Como cães e gatos escrita por kelly pimentel


Capítulo 9
"Diga que não sente nada por mim"




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Então, como estão as coisas com a minha sobrinha caçula predileta? -Meu tio pergunta. Estamos terminando de almoçar na cantina da Forma, antes que o treino dos meninos e minha aula de Jiu-jitsu comecem. Encaro seus olhos verdes, tão parecidos com de Juliana, imagino o quanto seria sortuda se tivesse sido criada por ele, às vezes, secretamente, eu desejava que meu pai tivesse morrido naquele acidente e não minha mãe. Tenho noção do quanto tal pensamento parece horrível, mas então eu fecho meus olhos e imagino minha mãe ao meu lado, cuidado de mim, Tio Caio presente. Seria horrível ter perdido meu pai, mas ainda assim não seria tão devastador quanto a morte da minha mãe.

—Indo. – Respondo.

—Escola?

—Boas notas.

—Parou de brigar com o filho da Tânia, o Fábio?

—Por um tempo. – Respondo evitando pensar em Fábio.

— Lá em casa ainda parece uma zona de guerra, meu pai, Bárbara e Juliana não param de se engalfinhar por causa da Joana.

—E como você se sente com tudo isso? – Ele questiona.

—Confusa. Sabe, eu entendo que minhas irmãs estejam irritadas, o que o meu pai fez foi terrível, mas a Joana ela não tem culpa disso.

—Claro que não. – Tio Caio diz com um sorriso. – E eu estou muito feliz de ouvir você dizer isso, sabia? Eu gosto muito da Joana ela é uma garota incrível, vocês duas tem isso em comum.

—Você queria que ela fosse sua filha?

—E quem não iria querer ser pai da Joana? Mas eu já tenho uma filha de coração que é você. – Aquilo me deixa feliz.

—Eu confesso que, por esse lado, prefiro que ela seja filha do meu pai do que sua. – Digo. Meu tio ergue as sobrancelhas me encarando. – Eu tenho pena da Joana, claro, por ser filha do meu pai, mas é que pelo menos eu tenho meu tio só para mim.

—Manuela, aconteça o que acontecer, eu vou sempre estar do seu lado, ok? Mesmo que eu me case ou que eu vá morar do outro lado do mundo.

—Você não vai morar do outro lado do mundo, vai? – Questiono.

—Claro que não! Enquanto você precisar de mim, eu vou sempre estar por perto.

—Obrigada Tio.

A garçonete se aproxima e recolhe nossos pratos. Tio Caio aproveita e pede sobremesa, sorvetes.

—Eu nunca te disse isso, mas eu fiquei com você e sua mãe quando você nasceu, seu pai estava viajando e sua mãe estava tão nervosa, a gravidez da Bárbara foi tranquila, mas você e a Ju vieram depois de toda a luta contra o câncer e ela estava tão assustada com tudo.

—Sério? – Pergunto. Meu pai nunca fala da minha mãe, estar com meu Tio é, além de tudo, uma forma de ficar mais perto dela, sei que ele também sente o mesmo.

— Sério! – Ele diz sorrindo. - A Ju foi complicada, nasceu semanas antes do esperado e eu não estava com ela, mas você veio na data certa, chorava pouco e ela disse que você era uma outra versão de mim que o universo tinha enviado para ela, que ela podia te olhar e me ver, e eu achei que ela estava ficando maluca porque você não parece em nada comigo, você é a cara da sua mãe.

—Às vezes eu não consigo lembrar do rosto dela. – Confesso. – Eu me esforço tanto, mas às vezes eu não consigo. – Posso sentir as primeiras lágrimas querendo escorrer pelo meu rosto, mas seguro-as, passo discretamente a mão nos olhos contendo-as.

—Você não precisa ter medo disso. Sua mãe vai estar com você sempre, mesmo se você não conseguir lembrar do rosto dela.

—Você sente muito a falta dela também, não sente? – Pergunto. A moça se aproxima com nossos sorvetes e assim que ela nos deixa sozinhos Tio Caio me responde.

