Não era um dom legal, como aqueles em que você só quer gritar para todo mundo e dizer “Ei, olha o que eu consigo fazer” – Era angustiante. E ímprobo.

Ver muitas mortes nunca foi o maior dos problemas. O problema é que eu não posso fazer nada a respeito.  Sabedoria nem sempre é uma coisa boa. Existem situações que não deveriam ser vistas por humanos providos de sentimentos.

            Mas logo ali, já posso ver mais uma vítima do próprio destino. Não é difícil imaginar a curta e dolorosa vida que levou, tendo em consideração o pedaço de chão em que chama de “casa” e as roupas antiquadas que veste. Centenas de pessoas passam por ela a cada hora, mas ninguém tem um minuto para oferecer-lhe um café da manhã.

Venho observando-a por dias. Está sozinha, mas eu não posso ajudar. Não cabe a mim esse dever. Cabe às pessoas que sequer se importam, e que poderiam socorrer muitas vidas se ao menos conseguissem abrir os olhos e olhar para o lado, descobrindo que existe um mundo lá fora, e que há pessoas que precisam ser salvas.

...30, 29, 28, 27, 26...

Não queria me importar tanto, e com tudo que já vi, deveria estar mais forte para enfrentar situações como esta. Mas não me entra na cabeça como uma criança que deveria ter tanto tempo para viver está resumida a esses segundos.

...10, 9, 8, 7, 6...

Observo-a deitada, gritando por ajuda em seu silêncio. Ela fecha os olhos.

            Não sou médica, mas posso dizer se você vai viver. E posso dizer exatamente por quanto tempo.