Herança Real escrita por TessaH


Capítulo 37
Oceanos Não-Pacíficos


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente, queria dizer que o próximo virá quando eu souber de aí menos 3 pessoas a opinião sobre a história!



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"Os olhos dela eram oceanos não-pacíficos." - Manuel Bandeira

Capítulo 34 - Oceanos Não-Pacíficos

A sala do conselho era enorme, também pudera, dentro de um palácio!

Havia uma enorme mesa disposta perto da parede, do lado direito às portas, e do esquerdo, uma elevação no piso dava a impressão de um auditório. Fiquei tremendamente nervosa após entrar porque todos os olhares recaíram sobre mim.

Obviamente já causa um temor estar diante de uma sala cheia e ainda mais quando você é o assunto mais comentado do país, porém avistei a mão de tio Jean que tinha me chamado. Quase tropeçando em meus próprios pés, cheguei à cadeira ao seu lado na primeira e mais baixa fila.

— Me deixou plantada! - cochichei para meu padrinho. - Odeio ter todo mundo me olhando.

— Você tem que se acostumar - ele riu de leve. - E vi que você parecia ter um probleminha para resolver.

— Não tinha não... - respondi, desviando dos olhos intencionados de tio Jean. - Ora, não falou que íamos começar?

— E deveríamos. Ali na frente, não vê? Estão vagas as cadeiras do primeiro ministro, de Vossa Alteza e do príncipe regente.

Pela segunda vez no dia, eu me recordei com saudosismo de Pierre. Ele agora quem governava por trás do pai que nunca soube governar.

— Me sinto como um animal enjaulado numa exposição com todos esses olhares, tio.

Tio Jean observou o ambiente também, reparando nas cabeças que estavam viradas para nós.

— Eu também estaria curioso se estivesse de fora. Você é a filha desconhecida do último monarca adorado no principado, a quem eles achavam que não tinha deixado herdeiros. É como... Uma esperança.

Ouvir aquilo me deixou com os pelos dos braços arrepiados. Eu tinha receio da importância daquilo tudo. Nem se eu tivesse planejado essa reviravolta na minha vida ia ser tão louca como a que me meti.

— Isso me deixa mais na defensiva ainda. Não pedi por isso, nem queria governar. Eu não consigo nem conversar com um cara que eu gosto, imagine mandar como uma... Mandar como uma princesa! - cochichei outra vez.

— Certamente não pediu, minha querida. Mas vamos lidar com o que temos. E agora vamos começar porque eles acabaram de chegar.

Todos se levantaram de seus assentos quando o príncipe Louis, com uma cara nada legal, chegou acompanhado por um senhor alto e sisudo. Logo mais vinha Pierre, tão sério que não reconheci meu velho amigo naquele semblante.

O poder molda as pessoas. Eu não queria passar por aquilo.


— Boa tarde, senhores - o senhor sisudo falou assim que os três se alojaram nas cadeiras da grande mesa. - A Sua Alteza Sereníssima, príncipe Louis.

Todos fizeram uma vênia, mas Louis só mexeu a cabeça.

— O príncipe regente, Pierre.

Novamente.

— Tio, ele é o primeiro ministro?

Jean assentiu.

— É o Beaumont.

O sobrenome me recordou Victorine. Era o pai dela. E uma saudade de minha amiga também bateu.

— Iniciaremos a tratar da atual situação conflitante em que se encontra o principado de Mônaco após as declarações ilimitadas... O contexto de nosso governo.

Assim, o senhor Beaumont passou a tratar com os presentes sobre cada cidade e sua gestão. De todo aquele auê político, eu só entendi que manifestações contra Louis estavam ganhando força há tempos e já ameaçavam o cenário geral. O pai de Victorine chegou a falar sobre protestos que resultaram em reação do governo e mortes de ambos os lados.

— Os manifestantes já estão com posses de armaas?

Alguém perguntou e eu tremi. Eu não saberia nem responder a essa pergunta caso estivesse naquela mesa, meu Deus, o que eu estava fazendo?!

Eu só precisava salvar meu pai.

— Ainda não temos respostas concretas, mas receios. Se isso acontecer, uma tentativa de golpe se instaura, então temos que agir com medidas para acalmá-los logo. Com a declaração no dia da festa... - o senhor Beaumont dirigiu o olhar para mim. -... Os ânimos pioraram. Eles não aceitam mais Louis como uma opção.

