Sin Dolor escrita por Miss Addams


Capítulo 7
Me entregué, como un ciego de la mano




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Então lá vamos nós para mais uma tradição familiar, o 312º Festival do Milho, havia anos que eu não participava desse festival, desde que comecei a tocar na banda, eu acho. Incrível como certos costumes não mudam, parecia que eu tinha quinze anos novamente e estava aqui, aprontando.

Sorri pelas minhas lembranças.

:- Por que está sorrindo? – Ele me perguntou me olhando curioso. – Aqui está seu algodão doce. – Me entregou o algodão que parecia uma nuvem rosa.

:- Nada, estava lembrando de quando eu vinha aqui quando mais nova. – Eu comecei a comer para matar de vez minha gula. – Você também tinha esse costume?

:- Que nada, eu vinha e ficava no máximo cinco minutos, sempre consegui ficar doente no dia do Festival, quando descobriram que eu sou alérgico a milho, ficou mais fácil. – Paco me deu a mão para que andássemos juntos, estava contente por ele ter comprado meu algodão doce e lhe dei a minha.

:- Por isso não me lembrava de você por aqui. Eu vim poucas vezes, mas foram momentos memoráveis.

:- Minha mãe contava das suas travessuras. – Ele riu talvez por se lembrar e eu escondi minha careta só de imaginar a minha então sogra já falando mal quando sequer imaginaria que namoraria seu filho.

Fomos andando e conversando sobre algumas das minhas histórias no festival, estávamos tendo um momento agradável como há muito tempo não tínhamos. Lagoa Azul, ficava mais bonita quando tinha essas festividades, no auge dos seus quase cinco mil habitantes parecia cheia, as ruas enfeitadas, chegamos à barraca onde estava minha vó vendendo seus bolos.

:- Precisam de ajuda? – Paco perguntou para Toni que conversava com Noah. Naomi que também estava na barraca só olhou para nós dois e continuou colocando suco de milho em seu copo.

:- Não, Poncho nos ajudou fazendo o trabalho pesado de pegar as caixas pesadas enquanto os pombinhos caminhavam. – Ela respondeu tomando seu suco.

Só de escutar o nome dele senti meu coração palpitar, entretanto eu tinha que me conter quando vi Paco perder parte do seu sorriso para me encarar de relance. Naomi poderia até não ter intenção, mas conseguiu nos atingir.

:- E onde está vó Dolores? – Estava mais atenciosa com ela, por que justamente hoje acordou mais adoentada ainda assim fez questão de vir ao seu festival e vender seus bolos que fez com tanto carinho.

:- Ela saiu com Júlia para pegar mais copos e pratos. – Noah me respondeu.

:- Me parece melhor desde que chegou aqui. – Toni me acamou e percebi que não era só eu que vigiava nossa vó.

:- Já que vocês estão se virando bem sem nós, eu vou sair para dar mais uma volta com meu pombinho. – Eu falei diretamente para Naomi e peguei na mão de Paco para andarmos pelo festival.

Já estávamos novamente há um bom tempo andando pelo festival até que eu o reconheci entre uma barraca e outra me observando de longe, eu sorri para Poncho e lhe dei um aceno, ao contrário do que eu pensava, ele só me acenou com a cabeça seriamente, tinha os braços cruzados e usava chapéu para se proteger do sol.

Que mosquito havia mordido ele? Porque se estão curiosas quando há acontecimentos passados eu lamento informar que não posso ajudar nesse quesito. Ele tinha me beijado fazia exatos três dias e depois disso não nos falamos, aquele era o nosso primeiro contato. E ele me tratava daquela forma? Depois eu que sou a louca. Paco estava distraindo falando e não percebeu nada do que tinha acontecido.

Voltamos para onde estavam montadas nossas barracas por que ele tinha que ajudar os pais dele e eu ver o que estavam aprontando os garotos. Poncho não saiu dos meus pensamentos, eu tinha vontade de encontrá-lo e tentar entender o que havia acabado de passar. Chegaram mais amigos de Toni provavelmente achando que a festa para eles começava desde cedo, só que ficaram frustrados ao ver que bebida alcoólica só seria liberada no final da tarde.

