Nações de Bronze escrita por The Thief


Capítulo 2
Formas de Poder


Notas iniciais do capítulo

VAMO SAINDO DESSE HIATO.
Gente, muita coisa rolou desde o último capítulo. Tem motivo pra ter atrasado? Em partes, mas não vou mentir, a preguiça foi um fator determinante.
Mas não vou ficar dando desculpas, vamos ao capítulo!



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Capítulo 2:
Formas de Poder.

Era uma daquelas visitas que Getúlio odiava fazer, mas não podia se dar ao luxo de não ir. Era importante manter os demais monarcas sob sua vista e sempre que possível os visitar e olhar em seus olhos.
O sistema político de Nova Oventure foi estabelecido às pressas após um acontecimento cataclísmico, o espalhar de uma doença catastrófica conhecida popularmente como “A Praga”. Agora todas as quatro Cidades-Estados do país: Rezengard, Cidade Lamparina, Forte Ferrugem e Baptiston tinham sua própria soberania e —apesar de manter relações comerciais entre si — não se intrometiam em questões internas no que se referia a política.
Por conta dessas relações comerciais e tamanha autonomia e soberania sobre suas Cidades-estados, seus líderes com certa frequência realizavam reuniões informais, que tinham como único objetivo sondagem, uma vez que não havia o mínimo de confiança entre os chamados “Monarcas do Bronze”.

Um mordomo servia chá e biscoitos para os visitantes. Um deles, no sofá mais próximo, era um homem de feição severa, postura majoritariamente ereta e com o braço esquerdo exposto, revelando uma prótese mecânica elaborada, embora rústica em sua aparência. O mais afastado, de cabelos castanhos e expressão cansada, também mantinha uma postura militar, porém sem tanta presença.  

 

— Desejam algo a mais? — Questionou o mordomo aos dois visitantes.

— Só chame seu patrão de uma vez. Não viemos aqui para uma visita social, há negócios que temos que tratar, não vim para tomar chá de cadeira. — O homem parecia impaciente, depois que teve que lidar com um idiota que tentou jogar água em um incêndio de um automóvel.


— Na verdade o chá é Earl Gray, senhor. — O mordomo gracejou, arrancando uma risada contida de Geoffrey e fazendo com que Getúlio o arrostasse. Os visitantes se entreolharam de relance e Geoffrey abaixou a cabeça diante do olhar repreensivo do seu general.  


— Não há necessidade de ir me chamar, eu já cheguei. — O anfitrião vestia um terno verde escuro, com uma cartola listrada de verde e branco. Tinha cabelos loiros mal penteados na altura dos ombro, olhos cor de âmbar, ostentando anéis com pedrarias negras e púrpuras e tinha um maldito sorriso confiante. — O que traz meu queridíssimo amigo Getúlio e seu bichinho de estimação Geoffrey a minha humilde residência? — Descia as escadas dramaticamente, como se sua simples chegada parasse o tempo ante sua presença.

— Sente-se de uma vez, Nathaniel, temos coisas a discutir. — O semblante do general era preocupado, o que Nathaniel sabia significar sérios problemas. Getúlio não era um homem de fazer alardes além do realmente necessário, o que fez Nathaniel estranhar o que era tão sério para valer uma viagem de um dia inteiro até Cidade Lamparina.


— Não acha melhor tirar a criança da sala, Getúlio? Teremos uma conversa de adultos aqui. — Apontou para Geoffrey, que respondeu virando os olhos e fazendo um rosto de desprezo nada disfarçado.


— Geoffrey é aquele que me sucederá quando meu fim chegar, eu já o deixei a par de toda a situação, logo, não há nenhuma necessidade dele sair daqui.


— Vai pôr o afeminado no comando de Rezengard? — Parecia surpreso — Sabe o seu povo, aquele que já tem sérias dúvidas sobre você? Então, eles entrarão em cólera quando isso acontecer. Quando você revelar que o futuro monarca de Rezengard será um homem que detém uma relação pública com outro homem, os adeptos do culto ao profeta, aqueles fanáticos, atacarão seu governo sem dó, eles com certeza serão oposição ao que irão chamar de perversão…


— Não há porque se preocupar Nathaniel. Com meu povo e meus problemas lido eu, vamos falar do tópico que me trouxe aqui.


— A praga... — O monarca de cartola suspirou.

