Flores De Maio escrita por Maitê Miasi


Capítulo 2
Lembranças e medos. Tempo, es um dos deuses mais lindos


Notas iniciais do capítulo

É com alegria que posto o primeiro capítulo desta história, e queria dedicá-lo à duas pessoas que me deram muita força: Jéssica Martins e Raquel Silva, sintam-se honradas minhas lindas... Enfim, desfrutem.



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Foi o tempo que dedicaste à tua rosa

que a fez tão importante. – O Pequeno Príncipe

 

****

Por fim, mais um dia, cada noite parece menor, e mesmo contra sua vontade, ele se levanta, existem pessoas que dependem dele: sua avó Catarina e sua filha Ana Lara, as mulheres de sua vida, por elas ele seria capaz de morrer, ou até mesmo matar.

Apesar das coisas não irem tão bem quanto ele dizia, ele sentia a obrigação de passar segurança a elas, sem deixar que as mesmas sentissem sua preocupação, ainda mais sua avó que andava tão doente, o que estava tirando eu sono, mais cedo ou mais tarde o pior poderia acontecer, mas isso não vem ao caso, não agora.

São 07:00 AM de uma sexta-feira qualquer, ele acordara ao ouvir alguém chamando na porta, sua vontade era de xingar, mas se conteve.

— Já vou! – Disse se levantando do seu sofá nada confortável.

Enquanto a pessoa aguardava na porta, ele vai até ao banheiro fazer sua higiene pessoal, ele não poderia aparecer na porta como um maltrapilho. Ele espreme com tanta força o tudo de pasta de dente, até que consegue êxito em mais uma de suas missões matinais. Ele escova os dentes, lava o rosto e dá um jeitinho no cabelo, e enfim, vai até a porta para ver o que o esperava, torcendo para que fosse alguém com um coração tão bom a ponto de dar a ele dinheiro suficiente para quitar suas dívidas e encher sua dispensa. OK, é meio impossível, mas deixa o cara sonhar. Ao abrir a porta, dá de cara com um cara que nunca tinha visto antes, e que estava com cara de poucos amigos.

— Bom dia! – Sorriu, e foi ignorado pelo cara.

— Estêvão San Roman?

— Sim, sou eu. Posso ajudar?

— Eu vim para avisar que, se o senhor não pagar pelo menos uma conta de luz até as 16:00 h de hoje, a sua luz será cortada. – Ele tinha uma certa alegria em suas palavras, apesar de parecer que ele não tinha emoção nenhuma.

— O senhor... – Tentava não se abater com a notícia. – O senhor deveria relevar, tem uma criança e uma senhora de idade aqui.

— Eu lamento, só estou fazendo o meu trabalho.

— Tudo bem – não estava nada bem – o senhor está coberto de razão. Brigado por sair do seu lugar de conforto e me dar essa notícia tão agradável, não tinha maneira melhor de começar o dia.

— O senhor está avisado, um bom dia. – Ele vira as costas e sai.

Realmente essa não era a melhor maneira de começar o dia. Assim que o cara saiu, ele fechou a porta e se pôs atrás dela a pensar no que poderia fazer... Ele não poderia fazer muita coisa, a vida tem sido um pouco dura com Estêvão, tem sido difícil trazer comida para casa, imagina só pagar algumas contas de luz. Mas as coisas iam melhorar, as coisas precisavam melhorar, e só assim ele daria uma vida digna à avó e à filha.

— Meu filho?! – Catarina o chamava do quarto.

— Tô indo vó!

A casa onde eles moravam era muito pequena, e apesar de não ter tantos móveis, ele ainda conseguia esbarrar nos que havia. Como de costume, sempre batia o dedinho mindinho no pé do armário, e aí vinha a vontade enlouquecedora de soltar um palavrão daqueles bem cabeludo, mas não o fazia, ele preferia abrir um sorriso ( a Babi dizia que ele tinha um sorriso que desmontava qualquer um, bom, não funcionou com o cara da companhia de luz), ele não podia, ou não devia ficar xingando, pois sua avó não gostava, e tinha a Aninha, não era bom para ela crescer ouvindo essas coisas.

— Oi vó, bom dia! A senhora tá sentindo alguma coisa? – Ele disse ao entrar no quarto acendendo a luz.

— Não meu amor, não tô sentindo nada! – Ela mal conseguia abrir os olhos por causa da claridade. – Quem era na porta?