Vó Dolores colocou todos para lhe ajudar já que esperavam apesar das reclamações eles a obedeceram, eu estava agradecendo a sei lá quem está no comando lá em cima, porque meu pai não estava presente ainda que ele estava com seus amigos.

:- Algo está te incomodando, meu bem? – Escutei vó Dolores falando comigo enquanto contava o dinheiro que já tínhamos arrecadado.

:- Eu ainda não cumprimentei Poncho. – Eu respondi e ela logo entendeu.

:- Ele deve estar com seu pai lá na barraca dos vinhos, por esse horário. – Ela olhou no relógio.

:- Você podia ir lá e levar o pessoal que estão torrando a paciência da vó. – Toni atento comentou a nossa conversa. – Eu, Noah, vó Dolores e Julia cuidamos daqui enquanto vocês vão só trazer nossa bebida.

Eu dei um sorriso de lado porque não podia recusar aquela oferta, levei o pessoal até onde estavam montando outras barracas essa parte do festival seriam para os mais velhos e apreciadores de vinhos e músicas típicas.

Logo avistei Poncho e puxei Naomi de lado.

:- Vou ali falar com Poncho se comporta, não faça nada do que eu não faria! – Recomendei e ela me devolveu um sorriso arteiro.

Poncho estava terminando de tirar as garrafas de vinho para estocar e vender em uma das barracas, eu me aproximei devagar para que ele não se assustasse também.

:- Oi! Tudo bem? – Eu perguntei contente por finalmente rever ele.

Ele me olhou rapidamente e continuou fazendo o seu trabalho, sem sequer voltar a me olhar. – Tudo.

:- O que foi que eu te fiz para estar me tratando assim? – Eu cruzei os braços já ficando incomodada com esse tratamento gélido dele. Sortiu efeito por que ele parou o que estava fazendo e me olhou.

:- Nada!

:- Então pelo menos me olha ao falar comigo. – Eu reclamei e ele continuou me olhando. – Vamos começar de novo. Oi, Tudo bem? – Repeti minha saudação.

:- Está tudo bem, Dulce. – Ele me respondeu e senti uma melhora considerável, ele poderia estar de mal humor aquele dia.

:- Ainda não esta, só falta isso aqui. – Eu me aproximei para lhe abraçar fortemente, mesmo no começo rígido ele retribuiu meu abraço e me veio a mente as lembranças da última vez em que nos vemos e me separei devagar do seu corpo e o olhei. Ele não fugiria como da última vez. – Quer ajuda para terminar?

Ele aceitou dando um pequeno sorriso, pronto, consegui quebrar a barreira que ele construiu. Nada como um abraço, não é mesmo?  Eu comecei a puxar um papo já que percebi que ele não faria isso, perguntei do seu pai e conforme ele foi falando relaxou com a minha presença. Até que terminamos e eu o chamei para dar uma volta. Agora ele estava normal comigo nem parecia o cara que estava todo estranho mais cedo ao me ver com Paco.

:- Talvez tenhamos nos conhecido, neste festival, quando mais novos se bem que eu vim poucas vezes e já adolescente, chegava bêbada sempre foi uma briga, você nem deveria estar mais no vilarejo. – Comentei me apoiando num poste de luz para em seguida girar, ele me esperou e olhou para trás arrumando desnecessariamente o seu chapéu. Eu soltei do poste e o segui, estávamos caminhando para trás do carrossel. Não tinha ninguém por ali andamos tanto que deixamos a grande parte das pessoas que freqüentavam o local para trás, até porque tudo aqui estava desligado e o parque só funcionaria à noite.

:- Provavelmente eu me lembraria de você se tivesse a conhecido antes. – Ele comentou caminhando olhando para o chão de paralelepípedo com as mãos cruzadas em suas costas, me lembrava a pose de quando retratavam um detetive procurando por pistas para algum caso.

