Como cães e gatos escrita por kelly pimentel


Capítulo 31
Lual, parte 2




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A tensão no corpo de Fábio é um guia do quanto ele está irritado com a cena. Posso entendê-lo, mas estou, eu mesma, muito mais ocupada com a tentativa de processar o que estou vendo. Juliana e Lucas estão sentados de frente um para o outro, as pernas entrelaçadas, aos beijos. Meu primeiro impulso é o de ir até eles e tomar satisfações, não que eu tenha direito algum de fazer isso, mas um impulso é um impulso, e eles normalmente não são racionais. Mas então me lembro de como a minha irmã tem estado feliz na última semana, deve ser por isso: ela e Lucas, juntos. Me sinto aliviada, embora entenda que aquilo tudo está longe de ser simples. Luiza, Martinha, Jabá, e até mesmo eu e Fábio somos efeitos colaterais dessa situação.

—Você sabia disso Manuela? – Fábio pergunta me encarando. Respondo que não e ele me esquadrinha como se tentasse decidir entre acreditar ou não em mim.

—Já disse que não sabia. – Repito irritada. – Apenas vamos embora daqui.

Caminho no sentido contrário ao casal, em direção à festa. Fábio me segue.

—Eu sinto muito. Eu não queria desconfiar de você, é que isso me pegou de surpresa. Esse cara é muito sem noção Manuela, ele namorava a minha irmã e estava apaixonado pela sua enquanto dormia com a Martinha. Isso é...

—Não é tão simples assim. – Digo ainda sem parar. Fábio pega no meu braço. Estamos a poucos metros da festa.

—Então como é? Você pode me explicar?

—Eles se amam, ok?

—Você acabou de me dizer que não sabia...

—Porque eu não sabia que estavam juntos! Mas eu sei que eles se amam, a minha irmã é apaixonada pelo Lucas, o Lucas é apaixonado por ela. E eu sinto muito, muito mesmo, que ele tenha machucado a Luiza, mas essa é a verdade.

—E você acha que ele não vai fazer o mesmo com a Juliana? Ele provavelmente vai ficar com a Martinha e criar esse filho, caso contrário, que tipo de cara ele seria?

Quero dizer que não é assim. Que as pessoas não precisam viver ideias, sacrificar suas vidas, abrir mão do que amam pelo que é certo. Mas entendo o porquê de Fábio pensar assim. Seu pai foi embora e ele abomina isso. Respiro fundo e fico calada por alguns minutos.

—Nem todo mundo deixa alguém porque vai ter um filho. Filho não prende ninguém a nada.

—Você tá certa, mas quando o cara tem um pingo de senso de responsabilidade a coisa é outra. E, por mais difícil que seja, você simplesmente tem que fazer a coisa certa. Assim como o seu pai não abandonou a esposa mesmo amando a mãe da Joana.

Fico calada. Não sei mais o que dizer. Ele não estava mentindo, ele provavelmente não queria me machucar dizendo aquilo, eu mesma tinha essa informação, mas saber de algo e ter esse algo jogado na sua cara não é a mesma coisa. Me coloquei no lugar de Bárbara, talvez ela não fosse a vilã por se sentir do modo como se sentia.

—Eu sinto muito. – Fábio diz se aproximando. Recuo evitando o contato. – Manuela, me desculpa, eu não tinha direito nenhum de te dizer isso. Eu nem posso imaginar como você deve estar se sentindo, apenas... me desculpe, eu fui um idiota.

—Isso não é problema nosso. – Afirmo. – O Lucas e a Juliana, e a Martinha. Isso não é problema nosso. E você pode contar para Luiza se quiser, eu não vou te pedir para mentir para ela, mas apenas não faça disso um problema nosso, ok?

—Você tem razão. Me desculpe. – Ele fala pegando na minha mão. – Podemos voltar para a festa e fingir que nada disso aconteceu?

—Podemos voltar. -Respondo ainda chateada, mas não sei se posso fingir que aquilo não aconteceu.

Tânia está sozinha na esteira quando me aproximo. Fábio ficou conversando com Joana e Sula, era nosso jeito de não dar tanta bandeira.Além disso, eu não me importava de ficar longe dele no momento.