— Na porta? – Ficou um pouco nervoso. – Não era ninguém importante.

— Estêvão não minta!

— Eu não tô mentindo vó. Eram aquelas testemunhas de Jeová, sabe como eles são, vem na casa dos outros, e querem que a gente seja testemunha também, e eu disse que não podia, porque nem vi a briga. – Mentiu rindo dessa piada sem graça que ouvira em algum lugar.

— Não brinque com essas coisas Estêvão! – O repreendeu.

Ele não disse mais nada. Catarina era uma mulher muito religiosa, e sempre teve muita fé, assim como Estêvão, e também dizia que as coisas iam melhorar.

Estêvão vai até onde Aninha dormia, afim de acordá-la. Ela dormia de uma forma tão doce e angelical, que ele ficava com certo receio de despertá-la.

— Aninha filha, tá na hora. – Acariciava seus cabelos.

Talvez Aninha não havia se dado conta, mas cada vez que ela abria seus lindos olhos verdes, e colocava aquele sorriso nos lábios que ela herdara da mãe, sim, ela tinha os olhos que lembram a mãe, automaticamente Estêvão esquece das coisas ruins, até mesmo do mala que tirou sua paz mais cedo.

— Ah pai – espreguiçava e bocejava – mais já?

— Sim meu amor, daqui a pouco eu saio pra trabalhar, e você ainda tem que fazer sua lição da escola.

— Pai, - se senta na cama – eu tive um sonho lindo com a minha mãe, por isso não queria acordar.

Estêvão e Catarina se entreolharam.

— Vamos parar de enrolar, – se levantou da cama, não queria falar da mãe dela – vou até a cozinha preparar algo pra vocês comerem.

Ele sorriu e foi para a cozinha. É duro para um pai de família abrir as portas do armário e não ter quase nada, mas ainda sim, ele sorriu... Fez um café, talvez esse seria o último, pois o pó acabara, o açúcar estava no fim, e o leite? Isso é luxo demais! Tinha uns pães velhos no armário, com os quais fizera torrada, quando se é pobre tem que ser criativo também.

— Aqui está amores da minha vida! – Disse entrando no quarto.

— Torrada pai? Torrada é coisa de rico! – Se deliciava com as torradas.

— Ah meu filho, tá muito bom! Você não vai comer?

— Pode comer vó, eu tô sem fome. Bom, eu vou deixar as duas e vou pro trabalho. – Foi até as duas e deu um beijo nelas. – Volto 12:00 h pra levar a Aninha pra escola e te dar os remédios vó.

— Ah pai, fica hoje! – Implorava com uma voz melosa.

— Não posso filha, e você sabe disso. Como eu vou comprar todos os brinquedos que você quer sem trabalhar?

— Tá bom. – Faz bico.

— Vai filho, que Deus te abençoe.

Ele logo saiu de casa antes que Aninha o pedisse mais uma vez para que ficasse. Apesar de todos os problemas, Estêvão era bem visto pela vizinhança, ou por quase todos, as más línguas o chamava de caloteiro, mas ele não ligava, pois sentia que aquela fase ruim logo iria passar.

— E aí Estêvão! Que bom te ver meu camarada! – Dizia um.

— Mais um dia de trabalho, hein! – Dizia outro.

— É, um dia nois fica rico! – Apertava a mão dos colegas da sinuca de sábado.

Por fim ele respirou fundo e foi, o trabalho o esperava. Estêvão era vendedor ambulante, e vendia doces no trânsito, e às vezes no ônibus. Esse não era o melhor trabalho do mundo, mas era o que estava dando para fazer, já que ninguém dava um emprego para quem não tinha o ensino médio completo. O coitado ainda tinha que lidar com os motoristas mal humorados, como se tivesse culpa dos seus problemas. Há momentos que o trânsito não é muito satisfatório, e ele se mandava para o ônibus, ainda bem que tem muito motorista de bom coração que o deixava entrar por trás, e graças à fome desesperadora dos passageiros, ele conseguia matar a fome daquelas que fazem seus dias nascerem feliz.          

As horas passam depressa, e ele vai para casa dar os remédios à avó e deixar Aninha na escola. A pequena ficava tão bonita de uniforme, e deixava seu pai babando por ela, e enfim volta ao trabalho, o dia hoje tá bom!