Ainda o achava muito distante tentava pensar se eu tinha feito alguma burrada, porém nada vinha na minha mente. Ele parou num determinado local e se encostou atrás de um muro de uma casa e eu parei na sua frente.

:- O que você tem? – Questionei novamente.

:- Nada! – Ele voltou a se limitar a dizer, só que o olhar me dizia algo completamente oposto. Eu sorri me aproximando, por que algo o incomodava e eu descobriria o que era.

:- Eu te fiz algo? – Perguntei mais próxima puxando do meu corpo minha camisa xadrez, e me odiando por esquecer qualquer coisa que prendesse meu cabelo na minha bolsa na barraca, estava calor demais.

:- Não. – Respondeu e eu me aproximei para olhar bem perto do seu rosto.

:- Seus olhos te contradizem. – Eu sorri ao ver que ele não conseguia disfarçar isso.

:- Seu namorado não gosta de mim. Certo? – Sério como mais cedo ele me perguntou. Então era isso.

:- Ele não gosta da nossa amizade. – Eu revirei os olhos. – Ele te fez algo? – Perguntei perguntando na possibilidade de Paco ter feito mesmo algo ou até falado com Poncho de forma ríspida.

:- Não vale a pena saber. – Ele se negou a responder e assim me deu a resposta, Paco fez algo e até estava estranhando a amabilidade dele para comigo e isso não ficaria assim se Poncho não me contaria daria um jeito de descobrir.

:- Não adianta protege-lo, vou descobrir o que ele fez. – Afirmei o encarando.

:- Ele só me disse para ficar longe de você. – Poncho disse numa simplicidade que me incomodou, era como se ele esperasse algo assim vindo de Paco. – Eu não gosto da forma como ele fala sobre você. – Declarou e ele desviou o olhar, percebi que era uma revelação. – É uma maneira possessiva de falar. – Fiquei surpresa com Poncho me contando algo assim, era muito difícil isso acontecer e além de tudo explicava o fato dele sempre evitar estar no mesmo ambiente comigo e Paco presentes.

O que deveria sentir era irritação por Paco ter falado para que Poncho se afastasse de mim. Mas, estava dominada pela curiosidade que tinha sobre esse homem que estava na minha frente. Eu o respeito muito, mas desde  que ele me beijou só consigo pensar nisso, mal consigo conter minha mente.

:- Quando você era garoto e estava aqui no festival o que você aprontava? – Perguntei chegando mais perto dele e curiosa querendo saber de histórias antes dele se tornar padre, por mais que estivesse pensando no beijo que tínhamos dado, eu não estava preparada para o que viria a seguir.

Poncho encurtou a nossa pouca distância e beijou e ele não tinha como negar ou dar desculpa de nada, foi por pura vontade. E dessa vez eu não me negaria a nada por mais surpresa que estivesse, aproveitaria esse momento, então coloquei a mão no seu pescoço e puxei-o para mais perto que possível, tentei abrir espaço com a minha língua para que o beijo fosse melhor.

Todavia, Poncho se afastou nesse momento assustado como da outra vez, o seu olhar tinha aquele susto por agir no impulso algo que eu conhecia bem. Ele fez menção de se afastar e eu fui mais rápida.

:- Não! Dessa vez não. – Eu o empurrei para dar um passo para trás e encostar-se à parede. – Você vai fazer o que deseja nesse momento, é o que você quer, é o que eu quero. Sem desculpas dessa vez. – Eu falava e não conseguia pensar em mais nada a não ser beijar de verdade aquele homem. O encurralei no muro, colocando uma mão de cada lado de sua cabeça para que ele não ousasse sair dali. Poncho ficou indeciso sobre o que fazer, mas ele olhava tanto para os meus olhos como para a minha boca. Se for pecado o que estava preste a fazer, então eu pecaria, por que eu tinha que beija-lo e foi o que eu fiz eu tinha tanta gana de finalmente fazer algo que eu desejei tanto que na euforia derrubei o chapéu de Poncho enquanto ele colocava uma das mãos em minha cintura e me abraçava para mover sua cabeça de lado em meio ao nosso beijo entregado.

