Yakusoku 約束 escrita por Lara


Capítulo 1
Yakusoku - Oneshot


Notas iniciais do capítulo

Olá de novo! Tanto "A viagem de Chihiro" quanto "O castelo animado" não são de minha autoria. Esta oneshot esta relacionada a outra oneshot que fiz chamada Kazoku (家族). Apesar disso, vocês não precisam da outra história para compreender essa. A leitura das histórias fica ao critério dos leitores. Esta história se passa no mundo de Chihiro. Não houve necessidade de mencionar o mundo de Howl. Espero que gostem! Qualquer dúvida com relação a história é só perguntar! Reviews também são muito bem vindas! Milhões de abraços, e boa leitura!



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               Tinha tanta coisa que gostaria de dizer a ela, mas o tempo estava se acabando. Desde o começo ficou admirado com a sua força de vontade e coragem. Como uma criança como ela conseguia fazer tudo aquilo e ainda manter um sorriso sincero, como se todos os problemas não passassem de situações momentâneas? Ele nunca teve uma família e talvez seja por isso que ficava tão deslumbrado ao vê-la lutar com todas as suas forças para salvar os seus pais. Em certos momentos chegava até a sentir um pouco de inveja. Pela primeira vez em toda a sua existência, Haku fez um desejo egoísta. Desejou que pudesse ficar ao lado daquela garota, mesmo sabendo que isso seria impossível.

               - Haku, a gente vai se ver de novo? – os olhos de Chihiro o encaravam intensamente, assim como os dele, os quais pareciam querer decorar cada detalhe daquele rosto. Inconscientemente ele apertou com um pouco mais de força a mão dela contra a dele, porém ela não percebeu.

               - É claro. – respondeu com um sorriso.

               - Você promete? – tudo o que ele queria fazer naquele instante era abraça-la e pedir para que não fosse embora. No entanto, quem ele era para tira-la do mundo em que pertencia? Nada havia mudado desde o momento em que a encontrou na ponte. A garota tinha que voltar para casa.

               - Prometo. – estendeu para frente a mão que segurava a dela. - Agora vá e não olhe para trás. – os dedos dela deslizaram suavemente pela palma da mão dele até que suas peles pararam de se tocar. A cada degrau da escada a distância entre eles aumentava, contudo antes mesmo dela desaparecer do seu campo de visão Haku se virou na direção oposta e começou a andar. O sorriso que usava até agora pouco desapareceu por completo e os seus olhos perderam o brilho se tornando frios. Sabia que nunca conseguiria se esquecer dela e muito menos apagar os sentimentos que nutria por aquela corajosa garota, não importava quanto tempo passasse. No entanto, ele sabia melhor do que ninguém que no segundo em que ela colocasse os pés para fora do túnel que ligava os seus mundos... Todas as coisas pelas quais passaram juntos... Tudo o que aconteceu desde que se encontraram seria apagado da sua memória. – Hã? – parou de andar ao notar algo estranho. Deslizando pela lateral do seu rosto, lágrimas caiam dos seus olhos verdes. – Por quê? – passou com força a mão pelo rosto tentando limpar as lágrimas que insistiam em continuar a cair. – Por que estou chorando? Isso não vai mudar nada. – fez uma pausa. – Absolutamente nada. – um vento forte começou a circular ao redor dele chegando até a arrancar um pouco da grama e então depois de voltar a sua forma de dragão voou para o céu azul sem ter um destino em mente.

Alguns anos depois

               O dia ia amanhecendo com o sol subindo lentamente enquanto caminhava em passos calmos pela ponte vermelha. Um vento leve passou por si mexendo nas suas roupas e nos seus cabelos. Sentia que aquela brisa queria lhe dizer algo e por isso a acompanhou olhando para a direção em que ela estava se dirigindo. O céu estava azul como todos os dias anteriores, porém este céu o fez pensar nela. Ninguém ali conseguiu se esquecer daquela garotinha humana e mesmo que ele nunca a mencionasse desde o dia em que tinha partido, Haku pensava nela mais do que qualquer um. Tentando não se perder nos seus pensamentos, o rapaz continuou a caminhar na direção da construção rustica.

