Beatriz escrita por Owl KodS


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Quando fui escrever esse conto, tive várias ideias de músicas que geraram várias outras histórias, mas escolhi Beatriz por dois motivos:
1- É uma música pouco conhecida;
2 - É uma história que sempre quis escrever.


Link para a música: https://www.youtube.com/watch?v=xNHpu4WkynM



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A lua invadia o quarto e hotel em raios prateados e suaves, garantindo uma iluminação pouco eficiente que destacava as espirais de fumaça que dançavam em direção ao teto. Beatriz estava acabada, era uma noite como outra qualquer. Havia recebido aplausos efusivos em seu trabalho como a personagem sofrida de sua peça, então porque se encontrava encolhida na parte de baixo da janela observando os anéis de nicotina em seu vagar silencioso?

O espelho da penteadeira a sua frente revelava o rosto marcado pela maquiagem pesada da personagem, mas o rímel borrado, escorrendo pelas bochechas rosadas do uso do blush a tornavam uma figura macabra e tristonha. Era assim que era em sua intimidade, um caco no qual as primeiras rugas já começavam a despontar no canto dos olhos.

A garrafa de álcool que descansava quase vazia ao seu lado foi voando se espatifar contra o espelho, mas de alguma forma aquela imagem só ficou pior, com o rosto trincado em dois por quebras maiores no espelho e o detalhe das imperfeições multiplicados em mil. Ergueu-se cambaleante, os pés descalços sobre o assoalho frio fazia seu corpo inteiro tremer sob o vestido de cetim leve e fino. Aproximou-se com passos vacilantes, sentindo as pontas do vidro quebrado machucando as solas perfeitamente cuidadas de seus pés. Do outro lado do apartamento um amante dormia, um rapaz qualquer, talvez um repórter novo. Não era do seu interesse nada que ele pudesse ser, só a injeção de autoestima que ele poderia lhe dar, mas na escuridão da noite, quando o êxtase passou, se viu em seu labirinto de autodestruição, acendendo um cigarro atrás do outro e virando uma garrafa inteira de cachaça.

Apoiou-se contra o batente e olhou para o quarto onde o rapaz dormia com os ombros largos perfeitamente delineados na escuridão. Então voltou, os mesmos passos arrastados marcando o percurso com álcool e sangue. “Você não pode cantar” eles disseram, “E em breve não poderá nem mais ser uma jovem” debochou uma atriz mais jovem. Eles veriam! Pegou o maço de cigarros que ainda se encontrava no chão, acendeu um e subiu no umbral da janela e cambaleante olhou para o mundo abaixo de si com um cigarro entre os dedos, entoou:

— Para sempre, é sempre por um triz — o corpo pendeu perigosamente para frente, os dedos do pé soltos sobre o ar. Um rodopio seguiu mais uma estrofe alucinada na perigosa dança de Beatriz com o ar — Ai, quantos desastres tem na minha mão. Diz se é perigoso a gente ser feliz.

A dança cambaleante seguiu pelo apoio de cimento pintado de branco e vermelho. Beatriz escorregava nos pés, chegava na beirada e então se segurava. A letra fluía em sua voz com a vivacidade de quem encara seus últimos minutos. Os pés voltavam para trás, o cigarro nos dedos começava a terminar.

— Será que é divina, a vida da atriz. E se ela um dia despencar do céu — cantou esticando o braço aos céus, a fumaça do cigarro se perdia com o prateado das nuvens e das estrelas — E se os pagantes exigirem bis — os olhos se tornaram nebulosos e febris quando se inclinou para a frente de forma perigosa. Os pés dançaram, ameaçando falhar, mas conseguiu girar o corpo para dentro do apartamento, enquanto a mão apoiava na moldura lateral — E se o arcanjo passar o chapéu.

Os braços se abriram como asas. Os pés roçaram a borda da moldura. O corpo despencou. Um anjo vestido de branco parou sobre o chão, o corpo quebrado e ensaguentado e os olhos febris ainda abertos, encaram o céu.


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Notas finais do capítulo

Joanna querida e amada, você não marcou death fic! Desculpa, mas como diz uma sábia filosofa: Sem Spoilers (SONG, River)

Menções honrosas de outras músicas usadas para esse desafio que não foram postadas:
Acrilic on Canvas - Legião Urbana
Para ser sincero - Engenheiros do Havaí
Você vai Lembrar de Mim - Nenhum de Nós
Esconderijo - Ana Cañas
Educação Sentimental I - Kid Abelha
Eu só posso dizer - Nando Reis
Porque não eu? - Leoni
Preciso dizer que te amo - Cazuza