Depois de algumas horas enérgicas, ele dá uma parada , afinal ele não era de ferro, e passa no bar do Dinho, que era um amigo dele. Ele chega, senta e toma um copo d’água, nada de bebida alcoólica durante a semana, e assim, se permite perder em seus pensamentos.

— Tá pensando em que? Ou em quem? – Perguntou Babi aparecendo do nada e o assustando.

— Que susto Babi! – Estava realmente com cara de assustado.    

— Desculpa, não queria te assustar. Mas – se senta – me diz, onde estava seus pensamentos?

— Não sei. Vagava por aí. – Foi sucinto.

— Hum, sei. Aposto que pensava numa mulher.

— Ah Babi, não diga besteiras!

— Teb, por que você não se casou de novo? Não te faz falta uma mulher que te compreenda, que seja sua metade da laranja, a tampa da sua panela – coloca a mão sobre a dele – ou sua alma gêmea?

— Na verdade não – tira sua mão debaixo da dela – eu sou feliz vivendo com a minha vó e com a minha filha. – Ele queria acabar com o assunto, já fazia ideia de onde ela queria chegar.

— Eu não acredito, eu tenho certeza que você sente falta de...

— Sexo? – Interrompeu. – Sinto, mas nada que um banho demorado não resolva! – Sorriu irônico. – Bárbara – desfez o sorriso – aonde você quer chegar com essa conversa?

— Você sabe muito bem! Estêvão, eu gosto de você, e você sabe disso, por que você não dá uma chance pra gente? A Aninha precisa de uma mãe, e eu seria uma ótima mãe pra ela.

— Babi, – respirou fundo – você é linda, e sabe que é, mas eu não quero nada com você, e não quero te usar pra acabar com as minhas noites tristes e solitárias, eu jamais amarei mais ninguém. – Concluiu.

— Você deve ter algo de errado, todos os homens olham pra mim com desejo, alguns são cheios da grana e podem me tirar desse fim de mundo...

— Então por que você não vai com eles? – Interrompeu mais uma vez sendo grosseiro.

— Porque não é isso que eu quero. Quem eu quero está bem na minha frente, e a diferença é que ele não me olha como os outros, que me olham como predadores famintos. Eu te amo Estêvão...

— Desculpa Babi, eu não sei se sou capaz de te corresponder, e não quero brincar com os seus sentimentos.

— Tudo bem – se levantou – mas caso mude de ideia... Eu tô aqui.

Babi sempre foi apaixonada por Estêvão, mas ele nunca a viu como mulher, e sim como uma boa amiga, que o ajudava quando precisava, que o ajudava com Aninha. Talvez em seu coração ele quisesse vê-la como mulher, como uma possível mãe para sua filha, mas não queria forçar nada entre eles. De repente ele não era o melhor no quesito coração.

****

Após um dia longo e cansativo, Estêvão vai para uma parte da favela onde dava para ver tudo, onde ele se sentia o dono do mundo. O dinheiro que ele conseguiu não seria suficiente para pagar a conta de luz, então, provavelmente, por alguns dias eles iam jantar a luz de velas.

Lá do alto ele podia ver as pessoas indo e vindo, estudantes voltando da escola, casais de mãos dadas, o trânsito infernal, e enfim... Ele se põe a refletir sobre sua vida, no quanto ela tem sido cruel, logo com ele, que não reclama de nada.

Perdeu sua mãe, perdeu sua esposa e mais cedo ou mais tarde pode perder sua avó. As palavras de Babi sobre Adriana vem à tona em sua mente.

“Ah Adriana, como você faz falta.” – Pensava.

Adriana era uma bela jovem, cheia de vida, com sonhos, e ele se sentia o cara mais feliz do mundo por fazer parte de cada um deles. Eles se conheceram da seguinte forma: Estêvão jogava bola com uns amigos, e sem querer acertou a bola nela. Ele foi se desculpar, e ela simplesmente devolveu a bola a ele sorrindo, e desde então aquele sorriso nunca mais saiu de sua cabeça e coração. Ela era tão linda como o pôr do sol e como a lua que iluminava o céu negro. Tinha um belo par de olhos verdes, que mais pareciam duas esmeraldas, sua pele era branca e aveludada, e trazia consigo madeixas loiras, e ele amava como ela deixava bagunçado, dava a ela um ar de criança sapeca, e o sorriso, ah, aquele sorriso... Foi por ele que Estêvão se apaixonou, era aquele sorriso que o iluminava todas as manhãs, para ele era como um raio de sol.

