Fragmentada escrita por DrixySB


Capítulo 19
De volta para casa


Notas iniciais do capítulo

Perthshire é um lugar mágico...



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Ela tamborilava os dedos no próprio joelho, de maneira impaciente. O rosto virado na direção de uma das pequenas janelas do jato que os transportava até Perthshire. Embora estivesse com os olhos pregados nas nuvens lá fora, não estava lhes prestando a mínima atenção. Sua cabeça estava em outro lugar. Estava inquieta e nem mesmo conseguia identificar a origem e a razão de todo aquele nervosismo.

— Jemma...? – ela sentiu a mão afável de Fitz sobre a sua, fazendo-a parar imediatamente de mover os dedos – você está bem?

Ela tornou o olhar na direção do marido e era como se houvesse despertado de um transe.

— Estou... – respondeu, procurando sorrir, mas sua voz saiu ansiosa – estou nervosa. Não sei explicar...

— Deve estar cheia de expectativas. Afinal, é como se estivesse indo para lá pela primeira vez – comentou Fitz com um sorriso, procurando deixá-la mais calma.

Athena dormia profundamente no colo do engenheiro. Jemma levou uma mão à cabeça da filha, acariciando-a, e deu um longo suspiro. Ela queria acreditar em Fitz quando este dizia que ela estava nervosa por conta da expectativa. Mas a verdade é que Jemma tinha um pressentimento de que a propriedade em Perthshire lhe traria mais surpresas do que ela poderia imaginar. Como se aquela viagem pudesse ter um papel decisivo em sua vida. O que quer que fosse, parecia contrastar a níveis insanos com certo vazio que sentia agora... Com lacunas não preenchidas de sua vida. Era horrível sentir-se assim, fragmentada, como se estivesse tentando remontar sua história através de pedaços escassos e dos quais nem mesmo se lembrava.

Tudo o que Jemma queria, era sua vida de volta. Suas lembranças, tudo aquilo que a fazia ser quem era agora. Tudo que corroborou na sua construção e evolução como mulher, profissional, esposa e mãe... Mesmo que estivesse ao lado daqueles que amava, partindo para um lugar mágico, e agora triunfante após a reunião com Stark, era inevitável sentir aquele vazio, sentir-se incompleta, como se algo de suma importância lhe faltasse. Ela só desejava recuperar a si mesma da escuridão em que se encontrava.

*

— Estão entregues – disse Mack com um sorriso estampado no rosto. Ele havia se oferecido para pilotar o jato a fim de levá-los até Perthshire.

Ambos agradeceram ao amigo lhe desejando um bom retorno à base da SHIELD, enquanto este os aconselhava a aproveitar bem a estadia em Perthshire, uma vez que não era fácil conseguir tirar férias daquele trabalho.

O entusiasmo e a ansiedade tornavam a respiração de Jemma alta e irregular. E ela não conseguiu controlar sua emoção quando avistou o chalé de seus sonhos; seus olhos lacrimejaram e um sorriso pleno se desenhou em seu rosto. Fitz se aproximou por trás dela, afagando seus ombros.

— Vamos entrar? – ele sussurrou próximo ao seu ouvido.

Jemma simplesmente assentiu. Emocionada demais para proferir qualquer palavra.

Agora, Athena estava bem desperta e, pela primeira vez, entrou no chalé caminhando com seus próprios pés, dando a mão ao pai apenas para subir os degraus de entrada.

Fitz permitiu que Jemma tivesse seu momento de apreciação e possível reconhecimento em silêncio. De modo que parou na porta e a contemplou, caminhar devagar por aquele espaço, procurando absorver tudo à sua volta, tocando os móveis, olhando os retratos sobre a lareira, deslizando os dedos por pequenos objetos como um relógio de mesa vintage e a pequena réplica de uma cabine telefônica britânica. Ela espreitou uma coleção de livros de Isaac Asimov impecavelmente organizada em uma modesta estante. Observou as janelas, a pintura das paredes, os móveis rústicos. Sentiu o aroma de madeira nova.

