Um amor congelante escrita por Sullie K


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

eu não sei o que que eu tava pensando quando eu escrevi isso eu estava provavelmente sob o efeito de alguma coisa



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Estava muito frio em Mongibello naquele dia... Dickie tentava se aquecer próximo à lareira de sua aconchegante casa - que se tornava não tão aconchegante assim com o perigo iminente de neve - junto de Marge, sua fiel amiga e namorada. Ela o abraçava com ternura enquanto cariciava seus cabelos louros. Mas a mente de Dickie estava tão distante quanto a América estava da bela Mongi. Ele queria estar sozinho e não sabia por quê. Marge também notara o estado, digamos, deslocado de seu amor nas últimas semanas. Achava que a razão talvez fosse Tom Ripley. O maldito Ripley, com seus óculos, seu jazz e suas interpretações sem graça de mulheres inglesas! Na verdade, Marge não entendia. Ela não avistava nem a ponta do grande iceberg que flutuava no oceano da mente de Dickie. Aquilo que lhe perturbava, que tirava seu sono.

Há uma semana e meia, por incentivo do polêmico Ripley, comprara uma geladeira com o dinheiro que planejava usar para comprar um carro novo. Não era nada grande demais; era esbranquiçada e pouco maior que um frigobar. Cabia no máximo uma refeição para três lá dentro. Não era luxuosa como o estilo de vida que Dickie costumava adotar, mas algo naquela geladeira parecia simplesmente... correto para ele. O frio arrepiante que ela lhe causava quando ele guardava as marmitas de macarrão do almoço lá, ou as tremedeiras que sentia quando segurava o gelo que ela produzia para suas margaritas. Por Deus, aquela fora a melhor compra que já fizera desde que chegara à Itália.

Porém o inverno chegara impiedoso como já era esperado. E, inevitavelmente, todos os seus convidados, incluindo Marge e ele próprio, passavam longe do congelante objeto.

Naquele mesmo dia, pintando em seu quarto no andar debaixo, sentira uma gota pingando sobre seu nariz e perguntara-se de onde poderia vir esta água gelada. Ao subir as escadas deparou-se com a geladeira, sua pequena e linda geladeira com água escorrendo pela porta fechada. E isso o ferira de forma que nem uma remada na cabeça poderia ferir.

Segundo um técnico de Mongibello, era um problema técnico da geladeira e que a garantia provavelmente poderia trocar a baixa Brastemp. Mas Dickie negou a garantia. Dickie sempre negaria. Pois ele tinha ciência da verdade. Pois ele, acima de todos os outros, entendia ela. Ele convivera com ela. Ele sentira seu coração doer por ela. Ele...

Dickie voltou à cena com Marge à lareira. O calor o desconfortou estranhamente naquele momento.

"Marge..." Ele murmurou, com dor na voz.

"Sim, querido?" Marge respondeu com prontidão.

"Eu preciso que você vá embora. Não estou me sentindo bem." Ele levantou-se, como se para indicar à garota o caminho até a porta, mesmo que ele tivesse certeza de que ela sabia. “Por favor.”

Ela estranhou. O Greenleaf nunca pedia por favor.

“Tudo bem. Há algo que você queira me dizer? Está com alguma febre? Deve ser este frio e...” Marge levantou-se também, preocupada com seu namorado.

“Não, Marge. Eu não estou doente. Eu só... quero ficar sozinho, está bem? Se você vir o Tom por aí, avise-o para não voltar para cá.” Ele falou de forma um tanto quanto intimidadora e Marge franziu o cenho.

“...Claro.”

Ela deixou o recinto de forma passiva, mas com mágoa. Dickie notara a frustração de Marge quanto ao seu comportamento inesperado, porém, se ela apenas soubesse, o entenderia. E mais, tratando-se da senhorita Sherwood, em questão de minutos ela já estaria sorridente de novo.

Ao ter certeza de que Marge já havia saído pelo portão de sua casa e descido a rua escura e fria, correu até sua cozinha. Sua barriga roncava. Ele precisava mesmo comer algo. Talvez o resto do cordeiro do almoço.

