O corpo de Nerea logo se transformou num fiozinho prateado. Desviei o olhar. Não aguentaria olhar pra aquele fio e não me sentir culpada pelo que havia acabado de acontecer. Quando Imma apareceu do meu lado, soube que nem ele queria encostar no fio da vida. A lira havia desaparecido junto com ela.

— Vamos — disse, meneando a cabeça para porta por onde entramos.

Só então parei para reparar na decoração do local. Fazia total referência à Grécia antiga com altas colunas de mármore, pinturas no estilo grego... Até mesmo haviam frases escritas no grego antigo. O local era realmente de tirar o fôlego.

Deixei meu sentimento de admiração para caminhar ao lado de Imma pelos corredores ao qual havíamos passado para fugir dos três imortais que nos perseguiam antes — pegando minha espada pelo caminho também.

— O que será que houve com eles? — me vi perguntando.

— Pelo que eu entendi, eles, ou pelo menos Éolo, foi sugado pra dentro da pedra Elemental — respondeu, só que sua expressão pareceu imutável. Ele estava sério. O Imma de antigamente nunca ficava sério.

— Tá... tudo bem?

— Afinal o que deu em você? — questionou, parecendo querer fazer aquela pergunta há muito tempo.

Soltei um suspiro. No momento eu não queria pensar sobre.

— Não sei Imma, eu juro — digo, quase choramingando.

— Parecia um animal! — o tom de repreensão voltou.

Balancei a cabeça.

— Foi como se... se... Sei lá... — Eu realmente não sabia como definir aquilo.

— Você estava enfeitiçada? Foi isso?

— Acho que sim. — Dei levemente de ombros, morta de vergonha.

— Espero que isso nunca mais aconteça — ouvi ele murmurar.

Ver o Imma tão sério e triste acabava por me deixar desse jeito também. Ultimamente ele tem estado assim o tempo todo. Fico me perguntando o que diabos foi que aconteceu pra ele não ser mais brincalhão como era antes.

— Desculpa — murmurei em resposta.

Não estava nem um pouco orgulhosa de ter conseguido a pedra Elemental. Ela havia feito um círculo de ouro onde o floco de neve estava no centro, dividindo o colar em quatro partes. A primeira parte estava preenchida com a pedra branca do Ar. Tinha três espaços vazios ainda.

O resto da caminhada foi meio desconfortável. Ambos estávamos presos em nossos próprios pensamentos. Agora só restava nós dois na equipe e eu odiava esse ar estranho que pairava sobre nós. Me sentia péssima por achar que eu mesma era a causa de toda aquela tensão.

Ao chegarmos na entrada do castelo, fico aliviada por termos conseguido nos livrar daquele lugar. Olhei para o céu e respirei fundo, vendo que amanhecia naquele momento. O sol brilhava, um pouco ofuscado pela nuvem, porém, ainda estava belo. Abri um pequeno sorriso. Toda vez que olhava pro sol daquela maneira, me lembrava do Kameel.

Logo me lembrei que não tínhamos mais uma escada de "fumaça sólida" para podermos descer.

— Como vamos sair daqui agora? — questionei.

— Vá em frente. Acho que seu novo poder dá conta.

Acabei caminhando hesitantemente na direção da beirada do castelo, olhando para baixo. Era realmente alto demais para tentar saltar. Eu morreria. Então estendo uma mão e a pedra brilha brevemente antes de encher meu corpo de poder e aos poucos ir reconstruindo a gigantesca escada.

Tive que pressionar os olhos para tentar ver se ela havia sido reconstruída até o final e quando tive certeza, meneei a cabeça na direção da mesma.

Não demorou muito até nós dois estarmos descendo por ela, ainda naquela tensão esquisita como se tivéssemos acabado de sair de uma feia discussão.

— Imma, tá tudo bem com você? — repeti a pergunta que tinha feito anteriormente.

Ele primeiramente balançou a cabeça em resposta.

— É sério. Você tá... diferente tem um tempo pra cá. — Tive que segurar seu braço para que ele não me ignorasse mais uma vez.

— Esse jogo tá me deixando estressado demais. — Ele puxou o braço para si para que pudesse se soltar das minhas mãos. — Morte pra cá, morte pra lá... Matar, morrer... Eu não gosto disso. Me deixa estressado. Quando começamos a jogar, eu não sabia que seria tão... real.

O problema é que eu entendia exatamente o que ele estava querendo dizer, afinal, minha vida só tem sido uma pilha de nervos desde que comecei a jogar. Em partes eu tinha uma obsessão por vencer, só que ela estava me consumindo aos poucos. O preço da vitória está começando a pesar.

— Eu... também me sinto assim de vez em quando e... pensar que essa sede de vitória está dentro de mim de forma tão animal chega a ser bizarro. O feitiço apenas atiçou aquilo que já estava trancafiado dentro de mim, entende?

— Você acha que todos nós estaremos daquele jeito daqui um tempo?

— Não sei você Imma, mas acho que eu já estou começando a ficar assim.

O filho de Poseidon soltou um suspiro.

— Prometo voltar com as piadas. Fica difícil pensar em alguma quando se está correndo risco de morte o tempo todo.

— Pense pelo lado bom, se morrer, ao chegar no Hades vai poder contemplar a linda Perséfone — impliquei.

— Contemplar? Acho que vou fazer jus aos chifres que Hades possui.

Soltamos uma risada juntos. Era bom rir mesmo após uma morte tão dolorida. As lágrimas ainda estavam secas na minha bochecha.