:- Estou interrompendo algo? – Escutei a voz de Paco e era flagrada justamente pela última pessoa dessa fase da Terra, me separei de Poncho assustada e frustrada por ter sido interrompida.

Se passaram os segundos mais cruéis de silêncio.

:- Paco... – Comecei a falar tomando a frente da situação constrangedora, eu tinha que fazer isso, inconsciente eu já estava dando passos na direção de Paco e tirando a atenção dele sobre Poncho.

:- Não me diz nada! – Ele declarou com tom de voz decepcionado e raivoso. – É melhor voltar para o festival, seu irmão precisa de você.

Pensar que algo poderia ter acontecido a Toni me fez esquecer completamente da situação embaraçosa que eu tinha sido flagrada, mais uma vez na vida, poderia até citar em ordem cronológica ou alfabética. Deixei para trás os dois homens com quem eu estava envolvida para ir atrás do meu irmão, se não fosse algo grave Paco não viria atrás de mim. Comecei a sentir um aperto no peito conforme corria para onde eu me lembrava que tinha o visto a última vez antes de sair andando com Poncho.

Quando voltei para a festa, na nossa barraca toda a atenção estava voltada para uma roda e sai abrindo espaço entre as pessoas bruscamente, pensando no que poderia ter acontecido a Toni. Escutava muito burburinho e confusão, quando finalmente entrei no buraco em que todos prestavam atenção. Vi meu pai segurando a gola da camisa de Toni para cima e ele tinha tanta força que deixava meu irmão suspenso e cada vez mais com o rosto vermelho.

Não pensei duas vezes antes de avançar contra eles e empurrar meu pai para liberar Toni, por não esperar que alguém fizesse isso desprevenido meu pai foi empurrado por mim. Fiquei na frente do meu irmão indignada com a cena que eu presenciava sem nem saber o que tinha acontecido.

:- Que porra está acontecendo aqui? Enlouqueceu de vez? - Eu gritei com meu pai ao ver que Toni estava com falta de ar, do qual ele recuperava aos poucos. E só essa cena já me deixava num puro estado de nervos.

:- Seu irmão ele... – Meu pai tinha nojo expressado no rosto, tinha muita raiva eu via a mão dele tremer, se eu tivesse demorado mais segundos tenho certeza que ele teria batido em Toni na frente de todos. – Eu o fraguei escondido com esse moleque, - Apontou para alguém e vi que era Noah, que estava tão pálido que não tinha reação de nada, parecia paralisado. – Estavam se beijando! – Meu pai gritou como se isso fosse um crime, o burburinho aumentou como se os que não sabiam o que estava acontecendo descobriram comigo.

Nesse momento vi Paco chegando entre as pessoas na roda, ele tinha expressão séria olhava para o meu pai e depois para mim. Era outro que estava com raiva, mas não podia deixar de ajudar se fosse necessário, assim ele andou até onde Noah estava e ficou ao seu lado, o agradeci internamente por isso. Voltei a olhar meu pai raivoso, atrás dele havia muito falatório, mas dava para ver como os seus amigos antigos recriminavam a cena e eu só conseguia sentir a minha raiva brotando com essa injustiça.

:- E o que passa na sua cabeça ao ameaçar bater no seu filho por isso? - Eu falei em voz alta para que todos escutassem, eles queriam um show, pois eu daria isso a eles.

:- Você sabia? - Meu pai também usou o tom de voz grave que possuía para falar comigo. Ele parecia traído como se tivesse perdido alguém. – Você sabia que ele é... Isso. – Ele sequer conseguia pronunciar a palavra homossexual.

