Clarisse [CcL 14] escrita por Lady Lanai Carano


Capítulo 1
Clarisse - Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Konnichiwa minna-san!
Bom, é temática é meio pesada, mas serve como crítica social também, ok?
Boa leitura!
ATENÇÃO: CONTÉM CONTEÚDO DE GATILHO!!!



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Deitada na banheira vazia, eu deixo os meus pensamentos divagarem. Talvez eu devesse lavar e escovar os cabelos, eles estavam uma bagunça.

Fecho os olhos. De que adiantaria lavar meu cabelo se isso só faria as coisas piorarem? O aroma de lavanda do xampu passou a ser repulsivo depois que eu experimentei repetidos e dolorosos puxões nos meus fios castanhos por causa desse cheiro.

Abro os olhos e ergo as mãos. Meus dedos estão tremendo e minhas unhas, completamente roídas, com vários machucados ao redor causados pelos meus dentes. Isso não é atraente, certo? Isso não vai me causar problemas, certo?

Errado. Minha amiga Gabriela era gordinha e tinha cabelos oleosos; ninguém a considerava atraente. Mas, mesmo assim, certo dia, ela desapareceu. Dois dias depois, encontraram o seu corpo nu em um córrego perto de casa. Exames confirmaram: estupro e assassinato por múltiplas facadas.

Viro na banheira, ficando de bruços e encarando o ralo logo à frente do meu rosto. Quem me dera poder ficar pequenininha, descer por ali e nunca aparecer novamente. Talvez eu acabasse no mar, e eu pudesse viver para sempre em uma ilha deserta.

Dou uma risada amarga. Fantasia e contos de fada não adiantam nada no doloroso mundo real.

Levanto, tomando uma decisão. Estendo a mão para a pia e pego o pequeno canivete. Ele está um pouco cego, e eu não faço ideia de como afiá-lo, mas vai servir.

Um garoto do meu colégio, cujo nome não recordo, já foi internado diversas vezes por fazer o mesmo que eu vou fazer agora. Ouvi dizer que todos o deixavam de lado, e por isso ficou depressivo. Dizem que ele é estúpido, que não aproveita a vida plena que Deus deu a nós, pobres mortais.

Segurando o canivete com as minhas mãos trêmulas, forço meus punhos a ficarem firmes. Sento na beirada da banheira e olho para as minhas pernas expostas. Um observador atento notaria os hematomas, já claros, na minha pele.

Fecho os olhos, como uma boa covarde, e apunhalo, às cegas.

Uma dor sufocante sobe do meu tornozelo e irradia por toda a minha perna. Gemo de boca fechada, determinada a não gritar. Eu tinha gritado até perder a voz naquela noite, e nada aconteceu. Nunca acontece, não importa o quanto da sua voz você usou.

Sem parar para olhar o ferimento, deslizo o canivete na minha outra perna. Sinto lágrimas se acumularem nos cantos dos meus olhos. Por um momento, penso em desistir; ora, que loucura eu estava fazendo?

Mas lembrar da sensação pegajosa de mãos nojentas passeando pelo meu corpo fez aquela dor parecer uma carícia.

Não faço ideia de quantos cortes eu fiz, ou no quê eu pensei no momento. Só lembro do som do sangue gotejando na banheira. Quando as minhas mãos ficaram cansadas demais para segurar o canivete, eu parei, sentindo a adrenalina do momento baixar.

Chorando silenciosamente pelo meu estado deplorável, lavo o canivete e jogo-o no lixo, com repulsa, sentindo meus tornozelos arderem. Eu não estava reconhecendo a mim mesma. Talvez eu devesse simplesmente tomar os muitos comprimidos que estavam guardados no armário em baixo da pia e deixar o torpor me dominar antes que eu faça alguma besteira.

E foi o que eu fiz. Engulo uma porção dos remédios que os psiquiatras tinham me receitado sem nem diferenciar os calmantes dos antidepressivos.

Nada, absolutamente nada, mudou no mundo depois que eu voltei para casa cambaleando, aterrorizada e traumatizada, sem muito mais que a roupa de baixo e o casaco do uniforme escolar. É sufocante pensar que eu sou apenas mais um número, mais uma pessoa desafortunada, que não mudou a vida de mais ninguém, apenas a dela.

Depois daquela noite em que eu estava voltando para casa depois das minhas aulas à tarde no colégio e sofri a pior das humilhações, vieram tratamentos e mais tratamentos, vários consultórios diferentes, mas nada conseguia ressuscitar o meu eu interior. Afinal, ele já estava morto há tempo demais.

Faço os melhores curativos que posso nos machucados na perna. Andar é doloroso. Vou até o meu quarto e caio na cama – já sentindo os efeitos dos remédios – em posição fetal, chorando.

Quanto tempo demora para um pássaro lembrar de como se voa depois de terem arrancado as suas penas?, penso com meus botões, enquanto os remédios me fazem dormir, se eu tiver sorte, por um bom tempo.


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Notas finais do capítulo

E então? Gostaram?
Eu tive dificuldades nesse desafio (afinal, eu não conseguia achar nenhuma música que parecesse adequada para mim), mas sempre existe Legião Urbana para me salvar nesses momentos ♥
Beijos de Mel ^^