 

Até então havia sim uma tensão, mas era acobertada por um clima de conversa informal graças a personalidade sarcástica do senhor da Cidade Lamparina, Nathaniel. Quando o assunto principal apareceu, tal disfarce caiu por completo, e se tornou asfixiante simplesmente permanecer na mesma sala que eles dois. Geoffrey, mesmo participando constantemente das reuniões junto a Getúlio, nunca havia experimentado nada assim.

 

A chamada Praga, era um vírus poderoso e letal, famoso por afetar -inicialmente- algumas espécies de plantas e insetos, animais pouco resistentes ao método de infecção da doença. Quando descoberta, foi considerada um potencial perigo, mesmo não afetando humanos, devido a facilidade de transmissão e resistência a antibióticos.

 

Não demorou muito para que a composição da praga mudasse para uma forma agressiva e descontrolada, se tornando gradativamente mais potente em uma velocidade inacreditável, afetando animais maiores, plantas maiores, causando mutações e infertilidade em larga escala.


Segundo contam, a doença nunca evoluiu o suficiente para atingir humanos, foi detida antes, mas causou grandes custos e a dissolução completa do antigo sistema de governo, que faliu no processo.


Nesse contexto, com boa parte da flora e da fauna ainda sofrendo pelos resquícios da contaminação, uma completa reestruturação foi necessária, o que, por um lado, atrasou áreas como saúde, educação e a vida geral da população, mas por outro lado causou uma evolução acelerada na tecnologia e —consequentemente— um maior desenvolvimento nos métodos de produção, melhorando e aperfeiçoando as técnicas Fordistas de montagem.


Seguindo as novas diretrizes de fabricação, as empresas responsáveis pelos produtos impuseram escalas de trabalho massivas, possibilitando assim, o funcionamento integral das fábricas, alavancando a economia, mesmo que condenando os trabalhadores a condições subalternas.

 

A cidade Lamparina era o sistema nervoso de toda essa “evolução”, possuindo o maior Centro Comercial de toda Nova Oventure, sendo, portanto, ponto chave para compra e venda de tudo que era produzido no país. Nathaniel, dessa forma, administrava a maior potência comercial conhecida: era um homem poderoso, influente, mas acima de tudo, um exímio administrador. Como líder, claro, tinha uma presença carismática. Como anfitrião não seria diferente.   

— Recebi notícias de meus informantes em Forte Ferrugem, sobre o Hugh Leinhan, mais especificamente. — Getúlio ajeitou sua postura no sofá.

— Hugh de novo? — levou os dedos a testa — Aquele maldito mal assumiu a liderança em Forte Ferrugem e já está vindo com mais problemas. O que ele fez desta vez? — Pôs a cartola sobre a mesa de centro.

— Minhas fontes dizem que ele está querendo revelar alguns documentos sobre o último surto da praga, documentos esses que estavam em posse do Monarca anterior. Nathaniel, se ele levar isso a público...

— Tudo aquilo que custamos a construir, vai desmoronar. A população não vai compreender, poderá gerar uma espécie de revolução descontrolada. — Expirou fundo, estalou os dedos. — Certo, isso não pode acontecer, entrarei em contato com minha irmã. Pallatine com certeza conhece alguém que nos dará uma informação mais detalhada sobre o quanto que ele sabe e o que pretende fazer com esses documentos. — Pallatine, irmã mais velha de Nathaniel, era famosa por possuir uma vasta rede de informantes por todo o país, sendo assim, era a pessoa perfeita para ajudá-lo com esse tipo de problema.

— Mas é inútil tentar entrar em contato, eles não têm telefones por lá e, mesmo que mandássemos um telegrama, demoraria muito a chegar.


— Não seja idiota, Getúlio, é de minha irmã que estamos falando, ela já sabe que você está aqui…

A campainha tocou, já estava tarde e era raro alguém vir incomodar o Monarca em sua casa, logo, a dedução de todos ali sentados foi a mesma.

— Telegrama de minha querida irmã, sem dúvidas. — Disse o anfitrião, dispensando o mordomo, e atendeu a porta por si mesmo. — Não disse?

Um garoto alto, vestindo um uniforme dos correios trazia consigo um telegrama na bolsa. Nathaniel se prontificou a pegar o telegrama e por pouco não fechou a porta na cara do rapaz.

— E-ei! — levou a mão até a porta — Você tem que assinar!

