Blitzen agradeceu aos deuses pela vontade de beber água em plena madrugada. Ele parou para observar seu elfo na câmara de brozeamento.

Heart estava tendo pesadelos.

Não era difícil de notar. Heartstone pode não gritar como a maioria das criaturas, mas ele se remexia e fazia sinais com as mãos. A maioria aleatória, ou sem nenhum significado aparente.

Blitzen se aproximou do elfo. Tinha uma boa ideia do que se tratavam os pesadelos dele. Passou a mão pela face um tanto quanto delicada e alva. Foi o bastante para o outro acordar. Ao perceber que era um sonho, algumas lágrimas escorreram dos olhos azuis. Ele abraçou Blitzen, que fazia o possível para consolar o melhor amigo sem dizer uma só palavra.

Amigo...

Podia realmente chamá-lo assim? Era inegável a aproximação entre os dois, mas amigos não sentiam... O que quer que Blitz sentisse por Heart.

Amigos não sentiam uma vontade quase incontrolável de abraçar um ao outro o tempo todo, não sentiam vontade de acariciar o rosto, ou o peito um do outro, nem, por Freya, sentiam ciúmes das garotas apaixonadas por ele.

Blitzen começou a divagar, lembrando de Inge. Nada contra a garota, mas tinha poucas coisas piores do que acordar da petrificação, ser salvo da morte certa e ainda ver seu elfo receber uma declaração em meio a um apocalipse d’água.

“Foi só um beijo na bochecha”, se consolou, lembrando do gosto amargo que sentira ao ver aquela cena. “E eu não tenho nada a ver com isso! Não sou dono de Heart, ele pode ficar com quem quiser!”

Balançou a cabeça, acordando dos devaneios.

Está tudo bem agora, amigão. Sinalizou para Heart. Agradeceu mentalmente porque com a linguagem de sinais ele não parecia hesitante em chamar o outro de amigo.

O mais alto já tinha se recomposto. Não havia nem sinais de lágrimas, ou do pesadelo de minutos atrás.

Obrigado. Aconteceu algo?

"Droga. Ele percebeu. Mas é óbvio que ele percebeu. Heart me conhece como a palma da mão."

Nada. Respondeu o anão. Só estava pensando. Acho que vou voltar a dormir.

Mas antes que pudesse mover um músculo, o platinado segurou sua mão. Era algo estranho, tendo em conta que ele ODIAVA não ter as duas mãos livres.

Blitzen... Sinalizou com a outra mão. Pode contar comigo. Confiança. Lembra?

O anão suspirou.

— Heart - Começou, assim que teve a certeza de que o maior estava o entendendo. – Não tem como dizer isso. Quer dizer, sairia péssimo se eu tentasse.

Sou péssimo dizendo coisas desde que nasci. Não precisa dizer, só me mostre.

O menor o encarou. Ele estava certo. Por que estava complicando algo tão simples? Blitz podia estar assustado com a descoberta de seus sentimentos, mas ao olhar para Heart... Ele sabia que não era o único passando por aquilo.

Heart não precisou traduzir nada quando o outro o beijou. Os lábios grossos e a barba aparada roçando nele provocou sensações novas. Já tinha visto dizerem que quando se está apaixonado, é possível sentir borboletas na barriga. Não foi isso que aconteceu.

Calafrios percorreram suas pernas e braços, enquanto seu estômago entrava em combustão. Havia uma guerra entre frio e calor tão intensa que nem Frey conseguiria acalmar.

Os lábios encostados duraram alguns segundos. Blitzen se separou de cabeça baixa, se recusando a encarar o elfo.

Heart abriu um breve sorriso. É verdade que gostava dele. E é mais verdade ainda que sabia que era correspondido. Talvez fosse um pouco cruel, mas preferiu esperar que Blitzen se declarasse.

E agora, o vendo tão bobo e envergonhado... Não se arrependeu. Encostou a cabeça no seu ombro, como se dissesse "Ei, estou aqui. E sinto o mesmo, não precisa fugir".

Blitzen ergueu os olhinhos. As bochechas estavam tão vermelhas quanto podiam, e seu rosto cheio de expectativa.

— Você não está com raiva?

Heart não pode segurar a risada. Com a mão direita, ergueu o polegar, o indicador e o mindinho. Alguns achariam que era símbolo do rock, ou algo parecido.

Mas o anão entendeu o significado.

— Eu também... Eu também te amo, Heart.

Heartstone sorriu como uma criança, e se deitou no peito do menor.

Não teria mais pesadelos aquela noite.