:- Qualquer um que ame Toni de verdade consegue enxergar que ele é gay desde que veio a este mundo. – Disse com a cabeça erguida não só para ele como também para todos que viam o barraco da nossa família acontecendo.

Foi nesse momento que senti Toni tocar meu ombro, e o olhei, o estado de nervos que o meu irmão estava me dava mais raiva por ver que ele passava por aquela situação tendo sua intimidade sendo exposta de forma tão bruta e selvagem. Ele não merece isso, eu prometi que nenhum mal o atingiria quando ele veio me dizer pela primeira vez que estava apaixonado por um garoto, lhe disse que o defenderia seja de quem for, até mesmo de nosso pai que nasceu numa cultura machista e opressora.

:- Você deve ter feito isso com ele, verdade? Transformá-lo. Claro, deve ter influenciado já que viveu pelo mundo sem regras, acha que pode fazer o que quiser. Meu filho era o meu orgulho e você conseguiu estragá-lo. – Meu pai começava a falar desnorteado ainda com raiva e decepção, fui atingida por suas palavras, mas o olhar que vi em Toni foi o que me despedaçou de verdade. Parecia um julgamento da moral e dos bons costumes onde eu e Toni éramos culpados sem chance de defesa.

:- Como ousa a falar de Toni dessa forma? Ele continua sendo seu filho, não o machuque dessa maneira. – Eu rebati tentando o trazer de volta ao estado de sensatez, ele parecia cego. Me afastando de Toni e tentando entender quem era aquele homem na minha frente.

:- Ele me machucou primeiro. – Meu pai me gritou obsessivo com a sua visão fechada. – Assim como você. Ele me envergonhou na frente de todos os meus amigos.

Eu olhei para onde ele apontava onde estavam os supostos amigos dele, que concordavam com cada palavra e vírgula que meu pai dizia, eu lamentei por não ver Julia em lugar algum, onde será que ela estava para conter aquele homem? Geralmente ela tinha esse poder sobre ele. Ao pensar nisso senti uma pontada estranha no peito ao pensar em minha vó Dolores que não a via em nenhuma parte, não sabia se ficava agradecida ou não pela falta das duas.

:- Todos do vilarejo sabemos o quanto você é uma má influencia para o seu irmão. – Escutei um comentário nítido o bastante e encarei diretamente a pessoa que o mencionou. Senhora Andrea, velha amiga de meu pai.

:- Como é? - Eu perguntei diretamente para ela que a princípio se assustou, mas seguiu firme com a sua verdade.

:- Isso mesmo, essa cena lamentável de Toni só pode ter sido influencia sua. Você tem o seu passado negro Dulce. – Ela cruzou os braços com o apoio de outros a sua volta. – Você não consegue ter uma vida descente há anos e agora leva o seu irmão para o mesmo caminho. – Cris, o filho dela que estava ao lado concordou com a mãe e eu olhei para ele, me lembrando de quando eu dei o terceiro fora nele numa festa que acontecia na Capital, eu não o queria e depois de ter o rejeitado, beijei a amiga dele do seu trabalho, dava para notar que ele nunca superou esse fato.

:- Essa situação é um absurdo. – Toni pela primeira vez se pronunciou com a voz trêmula, deveria ser pelas múltiplas emoções que ele sentia.

:- Absurdo é o que você fez! – Meu pai gritou e andou até Toni e sem dar chance de nada lhe deu um soco no olho que fez meu irmão ir para trás, eu corri até os dois, ficando entre eles, Toni piscou mais vezes que o normal o olho esquerdo onde o meu pai o tinha acertado. Ele tinha passado do limite, como eu ainda estava próximo o empurrei e ele mesmo assim continuou avançando querendo bater mais em Toni que não se movia. Por instinto de defesa eu acertei um soco no queixo do meu pai e isso causou uma espécie de choque nele que o fez parar. O olhei com raiva pelo que tinha feito com Toni, foi nesse instante que notei a figura surgir entre os que presenciavam, Poncho, apareceu por fim e estava tão confuso quanto eu quando cheguei.

