo de um pé para o outro. Ele não havia notado minha presença. No momento em que ele pega um e se dirige para o sofá, sem querer acabo derrubando alguns livros no chão. O barulho é alto o suficiente para alarmar quem estava ao redor, até mesmo quem está de fone.

Ele não parecia se lembrar de mim, mas depois de alguns segundos me encarando o meu jeito sem graça ao encarar as pessoas que passavam por ali falando "Shhh" ou "Silêncio!", ele se lembra.

― Oi. ― digo com um sorriso que não consigo controlar.  

― O que está fazendo aqui? ― ele pergunta se abaixando para pegar alguns dos livros que caíram no chão. Faço o mesmo.

― Longa história.

― Adoro histórias, vou adorar ouvi-la.

Enquanto arrumávamos os livros contei sobre o acidente e ele parecia ter entendido, mas não gritou e nem ao menos pediu para que eu pagasse um novo.Em silêncio terminamos de arrumar os livros, mas claro, tudo fora de ordem e foi preciso chamarmos a secretária para nos ajudar. Quando finalmente acabamos, nos sentamos para descansar. Em cada seção possui pequenos sofás e no centro da biblioteca, possui mesas e cadeiras de madeira desconfortáveis, por isso preferimos ficar no sofá.

Kevin guardou o livro que pegou da estante e o guardou da mochila. Ele parecia aqueles rapazes que são inteligentes e só vivem para estudar e ler livros, ou fazer coisas relacionadas a universidade. Uma vez ou outra eles saiam da rotina, e eu estava pensando se eu era o desvio da rotina dele.

― O que você faz da sua vida? Além de ler livros, claro. ― perguntei como uma crianças que descobre a existência da palavra "por que?" e não para mais de falar.

― Hum...Bem, no momento eu trabalho de meio período em um escritório de advocacia pela manhã, mas estou de férias, estudo bastante para me manter na média nas aulas e leio bastante livros.

― Quer ser advogado?

― Juiz, acredito que tem uma autoridade melhor sobre as pessoas, além do dinheiro que não é pouco.

Balancei a cabeça para concordar e cheguei a conclusão que talvez tivesse uma grande chance d'eu estar atrapalhando a sua rotina. Me senti desconfortável ao pensar essas coisas, pois inconscientemente cruzei os braços e comecei a balançar as pernas, costume que eu faço quando estou inquieto com algo.

O celular de Kevin começou a tocar e sem querer me permitir ver quem era, de uma forma discreta, claro.  

― Eu preciso atender.

Ele se levantou e se afastou o suficiente para que não pudesse ouvir, o que me deixou mais inquieto ainda. Me levantei e puxei o primeiro livro que vi na estante. Estava começando a ficar com raiva de mim mesmo pelo fato de estar com raiva de algo tão estúpido.

Eu pensava que ele havia dito que não ficaria com a garçonete pelo fato de ter outra, faria mais sentido do que as coisas que eu pensava. Eram bobeiras de fato, eu precisava esquecer.

Coloquei o livro de volta. Não consegui ler nenhuma palavra sequer, sabia que ficar ali seria perda de tempo. Retirei o livro que havia molhado e o coloquei em cima do sofá, ao lado de sua mochila que havia ficado lá, mas antes da minha partida, ele voltou.

― Ei. Desculpe, tenho compromisso agora. ― ele notou o livro no momento em que ia pegar sua mochila, em meio a risos ele prosseguiu: ― Está bem ruim mesmo.

― Desculpe por isso ― eu disse e dei de ombros. Tirei do bolso o dinheiro que Sally havia me dado e dei para ele. Tinha sido a primeira vez que nossas mãos haviam se tocado, pois eu as ergui e a abri, com a intenção de pôr o dinheiro na palma de sua mão. ― Para você comprar um novo. Boa sorte com sua namorada.

Foi uma aposta alta falar desse jeito e em um tom que demonstrava que eu estava no máximo com raiva. Ele não parecia estar entendendo aquela confusão, mas eu não o culpava, nem eu estava. Meu coração parou no momento em que ele guardou o dinheiro no mesmo lugar do qual eu havia retirado.

Senti sua boca próxima da minha e sua respiração, visualizei mentalmente meu rosto ficando vermelho no momento em que ele pôs a mão dentro do meu bolso e o modo como seus olhos de cores diferentes encaravam os meus.

― Você acha que eu aceitaria dinheiro de alguém que quase não tem para pagar um café? ― ele disse com muita raiva. Ao tirar a mão do meu bolso ele continuou: ―  Nunca mais volte a ter uma atitude dessas.

Ele se foi e eu desejava mais que tudo que o mundo estivesse parado naquele exato momento. Eu o observei ir embora e dessa vez eu não tinha certeza se voltaria a vê-lo. Eu precisava de café. Urgente.


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Notas finais do capítulo

Oi



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