A sensação de conforto foi passando a cada escada que eu fui descendo, pois fui me lembrando que Utae e Malek possivelmente tinham morrido. As coisas realmente não estavam indo bem. Perdemos três Jogadores em menos de um dia.

— Isso, Kary, continue pensando no quanto eu sou gato.

Abri um pequeno sorriso. Pelo jeito ele estava se esforçando pra voltar a ser como antes. E estava dando certo.

— Cala boca. — Empurrei de leve seu ombro.

— Ei, ei, ei, cuidado. Se me empurrasse um pouquinho mais longe, eu poderia cair lá embaixo, sabia?

— Essa era a intenção — respondi numa falsa malícia.

— Nossa, como ela é agradecida — ele foi irônico. — Fui o único que sobrei da equipe e é assim que ela me trata.

Soltei uma risadinha com seu drama e fiquei aliviada quando meus pés alcançaram o chão de grama que ficava ao redor do castelo. Pela manhã ele parecia muito menos assustador do que durante a noite.

— Nós vamos em busca de qual pedra agora? — perguntou Imma a mim.

— Por que tá me perguntando isso?

— Já que o Utae morreu, você agora é a líder, oras.

— Ah, fala sério. Eu não sirvo pra isso...

— Graças aos deuses vocês estão vivos! — uma voz masculina me interrompeu.

Tanto eu quanto Imma viramos na direção do som porque nos era familiar... Meu coração acelerou de emoção ao perceber que não tinha ficado maluca. Quem tinha acabado de falar conosco era ninguém mais, ninguém menos do que Malek, acompanhado do Utae!

De tanta felicidade que estava em ver os dois, corri na direção deles, abraçando primeiramente o Malek. Entretanto, segundos depois eu percebi a besteira que estava fazendo ao ter abraçado o filho de Héstia. Encerrei ao abraço — que ele nem se deu o trabalho de retribuir! — colocando uma careta no rosto. A emoção tinha me feito agir por impulso. Você precisa pensar antes de fazer algumas coisas, sabia?, meus pensamentos me repreenderam e eu começava a concordar com eles.

O abraço no Utae foi mais verdadeiro, é claro.

— Onde é que você se meteu? — questionei durante o abraço. — Achamos que tinham morrido.

— Bem... chegamos perto. — Uma espécie de risadinha saiu da sua boca. — Primeiro tentamos pensar num jeito de conseguir subir no castelo, só que eu não tinha poder suficiente pra isso. Eu teria que ir sozinho e deixar Malek aqui.

— Se fosse eu, não pensaria duas vezes.

Dessa vez tive certeza que ele riu.

— Mas eu penso e tive que ficar com ele. Nisso, fomos capturados por Tifão e enrolá-lo até o amanhecer não foi uma tarefa fácil.

Enquanto ele contava, fui encerrando o abraço para poder ouvir melhor — e para que Imma também pudesse ouvir o que ele dizia.

— Sorte que nossa hipótese estava certa. Ele desapareceu pelo amanhecer — Malek completou a explicação.

— Cara, pior que a gente passou por uma coisa parecida...

— Cadê Nerea? — perguntou Utae, interrompendo Imma.

Aos poucos a ficha foi caindo mais uma vez de que tinha perdido uma aliada que por mais tenha sido uma inimiga no começo, ela provou seu valor ao honrar o juramento feito a mim. Olhei meu braço por um segundo e as marcas de comprovação da aliança haviam desaparecido, indicando que ela realmente havia partido para Hades.

— Morreu — Imma foi breve. Sua expressão despreocupada sumiu um pouco.

Um silêncio constrangedor se instalou entre nós pois nem eu, nem Imma, queria explicar o que tinha acontecido. Embora não tenha entrado em desespero com a morte dela, sentia que o faria se tivesse de recontar a história.
 

Abri o mapa do nosso relógio, expandindo-o, deixando os outros verem o que eu estava procurando.

— Conseguiram a pedra? — dessa vez a pergunta veio de Malek.

Imma deve ter meneado a cabeça na minha direção pois senti olhares em mim enquanto tentava localizar a próxima pedra que procuraríamos.

— Ah, fala sério. A pedra foi pra ela? — Malek soou um tanto inconformado.

Meu olhar se levantou ameaçadoramente na sua direção e bastou isso para uma rajada de vento me escapar e fazê-lo cair de costas no chão, xingando algumas coisinhas — biiiiiip!

Voltei a procurar sobre as pedras.

— Poderíamos ir atrás da do fogo ou da terra. Vocês que sabem — falei.

— Vamos na do fogo então. Quero ver se seu ventinho aguenta — Malek me provocou. Nisso ele já havia levantado.

— Malek — Utae o repreendeu. — Lembre-se que agora ela tá mais forte que você.

— Só de poderes porque mentalmente...

Revirei os olhos, tentando me lembrar de todas as lições que Tanay havia me passado. Me estressar pra quê? Utae nunca vai se livrar daquele babaca por mim e quando Malek decide ser chato...

— Começaremos com o da terra então — decidiu Utae por fim ao ver que eu tinha ficado em silêncio.

Afirmamos com a cabeça e tive que desviar os olhos do Malek para não me irritar por perceber que um sorriso debochado surgiu em seu rosto e aquilo era pra mim.

Decidi ir na direção do Imma, só que acabei franzindo o cenho ao perceber que ele olhava na direção de Utae e Malek como se estivesse hipnotizado.

— Imma? — decidi chama-lo.

Bastou o filho de Poseidon apontar na direção dos dois para eu entender o que o estava deixando tão intrigado.

Uma onda gigante estava vindo em nossa direção, engolindo o gigantesco castelo de Éolo.