               - Mestre Haku. – um dos funcionários da casa de banho o chamou enquanto este estava conferindo uns itens da sua lista. – Yubaba quer falar com o senhor. – apesar de ter ouvido, o rapaz continuou a trabalhar. – Por favor, não me ignore de novo. Dessa vez ela realmente vai cortar a minha cabeça...

               - Então, faça o favor de lembra-la que não trabalho mais para ela. – respondeu friamente sem se quer o encarar.

               - Mas ela disse que é importante... - fez uma pausa ao se lembrar de mais uma coisa. - Também mencionou que o assunto tem haver com uma pessoa chamada Chihiro. – foi somente quando escutou aquele nome que Haku finalmente voltou a sua atenção para o funcionário.

               - Já faz um bom tempo desde a última vez em que conversamos assim, certo, garoto? – sua voz continuava cheia de arrogância como se nada no mundo poderia ser superior a sua pessoa. – De certa forma, sinto um pouco de saudade daqueles tempos.

               - Não tenho tempo para as suas brincadeiras, bruxa. – disse rispidamente com um olhar frio. – Sobre o que queria conversar comigo? – ela lhe passou um envelope, o qual Haku pegou entre os dois dedos. – O que é isso?

               - Um cliente especial me pediu para lhe entregar isso. – por alguma razão ela parecia se sentir desconfortável. – Nunca pensei que um dia nossas funções iriam se inverter. – começou a rir enquanto Haku a ignorava e abria o envelope. – Parece que você vai finalmente realizar o seu sonho.

               - E desde quando você sabe qual é o meu sonho?

               - Não é difícil de imaginar. – ela entrelaçou os dedos. – A partir do momento em que conseguiu a sua liberdade de volta, você poderia ter ido para qualquer lugar que desejasse, contudo... Sua escolha foi permanecer aqui. – a velha sorriu maliciosamente. – Só consigo imaginar uma razão para isso.

               - Quem lhe entregou isso? – perguntou depois de ler o conteúdo da carta.

               - O Espírito do Rio. – fez uma pausa. – E então? O que fará?

               - Não imagino como isso poderia ser da sua conta. – com muita raiva a senhora bateu com força na mesa fazendo os objetos tremerem.

               - Mostre um pouco de respeito, pirralho! Com quem você pensa que esta conversando?! Eu poderia te transformar em qualquer tipo de inseto e te esmagar logo em seguida! E onde esta a gratidão por tudo o que lhe ensinei?! – apesar de toda a atitude ameaçadora da velha, o rapaz se limitou em apenas encará-la com desprezo e frieza.

               - “Gratidão”? Essa é nova. Desde quando a senhora sabe fazer piadas? – Yubaba estava prestes a ataca-lo quando uma criança grande e fofa entrou na sala.

               - Você realmente não muda nunca, mamãe. – disse Boh de forma recriminadora. – Pelo visto foi um erro pedir para que perguntasse mais sobre Chihiro. – a senhora tentou explicar as suas ações, mas o seu filho não quis nem ouvir. – Peço desculpas por isso, Haku.

               - Não se preocupe. – sua voz ficou mais amável, apesar de ainda não demostrar muita emoção. – Desconfiei do interesse dela, mas vejo que ela só estava sendo uma intermediaria entre você e eu. – fez uma pausa. – O que exatamente você quer saber, Boh?

               - Ela... Chihiro não vai mais voltar para cá?

               - Não. Afinal, aqui não é lugar para humanos. – guardou a carta dentro das suas vestes. – E isso nunca vai mudar. – abaixou levemente a cabeça. – Obrigada pelo cartão. – deu meia volta e foi embora.