 

— Me dê logo isso! — tomou o papel das mãos do garoto, assinando de qualquer maneira e jogando a prancheta de volta, que foi agarrada toscamente pelo entregador.

— Obrigado, agora tchau! —  Empurrou a cabeça do garoto para trás, fechando a porta em seguida em sua cara. Então, olhou o conteúdo do telegrama, levando não mais que um minuto para terminar.  — temo que terei que me despedir de vocês.

— Acabamos de chegar e já nos expulsará, Nathaniel? Sou um homem ocupado, Geoffrey e eu viajamos por um dia inteiro pelas montanhas de ferro para chegarmos aqui.


— Bem, da próxima vez não seja idiota, ache um veículo rápido e venha pela Beira da Curvatura, assim não terá que encarar o caminho sinuoso de trem. Não é tão confortável, mas economiza ao menos quatro horas. De qualquer forma, se não importa de me deixar terminar, eis aqui minha ideia: Vocês ficarão aqui em minha casa o tempo que precisarem para organizar a viagem de volta a Rezengard e eu irei sair imediatamente.


— Você irá sair?

— Minha querida irmã já preparou um voo para mim. — O Monarca da cidade Lamparina parecia um tanto preocupado com o que acabara de ler no telegrama.

 

Segundo ela mencionou no telegrama, o assunto era sério demais para não ser resolvido pessoalmente e ela não podia sair de Baptiston. Ela havia conseguido a liderança do lugar, mas ainda sofria muita resistência dos fiéis que eram a maioria do povo da Cidade-Estado. Baptiston era conhecida pelas posições sociopolíticas mais conservadoras, sendo a mais religiosa das quatro grandes Cidades-Estado de Nova Oventure, por esta razão, havia ainda muita resistência em aceitar a liderança feminina.


— Os problemas de uma Cidade-Estado não deviam ser maiores que os problemas do país! Eu mesmo saí de Rezengard para resolver isso. Estamos com um problema que pode afetar Nova Oventure por inteiro, ela devia sab— Getúlio foi interrompido.  


— Ela deixou um P.S no telegrama. “Dane-se Rezengard, General”. A cara dela, não é? — Deu um riso de canto de boca. Te darei hospedagem aqui, porém, vá para sua cidade logo, ouvi dizer que não anda muito bem das pernas com seu povo. — Ele se dirigiu a porta, mas Getúlio logo o interrompeu.


— Este é outro motivo pelo qual vim. — Disse o general — Preciso de acesso completo a dois lugares aqui em Cidade Lamparina, quero um cartão verde, e só um monarca pode disponibilizar isso.

— “ Green Card.” — Falou com um sotaque ruim — Algo assim não vem de graça, Getúlio. Está me pedindo um cartão que te dê livre acesso a locais privados de minha cidade-estado. Sabe que se qualquer uma de suas ações com esse cartão — Foi interrompido.

— Me poupe, conheço as regras melhor que qualquer um Nathaniel, sou e serei sempre um entusiasta da ordem e da disciplina, e um ótimo pagador de dívidas.


— Tudo pela ordem. — Nathaniel não escondeu o tom sarcástico.


— Tudo pela ordem. — Disse sério, em oposição ao Monarca de cartola.

 

— Ligarei para meu assessor do telefone no aeroporto, terá seu cartão verde pela manhã.

 

— Não irá se arrepender, Nathaniel.


E ele saiu.

Algumas horas após, no quarto de hóspedes.

— Tenho que suportá-lo por enquanto. — Getúlio desenroscava com uma chave de fenda os parafusos, depois soltava travas e desativava o sistema nervoso de seu braço mecânico, que era grande demais para aproveitar uma noite de sono com ele acoplado.

— Nosso exército é maior que o deles senhor, poderíamos...

— Fracassar veementemente — Getúlio se adiantou. — Entenda Geoffrey, Nathaniel detém consigo o comércio, com algumas ligações e conversas informais iguais a que acabamos de ter, ele pode encarecer o custo de munição, da manutenção dos armamentos, das peças das armas de guerra, dificultar nosso acesso a alimento e água potável, por Deus, Geoffrey.

 

— Conseguiríamos causar um grande dano, mas mesmo assim… — Geoffrey raciocinou.


— Seria dano trocado, exato. Nathaniel e Pallatine são riscos reais, por isso, por hora, não posso dar um passo em falso. Serei aliado deles, até que isso não seja mais necessário, e aposto que os dois pensam da mesma maneira em relação a mim.