Não era hora para explicações novamente olhei para o meu pai que estava tão raivoso que tinha o olhar avermelhado, me encarando começou a tirar a cinta que ele usava. – Saia da frente agora senão vai ter a mesma lição que eu vou dar nele. – Me ordenou.

:- Não vai tocar nele! – Eu o confrontei gritando e ficando na frente de Toni.

Meu pai foi avançando e me sentia cada vez mais preparada para entrar na briga, ileso ele não sairia dali se tocasse Toni mais uma vez. Mas, ele foi parado por Poncho que o prendeu dando uma gravata para conte-lo, mesmo confuso meu pai tentou se soltar do braço dele que o prendia.

:- Solte-o Poncho. – Estava bem concentrada em meu pai e especialmente na cinta que ele usaria para bater em Toni que assim como todos fiquei confusa com a voz severa que surgiu entre todos que estranhamente estavam quietos passivos da cena que assistiam ninguém além de Poncho fazia nada para que tudo acabasse.

Tudo permaneceu num completo silêncio, vi que Poncho soltou meu pai e ele por fim se aquietou, olhou para a direção da voz de sua mãe e ficou pela primeira vez sem saber o que fazer tamanha a autoridade que ela exercia. Vó Dolores estava acompanhada de Júlia, que a amparava, mesmo ela parecendo firme, atrás foram surgindo os amigos de Toni pelo caminho que foi aberto entre as pessoas que tinham feito vó Dolores e minha madrasta, ao seu lado Naomi assustada olhava a todos e preocupada de mãos dadas com Noah que eu não tinha me dado conta que tinha saído. Paco estava com eles e então percebi que foi ele que trouxe minha vó. Provavelmente Julia deveria ter levado ela para que não presenciasse nada.

Má escolha, vó Dolores estava tão rígida de desgosto como poucas vezes eu a vi em minha vida.

:- Paolo Henrique, você não vai tocar em nenhum dos meus netos! – Ela mandou nele e foi se aproximando caminhando devagar.

:- Mãe, Toni estava beijando aquele garoto, me envergonhou na frente a todo o vilarejo.

:- Sou eu que estou envergonhada pela cena lamentável que estou presenciando. – Ela olhou rapidamente para mim. Depois para Toni e lamentou decepcionada por ver o estado dele, foi caminhando na direção dele e o abraçou, só então mesmo que ele controlasse, Toni deixou cair algumas lágrimas teimosas que denunciavam seu estado.

:- Senhora Dolores seu filho está constrangido pela cena que presenciou de seu neto. – Bart, outro amigo do meu pai disse ficando ao seu lado, eu senti minha mão coçar tamanha a minha vontade de lhe dar um tapa. Tinha que me controlar mostrar o mínimo de civilidade não poderia piorar tudo. Já me meti em brigas por muito menos, mas isso ficou no meu passado e não precisava ser presa por agressão novamente. Falando nisso onde estava a polícia em meio a uma confusão dessas?

:- Exatamente ele daria uma lição em Toni. – Andrea comentou e os outros em sua volta concordaram como se esta senhora puxasse as cordas de seus bonecos de marionetes. Olhei para aquelas pessoas e minha vontade era de bater em cada um deles, muitos estavam ali apenas para ter o que fofocarem durante o resto da semana, sentia raiva ainda nutrindo pela forma como falaram de mim. Como eles apoiavam as atitudes do meu pai, pior foi ver que os pais de Paco estavam próximos a eles e não expressavam nada apenas observavam tudo.

:- E quem vocês pensam que são para se meter na vida da minha família? - Vó Dolores disse a Andrea. – Ninguém aqui pode opinar nada, não julguem meu neto como se ele fosse um monstro, ele não é. É um menino responsável, amoroso, trabalhador, eu o amo tal como ele é! Não vou permitir que ninguém o diminua. Nem mesmo você, Paolo. – Vó Dolores olhou decepcionada para meu pai.