Palavras surgiram em sua mente. Palavras pronunciadas por ela mesma em uma voz frágil e baixinha. Palavras que formavam uma declaração. Um flash invadiu a sua mente. A sua própria imagem, fraca e debilitada devido à desnutrição em um lugar inóspito, captada pela câmera frontal de seu celular, enquanto ela confessava um de seus desejos mais íntimos. O de viver ao lado de Fitz em um chalé em Perthshire. Ela cerrou os olhos firmemente. Levemente atormentada pela lembrança, mas ainda assim não querendo deixá-la escapar. Dois sentimentos antagônicos digladiaram dentro de si. Aquela memória a machucava, mas ela pretendia retê-la de qualquer modo. Era uma parte essencial retornando, consertando seus corrompidos arquivos de recordações.

Ela não quis revelar o retorno súbito daquela memória a Fitz. Sabia que o engenheiro a espreitava, mas mantendo uma distância segura enquanto ela caminhava imersa no mais profundo silêncio pelo ambiente, rumo a outros aposentos do chalé. Jemma chegou ao quarto e avistou a módica decoração em tonalidades sutis que contrastavam com o intenso azul royal do lençol deposto sobre a cama.

Aquele tom de azul fez Jemma lembrar-se da primeira vez em que Fitz esteve em seu quarto de infância, na casa de seus pais, anos atrás. Ela tinha um lençol daquela mesma cor em sua cama na ocasião. Certamente, se tratava da mesma peça.

O engenheiro já havia estado em sua casa dezenas de vezes. Os pais e irmãos de Jemma adoravam que o jovem escocês os visitasse. Mas nunca antes, tinha entrado em seu quarto. Desde que haviam se tornado íntimos, aquela era a primeira vez que Fitz visitava a casa em que ela morou desde a infância. Sua família estava viajando, mas logo estariam de volta. De modo que Fitz e Jemma teriam alguns momentos a sós naquela tradicional residência britânica.

Enquanto ele conhecia seu quarto, Jemma ficou parada na porta, sentindo-se intimidada de repente. Não passava de uma bobagem, mas o fato era que Fitz estava conhecendo outro lado dela, no qual fragmentos de sua infância e adolescência se encontravam, depostos sobre aparadores, estantes e uma velha cômoda e escrivaninha; e cruzavam, por fim, com a sua versão mais adulta imóvel na soleira da porta. Três gerações suas colidiam naquele recinto e a bioquímica sentiu-se, repentinamente, apreensiva diante de qual seria a reação de Fitz.  Ela tentou espantar aquele pensamento, uma vez que ele a conhecia melhor do que ninguém e, por certo, não estava tendo nenhuma surpresa. Mas o seu quarto era algo tão íntimo, repleto de tantos segredos antigos e memórias de momentos marcantes...

No entanto, Fitz, após dar uma boa olhada no ambiente, apenas comentou que o quarto era a cara dela e atentou para o fato de que sua cama era realmente grande.

— Sim... O fato é que sou muito espaçosa. E me mexo demais à noite.

— Eu sei disso – Fitz concordou com um sorriso enviesado.

Jemma apenas revirou os olhos para aquele comentário, ainda se sentindo um tanto constrangida por seu namorado estar conhecendo um lado tão pessoal e reservado seu. Ele sentou-se em sua cama e a convidou a se aproximar, estranhando o fato de ela ainda estar parada na porta.

E eles fizeram amor de maneira doce e terna pelo restante da tarde. Jemma lembrou-se de cada toque, de cada beijo, de cada sussurro... Tudo pareceu tão vivo em sua mente, que era como se houvesse acontecido há apenas algumas horas...

Ela suspirou longamente, antes de se dirigir à cozinha e avistar uma caneca de porcelana personalizada que a fez se recordar do chá de folhas de framboesa vermelha que tomava durante a gravidez. A memória vívida dela sentada na varanda do chalé com a caneca fumegante em mãos fez seus olhos se turvarem de lágrimas.