—Ah, você está aí. – Ela fala sorrindo.

—Onde está todo mundo? – Questiono me sentando.

—Luiza está dançando. O Caio foi comprar mais bebida com o Giovane e o Fábio...  suponho que  você saiba onde ele está – Estou tão chateada que nem me dou ao trabalho de corar com aquela insinuação. – Você está bem? – Minha sogra pergunta parecendo notar. – O Fábio disse alguma grosseira ou fez algo que...

—Não. – Respondo. Não era de todo uma verdade. Eu estava chateada com Fábio também, estava chateada com a Juliana por não me contar sobre o Lucas, estava chateada comigo mesma também, por ter discutido com Fábio.-Obrigada por não contar nada ao meu tio. – Falo tentando mudar de assunto.

—Sem problemas, mas você sabe que não podem namorar escondido, certo? O seu pai vai sentir que você não confia nele e aí ele não vai confiar em você.

—Você não o conhece o suficiente. Meu pai é ciumento, e age como se eu tivesse oito anos de idade. Ele provavelmente vai fazer o máximo para me impedir de sair e de encontrar com o Fábio a sós.

—E ele estaria certo. Na verdade, eu acabo de perceber que não posso compactuar com isso. Se vocês não contarem, eu vou ter que proibir o namoro de vocês.

—Por que? – Questiono intrigada.

—Eu gosto do seu pai, ele é uma boa pessoa, e eu, no lugar dele, iria querer saber. Além disso, eu amo o seu tio e ele também não me perdoaria se algo acontecesse e...

—Que algo pode acontecer?

—Eu sei que a sua mãe faleceu quando você era muito pequena, mas... você já deve ter tido a conversa sobre sexo com...

—Ai meu Deus! – Digo colocando a mão na testa. Não consigo decidir entre cavar um buraco na areia ou ter uma crise de riso. Não que eu ache aquilo engraçado, mas é extremamente irônico que minha noite termine assim, era exatamente o que faltava. -Sim, eu sei, entendi agora...

—O que você entendeu? – Fábio pergunta se aproximando.

—Nada! – Eu disse apressada. Não sei como começar a contar o que acabou de acontecer. -Onde está a Luiza? – Me levanto e deixo os dois sozinhos. Adiciono Tânia a minha lista de pessoas que eu não quero encarar no momento, junto com Fábio e Juliana. Luiza está acompanhada de Sula, Jéssica, Belotto e Joana.

—Quem vê vocês fora da escola até pensa que vocês se suportam. – Belotto diz sorrindo, percebo que Fábio está ao meu lado. Devia estar enterrada demais nos meus pensamentos para perceber que ele tinha deixado a mesa e vindo atrás de mim. Jabá se aproxima e chama Luiza para dançar, tenho vontade de dizer que não, me meter, mas antes que eu possa fazer isso ela concorda e eles começam a dançar.

Juliana se aproxima e me abraça por trás de mim e começa a me balançar no ritmo da música. Paro e a encaro. “O que foi?” ela pergunta, mas antes que eu possa responder Lucas aparece, vindo da mesma direção que Juliana. Ele e minha irmã compartilham um olhar, é algo rápido, sútil, mas deve ter sido o suficiente para que Jabá também percebesse, pois segundos depois ele está beijando Luiza que protesta tentando se soltar de seus braços. Fábio, Lucas e Belotto avançam em cima de Jabá e ajudam Luiza.

—Você ficou maluco? – Lucas pergunta empurrando Jabá.

—Chato isso né? Quando alguém coloca as mãos em algo que costumava ser seu. Como você tá fazendo agora com a Juliana! – Jabá grita. Lucas fica desnorteado. Olho para Luiza e vejo que ela está chorando, abraçada a Fábio. Tânia se aproxima e pergunta o que está acontecendo, mas antes que alguém possa dar uma resposta Jabá soca o rosto de Lucas, um soco seco que acerta um pouco acima do nariz, forte o suficiente para desacordar o grafiteiro. Belotto contém Jabá com a ajuda de outros convidados, enquanto Juliana se ajoelha do lado de Lucas na areia tentando despertá-lo.