Quando entrou naquela cozinha, a inusitadamente modesta cozinha, entretanto, seu corpo congelou. Sua respiração falhou e sentia dificuldade em se concentrar em qualquer coisa que não fosse sua tacanha geladeirazinha. Ela ainda molhava o chão ao seu redor, mas aquilo jamais fora um defeito, e sim sua maior qualidade. Cada uma das coisas que chamariam de imperfeição, quando Dickie via sua Brastemp, ele chamava de perfeição. Ele chamava da individualidade que nem o pôr do sol da Itália conseguia superar.

Aproximou-se da geladeira, tentando afastar seus desejos clandestinos. Se seu pretexto era apenas comer cordeiro com arroz e farofa, falhara miseravelmente. A próxima coisa que se via a fazer era abraçar com força o eletrodoméstico.

Sentia o gelado do objeto o torturar em meio aquele inverno. Estava distante demais de sua lareira, mas nem por um segundo pensara em recuar. Hipotermia era fútil comparado com a dor que sentia quando não estava com sua geladeira. Sua princesa. Sua amante. Quando estava com ela, nada mais o preocupava. Nem sua mãe, nem os Estados Unidos, nem a insistente Marge. Tudo era certo com a pequena ali.

Beijou-a com doçura e sentiu-a tremer. Se ao menos conseguisse compreender a complicada linguagem dos eletrodomésticos. Enquanto ele sofria pela atmosfera álgida, a geladeira sentia-se insolitamente quente. E ela o transmitiu isso, aquecendo o corpo gélido de Dickie num ato de piedade misericordiosa do amor.

Ele estranhou, pois sabia que o superaquecimento podia ser um problema para objetos tais como uma geladeira.

“G-geladeira...?” Ele separou-se dela, sentindo o fervor inesperado desta abranger-se mais e mais. “Não, por favor!”

Um “bum!” foi a última coisa que ouviu antes de ver a fumaça saindo da tomada negra de sua geladeira. Tirou-a de lá com velocidade e sentiu lágrimas escorrerem em seu rosto bronzeado.

“Geladeira, por quê? Por que, Deus? Por que fizestes isso com a minha pequena?!” Foi ao chão, completamente quebrado por dentro, chorando o seu amor impossível.

“Dickie.” De repente, ouviu uma voz do além o chamar. Uma voz de anjo. “Sou eu, a Brastemp.”

“Geladeira! Você está viva?!”

“Não, Dickie, eu tive de partir. Minha estadia nessa Terra foi curta, mas... meu sacrifício valeu a pena por você, meu amor. Se não era para ficarmos juntos eternamente, eu queria que pelo menos meu último ato em vida fosse para proteger-lhe.” Ele ouvia um som de choro vindo da geladeira. “Meu mês de vida foi o melhor mês que uma geladeira como eu poderia ter vivido, Dickie Greenleaf. Você fez tudo isso especial para mim e eu te amo.”

“Por favor, volte!”

“Adeus, Dickie. Não se esqueça de mim.”

“Não!” Ele gritou, alta e prolongadamente, chorando muito com sua cabeça recostada à quebrada geladeira.

Da porta da cozinha, Tom Ripley surgiu, correndo para acudi-lo.

“Dickie, você está bem?!” Tom o segurou em seus braços, sentindo o desespero de seu amigo.

“Tom, v-vá embora!”

“Não, Dickie, você é meu amigo e eu não vou te deixar sozinho aqui. Vem cá, me dá um abraço, está tudo bem.” Dickie aceitou o abraço, mesmo que soubesse que Tom jamais compreenderia. Sentiu a agonia forte em seu peito quando Ripley apertou-o.

Tom não largou-o até às três da manhã, horário em que Dickie caiu no sono de tanto chorar. E então o carregou até o sofá e aconchegou-o ali, beijando sua testa; finalmente, retirou-se para seu quarto.

Já em sua cama, riu uma risada alta e com entonação maliciosa. O Greenleaf não tinha ideia do quanto ele sabia da situação, afinal, o próprio Tom destruíra aquela geladeira, colocando potes quentes de vidro lá dentro sem esperar esfriar, e destruiria qualquer um que ousasse se pôr no caminho de seu romance com Dickie.

Dormiu tranquilo em sua maldade e sonhou com um fogão. Talvez precisaria destruir o fogão também...


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Notas finais do capítulo

meu deus do ceu