O braço direito do monarca tinha dado por encerrada a conversa, mas então se ateve a um fato.

— E por que Hugh não seria um risco real? Ele tem esses documentos perigosos, ele é um risco potencial! Tê-lo do nosso lado poderia ser muito útil, uma vez que ele é talvez o homem mais rico de Nova Oventure. O senhor já visitou as minas de Forte Ferrugem? São pepitas de ouro até onde os olhos podem ver.

— Hugh não vale a pena. — Fez uma pausa entre as palavras, dando peso a cada uma delas.

O quarto onde estavam tinha duas camas incrivelmente desconfortáveis, nada que conseguisse ser pior que as que Getúlio e Geoffrey deitavam na época do exército, mas ainda ruins. Geoffrey encostou seus sapatos sociais e livrou-se da meia preta, jogou a gravata para perto de seu paletó e deitou-se, exausto, só encerraria aquele assunto e então tentaria dormir.

— Explique. Se vou mesmo ser seu sucessor como o senhor havia dito na sala, gostaria de ficar inteirado.

— Já vi exércitos como o meu vencer guerras, Geoffrey, já vi contatos comerciais como os de Nathaniel dizimar inimigos com fome e desemprego, já vi a cadeia de informantes da Pallatine derrubar líderes dos mais poderosos, só pondo o escândalo correto na vista da imprensa... sabe o que eu nunca vi, Geoffrey?

Silêncio...

— O que eu nunca vi dinheiro fazer nenhuma dessas três coisas. Mercenários não são exércitos, você não compra confiança de comerciantes que conhecem vantagem a longo prazo e informações compradas perdem credibilidade. As pessoas falam exatamente o que quer ouvir se receberem, e o que você quer ouvir geralmente não é a verdade. Dinheiro não é poder, Geoffrey. Nathaniel e Pallatine sabem jogar o jogo, distinguem bem a diferença, mas Hugh, chegou onde chegou enchendo bolsos de líderes tolos. Uma liderança que só dura enquanto a legitimidade do seu dinheiro estiver garantida, enquanto ele puder provar que o ouro de Forte Ferrugem é dele.

— Senhor — Levantou-se de novo, olhando incrédulo seu chefe — Você não...


— Ele ameaçou os Monarcas do Bronze, principalmente a mim com esses documentos, Geoffrey. Não sou um homem que aceita ameaças, especialmente de amadores como Hugh Leinhan. Não vou esperar por detalhes de Pallatine, meu plano já está em curso, vou esmagá-lo antes que ele tenha o mínimo de chances de me esmagar.

Pousou seu braço de metal em um travesseiro no pé da cama, então deitou-se e apagou as luzes.

No dia que viria, ele pretendia confirmar umas suspeitas que foram parar em sua mesa, o principal motivo de ele estar ali.

E o cartão verde era a chave.

A alguns quilômetros dali, ao mesmo tempo...

— Pai! Por favor! — As marcas de escoriações estavam nos braços e nos olhos da garota, que perdera um dente por conta do soco.

Ele sempre batia nela, tinha raiva da garota que adotou, “uma negra imunda que nem trabalhar sabe”.

Mas neste dia foi muito pior, com uma vara de goiabeira, marchou-lhe as pernas de roxo, com o anel de casamento a feriu o supercílio, com as mãos nuas a enforcou, só parando quando viu seu corpo perder as forças, e a reanimando depois, garantindo que não havia morrido.

Só para bater nela mais.

Quando a ideia de que as pessoas perguntariam o que houve com a garota o acometeu, seu medo superou seu ódio assassino, parou, e tratou suas feridas. Mas ainda tinha ódio, muita raiva acumulada, cólera.

O sangue de sua filha em suas mãos não o satisfazia.

Queria o sangue daquele que foi o culpado pelo seu prejuízo.

Culpado pela vergonha que passou.

Tom e Carlos...

— Fique aqui, vou àquele antro de vagabundos, e porei fim a vida daqueles merdas! Nunca mais serei humilhado daquele jeito por mendigos de merda!

Pegou seu taco, e, andando a passos largos, saiu de casa.

Haveria caçada esta noite,

E Roman Roland era sangue e fúria.



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Notas finais do capítulo

Eu vou tentar trazer essa fic ou quinzenal ou mensal, espero MUITO conseguir, porque essa é uma história que eu quero muito contar.
Espero que tenham gostado!



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