Eles voltaram a travar diálogos sobre tudo aquilo e, de repente, eu tinha me perdido no meio da conversa. Meus olhos vagaram pela sala, tentando inultimente controlar o nervosismo dentro do corpo, sem saber o que falar quando tocassem no assunto da minha paternidade. No meio desses pensamentos, prendi meu olhar a Pierre.

O príncipe estava me olhando.
Eu não sabia nem o que esboçar a ele, o que deixar transparecer em meu olhar, porque eu não conseguia pensar.

Será que ele achava que eu tinha conhecimento daquela informação e fiz tudo propositalmente? Não podia ser.

Pierre, então, deu um sorriso pequeno. E piscou um dos olhos.
Meu corpo relaxou.

Eu ainda tinha meu amigo.

— Sobre o outro caso... Temos que pensar de que forma vamos tratar. A mídia nos fareja, a corte internacional quer uma resposta. Não podemos esconder o que houve, porque descobririam e saberiam da verdade. - Beaumont disse. - Ainda mais quando o resultado genético foi compatível. Senhorita Kane, você alega não ter tido conhecimento da sua paternidade até a exposição pública?

Tio Jean me avisara que teriam advogados e membros jurídicos na sessão e que eu teria que responder na frente de todos algumas perguntas. Eu não imaginava que meu estômago viraria uma massa de água.

— Sim, eu não sabia da história.

Os juristas começaram a redigir algo em conjunto. Todos me olhavam.

— Você é filha de Jorge Albert Grimaldi, falecido príncipe soberano, e entraria na linha de sucessão antes de seu tio, a alteza Louis.

Eu olhei para meu recém tio. Ele estava com a cara fechada, parecia analisar detalhes em mim.

— Como não era sabido de sua existência, tudo vai se alterar agora com a consequência de sua resposta para uma só pergunta. A senhorita desejar reivindicar seu cargo, usurpando o trono de vossa alteza real Louis e seu filho, Pierre?

Aquela pergunta me tornava um monstro aos olhos de todos. Mas eu não podia voltar atrás. Só eu podia salvar meu pai.

— Sim.

Pareceu que todos tinham prendido a respiração.

— O processo judicial vai ser iniciado. Vossa Alteza Sereníssima, Louis, o senhor abdica a favor de sua sobrinha ou entrará com uma revogação?

— Eu já estava em processo de abdicação do cargo real ao meu filho. Continuaria com minha decisão, então meu filho decide se irá tentar revogar o pedido da senhorita.

Pierre arregalou levemente os olhos. Acho que não esperava essa atitude do pai, de passar a bomba para ele resolver. De qualquer forma, Pierre trincou o maxilar e, veementemente, declarou sua decisão:

— Desejo o cargo também. Entro com uma petição para revogar o pedido da senhorita Kane.

Oh, oh. Eu não esperava entrar em uma guerra judicial com Pierre.

Algumas pessoas deixaram transparecer que estavam satisfeitos com a escolha de Pierre. Ninguém parecia acreditar em mim.

Eu não os culpava. Nem eu acreditava.

Tio Jean apertou meu braço em sinal de consolo.

— Finalizamos a sessão de hoje com a decisão entre os dois envolvidos na sucessão. Na próxima, cada parlamentar dará seu voto e opinião para decidirmos quem será o próximo monarca.

Um martelo foi batido na mesa e o movimento iniciou.

— Eu não sabia que teria de lutar contra um amigo meu!

— Eu também não esperava, Serena. Pierre sempre pareceu centrado e achei que tomaria a decisão correta conforme a lei. Pela lei, a sucessão é sua. Porém o apoio dele, desde pequeno, é muito grande. Precisamos trabalhar isso, querida.

Eu suspirei, triste. Não queria que tudo fosse daquele jeito. E ainda ficava mais triste ao pensar que, no meio do caos político e social do principado, com milhares de pessoas precisando de alguém para liderá-los, eu só conseguisse me concentrar em uma forma de falar com Conrad e dizer o que estava engasgado em mim.

Eu não merecia e nem queria ficar ainda mais triste com os acontecimentos da minha vida. O que eu pudesse mudar, eu mudaria.

— 0 -


Enquanto eu e tio Jean nos arrumávamos para sairmos do palácio, fomos abordados por um homem fardado, da guarda do príncipe Louis.

— Ele deseja falar com vocês.

Confusa, eu fui. Para minha surpresa, Pierre estava com ele.

— Serena. - ele só disse meu nome, mas notei que ele estava me sondando para saber se eu estava raivosa com nossa atual situação.

— Pierre. - respondi, rezando para ele compreender que eu só queria ser amiga dele como antes, mesmo com aquele obstáculo enorme entre nós.