—Todo os dias, mas sentir falta dela não é a mesma coisa que ficar triste. Sua mãe não ia gostar de te ver triste, nem mesmo por ela. Quando éramos pequenos e eu ficava triste com alguma coisa, normalmente quando nossos pais nos proibiam de fazer algo, sua mãe sempre achava uma alternativa para que eu não ficasse chateado. Quando estava chovendo e não podíamos brincar na rua, ela fazia um forte dentro de casa, ela sempre via o lado bom das coisas, das pessoas.

—Eu queria ser tão próxima assim das minhas irmãs.

—Vocês têm idades muito diferentes. Eu sou só um ano e meio mais novo que a sua mãe. E erámos só nós dois para tudo, tínhamos poucos amigos, nos mudamos um bocado, então era sempre nós dois contra o mundo. Mas isso não significa que as suas irmãs não te amam o tanto quando eu e a sua mãe nos amávamos.

—Acho que a Bárbara é mais minha mãe que minha irmã. E a Juliana, bem, ela tenta se abrir comigo, conversar, mas eu acho que ela não sabe muito bem como fazer isso.

—Sabe o que eu acho que você deveria fazer? – Tio Caio questiona.

—O que?

—Você ainda tem uma irmã que não conhece muito bem. Porque não tenta ser amiga dela? Eu sei que a Bárbara não vai gostar, mas você precisa conhecer a Joana por si mesma, não pela absorção da opinião que a Barbara tem dela. Eu acho que o seu pai ia gostar disso.

—E desde quando você se preocupa com o que meu pai iria gostar?

—Eu escondo isso muito mal, não é? – Ele pergunta sorrindo. -Sinto muito. Tenho certeza de que sua mãe adoraria que tentássemos ser amigos novamente, mas eu só me preocupo com o seu pai por ele ser seu pai, porque eu sei que a felicidade dele, até certo ponto, está ligada à sua e à das suas irmãs.

—A Bárbara acha que a minha mãe odiava a mãe da Joana e que odiaria a Joana.

—Acredite em mim Manu, a sua mãe não odiava ninguém. Quando você tiver idade o suficiente eu posso te contar tudo sobre como a sua mãe se sentiu, mas ela nunca odiaria a Joana. Agora eu tenho que ir. – Ele diz terminando o sorvete. Tio Caio se levanta e antes de deixar a mesa dá um beijo no topo da minha cabeça. – Um bom treino, não entrega.

—Pode deixar. – Respondo sorrindo.

Termino meu sorvete e vou falar com Joana, encontro-a na sala do meu pai e combino com ela de almoçarmos juntas no dia seguinte, depois disso, sigo para a aula de Jiu-Jitsu. 

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Entro na Forma e encontro minha mãe na recepção, assim que me vê seu rosto assume uma expressão que mistura preocupação com disposição para bronca.

—O que foi que aconteceu, hein? – Ela questiona quando me aproximo.

—Nada grave. – Responso.

—Quem vai dizer se é grave ou não sou eu. – Ela fala irritada. – Desembucha.

—Não aconteceu nada mãe. Eu só vim pegar a Luiza da aula de balé.

—De livre e espontânea vontade? – Minha mãe questiona cruzando os braços. – Até parece. Mas a tua irmã não veio para a aula não, ela disse que estava com o estomago doendo e que ia pra casa. Ela não voltou da escola com você? 

—Eu não fui pra casa, tinha um exercício de física pra fazer com um amigo e como achei que a Luiza vinha pra cá, não me preocupei em saber dela.

—Mas ela disse que estava doente?

—Não. Mas ela não parecia muito bem.

—Isso não tem a ver com o Lucas, tem? – Minha mãe pergunta me encarando.

—Não faço a menor ideia. – Respondo. – Mas aproveitando que estou aqui, acha que eu posso assistir ao treino da dupla de vôlei?

—Claro que pode. – A garota loira que trabalha na recepção com a minha mãe diz liberando o acesso.

—Jéssica, Jéssica! Não vai me meter em confusão.

—Não tem problema nenhum o garoto ver o treino. – Jessica diz. – Vai lá Fábio.

—Ô Fábio, tenta não quebrar nada. – Minha mãe diz.

—Tudo bem. – Respondo sorrindo.