Ele ainda a sentia viva dentro de si, em sua mente, era como se ele pudesse abraçá-la novamente e sentir aquele corpo pequenino se perder em seus braços. É, Adriana fazia muita falta... Quem poderia imaginar que ela teria complicações no parto e viria a falecer, pelo menos Ana Lara veio à cara dela, que seria uma forma dele nunca esquecer seu primeiro único amor. Uma lágrima cai do seu olhar, depois de tanto tempo ele consegue chorar, pois, nem para isso o tempo coopera, quando chegava em casa à noite, a única coisa que desejava era seu sofá duro.

— Estêvão, Estêvão! – Chega um vizinho com a respiração ofegante.

— O que foi cara? Parece que viu um fantasma! – Disse sem imaginar a proporção do problema.

— Cara, tua vó tá mal e foi levada prum hospital!

— O que?! – Não quis acreditar. – Eu vou agora mesmo pra lá!

— Como você vai cara?

— A pé ora, ainda não aprendi a voar!

— Toma aqui, – tira alguma coisa do bolso – a pé você vai demorar muito pra chegar, e não se preocupa em me pagar.

— Valeu cara – dá um tapinha em seu ombro – tu é mermo um amigão! – Se emociona com o gesto de amizade. – Mas e a Aninha, com quem ela tá?

— Não se preocupa com ela, ela tá bem, agora vai logo!

Ele sorri agradecendo, e corre a caminho do hospital. Seu coração estava gelado, e temia pelo pior, mas tinha fé, e torcia para que não fosse nada grave. Ele logo chega ao hospital, que não ficava distante da as casa, e se depara com pessoas gritando, mas não só de dor, mas pelo descaso dos médicos, e vê que cada dia que passa fica mais complicado ficar doente, a saúde vai de mal a pior. Após rodar pelo hospital, acaba encontrando sua avó, que estava com uma aparência péssima.

— Boa noite! O senhor é parente da senhora Catarina San Roman? – Perguntou um médico bastante simpático.

— Boa noite doutor, sim, eu sou neto dela. O que houve? – Não conseguia conter sua ansiedade.

— Vou ser sincero com o senhor. Sua avó teve um princípio de infarto, e nessa idade, com tudo que ela vem passando, pode ser fatal.

— Doutor... – Tentou segurar as lágrimas. – Eu tô fazendo o possível, mas não é fácil.

— Eu sei, e não te culpo, mas às vezes o possível só não basta.

— E agora? – Perguntou com medo da resposta.

— Bom, ela é forte. – Sorriu. – Mas ela vai ter que ter cuidados especiais. Toma aqui essa receita, – o entrega a receita, e ele fica olhando sem entender o que ali continha – preciso que você compre esses remédios, aqui no hospital não tem.

— Mas deveria ter, aqui é um hospital! – Se exaltou um pouco.

— Sim, deveria, mas são tantas coisas que deveriam acontecer aqui e não acontecem. Faça isso, é para o bem dela.

O médico sorriu e saiu. Ele tinha boa vontade, mas as condições do hospital limitava-o de fazer seu trabalho com maestria. Estêvão foi até sua avó, deu um beijo nela e saiu sem saber como iria comprar os tais remédios, que provavelmente, seriam o olho da cara.

****

— Estêvão, sua dívida aqui já está muito alta, eu não posso te vender nada enquanto você não pagar pelo menos uma parte. – Dizia a farmacêutica.

— Eu sei, mas minha vó precisa desses remédios!

— Eu não posso Estêvão, desculpa.

E agora, o que ele ia fazer? Ele apartou a receita contra seu peito, e fechou os olhos, tinha vontade de chorar, mas não podia se dar por vencido tão facilmente, sua avó precisava dele.

— Teb?! – Uma voz o tira de seu delírio.

— Babi, oi.

— Eu fiquei o que houve com a sua vó, eu sinto muito.

— Brigado Babi.

— Conseguiu comprar os remédios dela?

— Não, meu nome já tá bem sujo na praça, e não faço ideia do que fazer.

— Se você quiser, eu posso pagar pra você. – Ela sorriu.

— Claro que não Babi, você não tem nada a ver com isso!

— Deixa de ser orgulhoso, afinal, somos amigos ou não? Depois que você ganhar na loteria, você me paga!

— Brigado mais uma vez Babi, você não existe!

Continua...

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