:- Eu tenho muito respeito pela senhora Dolores, mas isso não é certo, o homem foi feito para a mulher. O que seu neto fez é pecado! – Bart, disse contraditoriamente desrespeitando e olhando para vó Dolores. – Assim como sua neta é uma mulher imoral todos sabem disso menos a senhora, isso é um alerta, deveria deixar seu filho mostrar o caminho certo para eles.

:- Me diga então senhor Bart o que minha neta faz de imoral que todos da cidade sabem menos eu. – Se aquele senhor tivesse a mínima noção do perigo no qual ele estava se metendo, não deveria nem ter aberto a boca para falar uma merda daquelas. Eu bati no meu pai, o que poderia fazer com ele? Viram como é difícil conter meu lado violento?

Vó Dolores abraçou Toni mais forte era visível seu sarcasmo e irritação.

:- Ela não tem respeito pela moral e os bons costumes, todos sabem que ela traiu o antigo namorado com Paco. Vive influenciando negativamente aos jovens, ela bebe e fuma constantemente. – Bart falou me encarando e eu passei a respirar mais rapidamente soltando o ar pesado pelo meu nariz enquanto matinha a boca fechada.

:- Sabemos que é uma depravada sexual, foi flagrada muitas vezes em zonas, na lagoa e até locais públicos transando, ela já se envolveu até com mulheres, não tem respeito pelos homens da cidade, nem pelo padre Alfonso. – Olhei Poncho e ele me encarou para logo olhar a Cris, que claramente era um daqueles escrotos que não sabe levar um fora de uma mulher.

Eu poderia ficar calada, eles não mereciam que eu lhe dirigisse a palavra. Mas, nunca fui assim, não deixaria por menos. Sentia tremor em minhas mãos, minha língua coçando para falar verdades. Não deveria ter envolvido Poncho nessa história essa foi à gota de água que faltou para me fazer transbordar de raiva, poderia bater em cada um que me faltou com respeito, poderia mandar todo mundo se foder ali, mas resolvi fazer isso com mais classe, estava cansada daquelas pessoas podres mesmo.

 :- Sinceramente eu não me importo com o que pensem de mim. Não interfere em quem eu sou, só que existe um limite entre ter uma opinião e faltar com o respeito com o próximo. Pessoas como vocês me dão pena e me deixam confusa com a contradição. Vocês são hipócritas! Sabe por quê? Usam sua religião de forma errada, um dos termos etimológicos da palavra é a junção do prefixo re a palavra ligare em latim que significa unir. E vocês fazem justamente ao contrário? Diferencia. Julgam. Menosprezam. Não respeitam. – Soltei um suspiro pesado pensando no que eu já tinha aguentado desde quando cheguei aqui. Vocês adoram isso não é? Esse show que estão presenciando? - Eu comentei soltando sorriso, mas estava pronta para humilhar cada um deles. – Bem de show eu entendo e vou falar algumas verdades aqui. Essa cena é tão absurda que vocês que se denominam defensores da moral, são tão pecadores como qualquer um aqui. Não sou a maior conhecedora e menos ainda praticante, mas dá para saber que vocês estão bem longe de tratar todos como irmãos. A começar pelo amigo de vocês meu pai, ele conta do passado dele? De que ele era viciado em jogos de azar, ao ponto de ter dívidas altas por conta de suas apostas? - Pela surpresa de seus amigos, meu pai não deveria ter contado e eu sentir mais prazer em contar isso do que ter batido nele. – Ou das inúmeras traições que ele fez quando ainda era casado com a minha mãe.

Olhei ao redor para ver que todos estavam me escutando, os que antes concordavam com tudo estavam diminuídos, a coragem de falar a verdade se foi e eu só estava começando.