— Athena nasceu na Escócia? – ela perguntou em um tom moderado de voz, virada de costas para Fitz a fim de não denunciar sua comoção. Mas sabia que ele se encontrava a uma razoável distância atrás dela, portanto iria ouvir.

— Sim. Concordamos de nos casar na Inglaterra e ter nossa filha na Escócia. Assim, ambas as partes estariam felizes – respondeu, com simplicidade.

Jemma assentiu com um sorriso singelo e genuíno estampado na face. Um sorriso que, infelizmente, Fitz não pôde ver.

Ela continuou caminhando, a passos vagarosos pelos aposentos, tentando absorver tudo à sua volta e deixando que detalhes casuais reacendessem algumas de suas mais simples lembranças. Entrou em outro cômodo e avistou uma cadeira de balanço. Sobre ela, repousava o manto com o qual, pela primeira vez, embalou Athena em seus braços. Um soluço escapou de sua garganta. Tarde demais, ela levou a mão à boca na tentativa de contê-lo.

Aquele era, definitivamente, o seu lugar favorito no mundo. O lugar mais especial. Não lhe surpreendia que algumas de suas memórias mais preciosas houvessem despertado após ela ter posto seus pés ali. Cores, objetos, aromas daquele pequeno chalé acionaram gatilhos...

Não obstante, a reminiscência daquele disparo que causou sua perda de memória retornou com força total. Bem como outras lembranças, que pareceram golpear sua mente dado o choque com que reacenderam. Imagens até então esquecidas de sua vida inundando sua memória...

Tudo voltou.

Em um turbilhão violento de recordações.

Era demais para Jemma assimilar. Muitas coisas ao mesmo tempo. Lembranças boas, lembranças ruins. Graças e tragédias. Júbilo e desamparo. Conquistas e dor.

Uma dor incisiva a assaltou enquanto as memórias iam abandonando os escombros de sua mente e penetrando sua consciência. Ela levou as mãos à cabeça, sentindo as lágrimas brotando de seus olhos e deslizando sem cerimônias por sua face. Chorava devido à dor, ao choque, àquelas imagens e informações recém-despertas que pareciam contundir seu cérebro.

A última coisa que Jemma registrou antes de perder os sentidos, foi a voz de Fitz chamando seu nome. A voz soando distante, ainda que as mãos dele a amparassem, segurando seus ombros. Ela só teve tempo de murmurar é demais pra mim, eu não consigo, então sua consciência, brevemente, a abandonou.

O suficiente, no entanto, para que Fitz quase entrasse em desespero.

*

A primeira coisa com que Jemma se deparou ao acordar foi com os olhinhos apreensivos e amedrontados de sua filha que, pouco a pouco, entraram em foco.

— Mã? – ela sussurrou.

Gradativamente, um sorriso foi se formando no rosto de Jemma.

— Athena – ela respondeu no mesmo tom.

Não demorou para que Fitz se aproximasse, agachando-se ao lado da filha e levando as duas mãos ao rosto de Simmons. Não passou despercebido por ela o semblante denso do marido devido à preocupação.

— Jemma... Você nos deu um tremendo susto.

Ela se deu conta de que estava deitada em um sofá, a cabeça sobre uma almofada macia.

— Fitz... – ela tornou a falar, com a voz ainda fraca.

— O que houve?

— Eu me lembro... Lembro-me de tudo agora.

O engenheiro permaneceu em silêncio, ligeiramente atordoado.

— Minha memória retornou... Tudo pareceu acertar minha cabeça de uma vez só.

Ela massageou as têmporas com as pontas dos dedos indicadores.

— Nunca pensei que fosse doer tanto - ela observou com um sussurro.

 - Bem vinda de volta – Fitz disse, agora com um sorriso contido e os olhos lacrimejantes – sabia que iria encontrar o caminho de volta para casa.

— Dói mais? – Athena perguntou, curiosa

— Não... Não dói mais – Jemma respondeu. Feliz por ter regressado ao seu lar e sentindo-se novamente inteira.


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Notas finais do capítulo

E ainda tem mais o epílogo ;)



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