Caminho pela academia procurando a pessoa com quem de fato quero falar, eu sabia que Luiza estava em casa, mas minha mãe não precisava saber disso. Entro na quadra e vejo a dupla treinando, Caio e Junior estão com eles. Lucas está sentando observando, tomando um suco.

—E ai Fábio? – Lucas diz sorrindo. – Perdido?

—Não. – Digo me sentando ao lado dele. – Na verdade, eu quero falar com você. – Lucas me encara uma expressão idiota. Realmente não sei o que a Luiza vê nesse cara.

—Comigo?

—É. – Digo reforçando o óbvio. – Eu queria te pedir pra... bom, não tem outro jeito de dizer isso: eu quero te pedir pra deixar de ser um idiota. Se você não tiver interesse alguma na Luiza, se afasta dela, sem mais essa de ensinar grafite e mudar o mundo, ok?

—Eu não acho que isso seja algo pra você decidir. – Lucas diz, e eu percebo que ele não é tão idiota quanto parece.

—Você tem toda razão. – Digo. – É por isso que você precisa decidir. Ou você gosta da minha irmã ou não gosta, esse meio termo não vai fazer bem pra ela. – Concluo ficando de pé.

—Já vai embora Fábio? – Caio diz me dando um sorriso. Lembro de ter ouvido dizer que ele não é simpático com ninguém e aquilo realmente desperta minha curiosidade.

—Já. – Respondo. – Vou assistir um pouco o treino do Jorjão com o lutador dele.

—Ok, mas você é sempre bem-vindo nos nossos treinos. – Ele responde.

Me afasto pensativo, não poderia ser pela Manuela, poderia? Eu sei que ela é próxima do tio, mas pra falar de mim ela precisaria, antes disso, assumir pra si mesma. Entro na sala de lutas e acompanho o treino de Rômulo. Quando Jorjão termina ele brinca sobre eu começar a treinar.

—Ele não duraria uma semana. – A voz de Manuela diz. Me viro para encará-la, ela sorri de forma desafiadora. Está com os cabelos molhados e uma bolsa jogada displicentemente no ombro. 

—Nem todo mundo pode ser tão bom quanto você. – Respondo encarando-a. Sei que a melhor forma de lidar com Manuela é essa, tratá-la da melhor forma possível. É tangível seu desconforto com as minhas palavras.

—Jiu-Jitsu também é uma boa opção Fábio. – Jorjão afirma. – E a Manuela poderia te ajudar.

—Tenho certeza que ela adoraria me ajudar. – Digo sem tirar meus olhos de Manu.

Jorjão e Rômulo seguem para os vestiários e eu fico parado encarando Manuela.

—Qual teu jogo Fábio? – Manuela pergunta se aproximando de mim.

—Porque eu tenho certeza que você não gosta de mim, isso só pode ser um jogo. Você apostou com alguém que me conquistaria ou tá impressionado com o desafio?

—Eu estou impressionado. – Afirmo. -Primeiro com o modo como você pensa pouco de si mesma, depois com sua covardia. – Manuela avança na minha direção e me encosta na parede, me segurando pela gola da camisa.

—Você realmente tá querendo me tirar do sério. – Ela afirma me pressionando mais contra a parede.

—Eu paro se você disser que não sente nada por mim. – Digo, tenho um tom sério, mas estou um pouco ofegante. – Manu me solta, mas não se afasta. – Apenas, olhe nos meus olhos e diga que não sente nada por mim. – Reforço.

Manu me encara, observo seus lábios se moverem algumas vezes, sei que ela pode dizer, sei que ela provavelmente vai dizer – mesmo gostando de mim - mas ainda assim tenho esperança. Ela morde o lábio e respira fundo. Prometo a mim mesmo que vou deixa-la em paz se ela disser. Então, quando acho que ela vai finalmente falar o que temo, Manu me beija. Inicialmente, eu não me movo, temo que qualquer movimento possa fazer com que ela desista, então apenas correspondo o beijo. Mas quando ele se intensifica não consigo resistir. Passo uma das mãos pelos cabelos de Manu e trago-a para mais perto, a outra comprime seu quadril.


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