—Você é um monstro sabia! – Ela grita irritada encarando Jabá.

—E você é uma vadia que dorme com qualquer um. Não espanta nada se você for a próxima esperando um filho dele. Que nem a burra da Martinha. – Então ele olha para a Luiza. – Você é sortuda, ele te fez um favor! Aproveita!

Jabá é levado embora. Luiza deixa Fábio e se ajoelha ao lado de Lucas, exatamente como Juliana.

—Precisamos chamar uma ambulância. – Ela diz nervosa. E então Lucas abre os olhos, devagar, ele encara Juliana e passa a mão no rosto dela de forma carinhosa, como se apenas os dois existissem.

—Graças a Deus! – Ela diz e em seguida eles se beijam.

(....)

Depois de passarmos um bom tempo com Lucas no hospital - Juliana insistiu que ele precisava ir numa emergência e tio Caio nos levou - o deixamos em casa e fomos para casa também. No caminho, não falei nada com Juliana sobre o que tinha acontecido. Mas tio Caio, que havia insistindo para que Lucas prestasse queixa por agressão contra Jabá, falou sobre como Juliana precisava prestar atenção no comportamento de Jabá, evitar ficar sozinha.

—Imagina se ele tenta fazer algo com você pelo fim do namoro? Você precisa se precaver. Qualquer coisa, podemos pedir uma ordem restritiva. – Ele afirma. Juliana, sentada no banco de trás, onde Lucas também estava minutos antes, afirmou que Jabá só estava magoado, mas que ele nunca faria nada contra ele.

—Ele cresceu com um pai que bate na esposa, ele fala o tempo todo sobre como é importante para ele se manter o mais distante possível da imagem do pai. – Minha irmã pontua.

—Ele beijou a Luiza a força. – Tio Caio diz irritado. Eu mesmo teria batido nele se estivesse lá no momento. – Isso é um ato de violência contra mulher também, não é só bater que se configura como violência.

—Na verdade, tenho quase certeza que ele poderia ser indiciado por tentativa de estupro. – Digo Juliana me olha como se eu estivesse falando a coisa mais absurda do mundo.

—Nada disso. Se a Luiza quiser, tudo bem. Mas eu não vou prestar queixas contra o Jabá. E eu o Lucas realmente ficamos juntos pelas costas dele.

—Isso não o direito de fazer o que ele fez. – Meu tio insiste. Ele estaciona frente do prédio e eu me despeço dele com um beijo no rosto.

—Obrigada por tudo. – Juliana diz.

Entramos em casa e nosso pai já está dormindo. Sigo Juliana para seu quarto e fecho a porta atrás de mim.

—O que foi? – Ela questiona.

—Estou esperando você me contar sobre o Lucas. Eu vi vocês dois aos beijos na praia.

Juliana senta na cama e me encara como estivesse tentando achar a melhor forma de começar. Impaciente, decido dar a ela um modo de fazer isso.

—Desde quando?

—Desde o dia do desfile. Ele me trouxe para casa e a gente acabou ficando junto. Eu sei que eu não deveria ter feito isso, que ele e a Martinha vão ter um filho, eu até já tinha dito a mim mesma que respeitaria isso, mas quando eu estou perto do Lucas é como eu não tivesse controle. A gente subiu, transou e... –Eu devo ter feito uma expressão de surpresa ou coisa do tipo, minha irmã me olha. – Ah, Manuela, não me julgue.

—Não estou te julgando. – Minto. Estou um pouco.

—Enfim... depois do sexo eu disse para o Lucas que aquilo não poderia acontecer novamente, mas ele me prometeu que resolveria tudo com a Martinha. Ele me prometeu que tudo ficaria bem.

Não sei o que dizer. Parte de mim acredita em Lucas, o modo como ele fala de Juliana, a preocupação que vi em seus olhos, tudo isso depõe a seu favor. Mas eu não posso deixar de considerar as dúvidas de Fábio: E se ele estivesse mentindo? E se ele estivesse enrolando a Ju?


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