Ele relaxou os ombros.

— Pedi para chamar vocês porque descobri uma coisa e acho que é preciso mostrar.

— Eu não compartilho da mesma opinião, mas deixo meu filho tomar as decisões agora. - Louis declarou, me assustando. - Você é terrivelmente parecida com ela, meu Deus. Como não percebemos isso?!

Franzi o cenho diante do comentário que pareceu grosseiro.

— Exceto pelos olhos. Estes são do seu irmão. - Tio Jean respondeu duramente a Louis, surpreendendo-o.

— Não posso discordar. A ousadia também foi uma herança herdada de meu irmão?

Dessa vez, eu tinha entendido a ironia. Mas não respondi, limitei a ignorá-lo.

— Pai, por favor. Não vamos piorar as coisas. Ela é filha dele, você tem que aceitar isso. E é justamente por isso que eu prpreciso levar você a um lugar, Serena. Vamos.

Todos nós acompanhamos Pierre e, no caminho, ele foi relatando tudo. Ele disse que em meio ao trabalho que assumira, acabou descobrindo uma sala secreta, trancada desde a época de Jorge. Ele procurou saber mais sobre a tal sala, interrogando antigos funcionários para saber qualquer coisa a respeito. E descobriu, mas como não achou a chave, teve que contratar um serviço para abri-la.

— Mandei limpar tudo e creio que podemos achar muitas coisas sobre o governo de Jorge.

Comecei a ficar ansiosa. E por que ele ia me querer levar lá?


Acabamos por chegar em um canto muito longe do palácio e encontrei Conrad com uma menina.

Uma inquietação reinou dentro de mim e, como um gatilho, foi o suficiente para me dar a coragem de chamá-lo e desabafar algumas coisas.

Muito mais leve depois, com um pequeno sorriso também, eu voltei para acompanhar os outros na sala.

E fiquei embasbacada.

— Meu Deus.

A sala era coberta com fotos. Fotos, desenhos, pinturas, quadros. Com um teto adornado em dourado e um lustre de cristal pendido, as paredes eram cobertas com a figura de uma só mulher.

— Eu me recuso a ficar aqui com a causadora de toda uma catástrofe. - Louis proferiu e saiu.

— Perdoem meu pai. Ele é preso ao passado.

Eu estava sem palavras.

Uma única mulher era retratada de todas as formas na sala. Além das poltronas brancas, das mesinhas de vídro, do tapete felpudo, havia uma parede com a imagem dela do teto ao chão.

Ela era linda!

Sabe quando você vê alguém com detalhes tão combinados, linhas de expressões tão marcadas, uma junção exótica e perfeita de cada parte do rosto? Quando você não consegue deixar de olhá-la porque fica se perguntando como aquilo foi formado? Quando você fica desejando ardentemente ser igual a ela?

Tudo nela falava. Tudo pulsava uma linguagem. Principalmente os olhos.

Os olhos...

Em uma outra pintura, eles eram azuis. Muito azuis. Escuros. Profundos. Sorriam junto com os lábios cheios e bem desenhados.

— Essa foi uma sala de Jorge, que dedicou a sua mãe, Serena. Achei que gostaria de ver.

— Nossa, Pierre, obrigada... Sim, gostei de ver... Eu nunca a tinha visto.

Meu pai não tinha uma foto sequer. Na verdade, não tínhamos fotos de nada. Não podíamos ter os aparelhos necessários.

Pierre assentiu brevemente. Ele pediu licença e disse que me daria um momento. Tio Jean ficou embasbacado como eu.

— Ela era tão linda...

— Sim. Ela era a jóia da família.

Meu tio me olhou com os olhos marejados. Senti tanto por ele, por ver a irmã que morreu sem sequer poder ter se despedido. Eu o abracei e notei que estava a chorar baixinho também.

— Ah, minha querida... Esses olhos dela conquistavam qualquer um. - tio Jean massageava minhas costas com a voz embargada. - Eles podiam transmitir tanto o furacão que ela era como serem apaziguadores quando necessário. Saskia foi a luz de todos nós.

Eu chorei mais. Chorei por não ter podido conhecê-la, abraçá-la, ter conversado e testemunhado a mulher que todos falavam que ela tinha sido.

Extraordinária. Minha mãe.

— Oceanos. Jorge sempre falava neles quando estava com ela.

Eu fitei os inúmeros olhos retratados em todas as figuras. Poderiam estar coloridos ou em preto e branco, sempre transmitiam a mesma coisa. A essência daquela mulher.

Daquela mulher que parecia um oceano.

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