:- Quem sabe ele deu dicas de como esconder seus relacionamentos para você não é Bart? Porque já que eu frequento a mesma zona que a sua já te vi diversas vezes e não estava acompanhado da sua esposa. – Fiz uma expressão de pesar para mudar para ficar pensativa. – Cris, eu não me lembro de nenhuma mulher com quem eu tenha ficado reclamar. Não dou em cima de homem algum, eles que não sabem respeitar uma mulher e se acham no direito de cantar ainda que sejam casados ou noivos. – Olhei para muitos que já fizeram isso comigo. – Você tem que saber aceitar um não, porque se toda vez que levar um fora meu ficar com essa mágoa dentro de si, isso vai te fazer muito mal. – O encarei e andei para ficar mais próxima dele e de sua mãe. – Ah e não vale descontar tudo na bebida e nem em violência. O que sua mãe vai pensar de saber que você já dormiu com uma travesti na capital? Opa! Contei o seu segredinho. – Coloquei a mão na minha boca fingindo constrangimento. – Senhora Andrea, é um caso a parte, minha vó já me contou de muitas das suas vivências quando moça. Parece que a senhora já frequentou bem o lago, não é?

Eu olhei para a expressão humilhada e envergonhada de cada um que falou de mim. De Toni e se eu pudesse faria mais, chega da hipocrisia daquele vilarejo. Meu pai estava cabisbaixo, Toni ainda chorava silenciosamente e vó Dolores me olhava apenas nem me acusando e nem me defendendo, sabia que eu poderia fazer pior. Paco estava indiferente talvez por ainda pensar na minha traição, os amigos de Toni tinham sorrisos estampados nos rostos por saber dos podres de certos habitantes cegos pela arrogância e egoísmo de Lagoa Azul.

O único que me olhava diferente era Poncho, ele tinha decepção no olhar, estava escancarado que ele não compactuava com o que eu tinha acabado de fazer, mas lamento Poncho, não sentia nenhuma gota de arrependimento pior eu ainda sentia vontade de bater em todos.

:- Em Lagoa Azul, alguns gostam muito de fofocar de apontar o dedo e julgar, mas quando é feito com vocês, não gostam, verdade? Como é sentir do outro lado, com os efeitos do veneno em forma de palavras que soltam por aí? – Eu voltei a falar. – Posso continuar falando dos podres de cada um daqui, como vocês dizem ‘é que comentam por aí’, além disso, eu vejo, antes que possam dizer que eu estou mentindo, assumam a porra do que vocês são. Não mexam mais com ninguém da minha família. Esse festival já acabou para mim.

Eu falei tudo o que eu queria e sai dali.

Fui caminhando entre todos e só desejava extravasar o que ainda nutria aqui dentro conforme eu estou farta de tudo isso. A última vez em que me senti assim foi antes do surto que tive mais nova antes de ir para clínica de reabilitação.

Naomi me encontrou e disse que todos estavam voltando para a casa que ninguém mais tinha clima para nada, eu pensei que poderia os acompanha-los, mas tanto vó Dolores como Toni sabiam que eu tinha que sair nenhum deles me impediria disso, estava prestes a explodir e quando vi que Toni estava num estado de choque e nem vó Dolores conseguia consola-lo. Eu cheguei em casa praticamente feito uma louca só tinha cabeça de procurar minha bolsa, não conseguia olhar meu irmão naquele estado. Achei minha bolsa tirei minha carteira e peguei minhas chaves, só mandei para que os que ficassem cuidasse da minha vó e do meu irmão, fui até a garagem e montei na minha preta saindo para a rua quando liguei o motor e acelerei senti como minha mão ainda doía por ter batido no meu pai. Menos mal ainda sentia dor.

Naquele começo de noite eu cai na estrada com minha moto na velocidade máxima, eu surtei novamente tinha minha garganta clamando por álcool e meu nariz pedindo por cocaína, mandei mentalmente Lagoa Azul se foder, aquela era noite de cometer loucuras.

 

 

God, the worst thing happened to me today
But I guess I don't care anymore

FUCK! 

Everything Ends - Slipknot  

 

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Notas finais do capítulo

O_O



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