               Sobre o céu estrelado, Haku caminhou pela rua das lojas com uma postura exemplar. Claro que poderia ter voado até o lugar onde pretendia ir, porém sentir os seus pés no chão o traziam uma boa sensação. Desde o dia em que ela havia partido, raramente usava sua forma original. Bem no topo das escadas, ao lado da estátua de sapo, o rapaz olhou para a água negra. Ele pegou o envelope de dentro das vestes e o colocou na boca do sapo de pedra. Sentou-se ali, colocando o peso do seu corpo sobre as suas duas pernas.

               - “Vá onde tudo terminou”. O local onde a vi pela última vez e o limite entre o meu mundo e o dela. – respirou fundo. – Já ouvi falar sobre vocês, no entanto nunca imaginei que veriam atrás de mim. Por quê? – o sapo de pedra engoliu o envelope e logo em seguida ganhou vida começando a se mexer.

               - Você nunca vai parar de buscar uma forma de encontra-la, vai?— sua voz era uma mistura de vários tipos de vozes. Como se muitas pessoas tivessem falando ao mesmo tempo.

               - Não. – fez uma pausa. – Vocês a trouxeram aqui por alguma razão e eu me recuso acreditar que foi apenas para que se esquecesse de tudo.

               - A ligação entre você e ela é muito mais forte do que apenas memórias.

               - Se isso for mesmo verdade, deixem-me ir até ela. Por favor.

               - Toda a magia tem um preço. Você deveria saber isso melhor do que ninguém.

               - Qual é o preço?

               - Para viver no mesmo mundo dela, você deverá abandonar todos os seus poderes.

               - O que acontecerá se usá-los?

               - Você voltará aqui e nunca mais poderá colocar os seus pés no mundo dos humanos.

               - Entendo. – levantou-se ficando de frente para o sapo e se curvou respeitosamente. – Muito obrigado, espíritos de pedra. Aceitarei todas essas condições e pagarei pelo preço de bom grado.

               - Quando estiver pronto, durante a manhã quando o sol bate em todas essas terras você pode descer essas escadas e seguir até a saída pelo túnel. Não olhe para trás.— assim que terminou de falar o sapo voltou a sua posição original e se tornou novamente uma estátua.

               Pela primeira em um longo tempo, Kamaji se deparou com um Haku com vestes casuais. Isso o fez se lembrar de quando se conheceram, em uma época em que o garoto estava convicto em aprender magia mesmo que isso significasse se tornar um aprendiz de uma bruxa. Sua expressão de agora era a mesma da que tinha naquela época.

               - Nunca lhe agradeci devidamente pelas coisas que fez por mim e por Chihiro. – o rapaz se curvou para o senhor de bigode. – Muito obrigado. Eu devia ter escutado os seus avisos antes de assinar aquele contrato com Yubaba. – sorriu surpreendendo o senhor. – Desculpe por ter sido tão teimoso, mas acho que ninguém teria conseguido me fazer mudar de ideia.

               - Entendo. Fico muito grato por aquela garotinha ter conseguido te salvar antes que fosse tarde demais. – ele sorria apesar do bigode esconder isso. – Se eu tivesse tido netos gostaria que eles fossem como você e ela. – os dois se abraçaram de leve e logo se separaram. – Boa sorte.

               - Hora da comida! – Lin entrou pela pequena porta e fez careta ao ver o rapaz. – Você de novo por aqui? – entregou para Kamaji o dele. – E que roupas são essas? Nunca te vi usando nada que não fosse o uniforme de trabalho. – resmungou encarando o garoto com um olhar repreendedor. – Saia daí, esta atrapalhando. – não houve qualquer tipo de resposta e por isso ela começou a jogar as estrelinhas de açúcar sem se importar se caíssem em cima de Haku. – Realmente não dá para acreditar que já teve um dia em que senti medo de um moleque como você. – ela se sentou cruzando as pernas. – Sen ficaria tão triste se pudesse vê-lo assim.

               - Chihiro. – ele a corrigiu. – Se vai falar sobre ela, pelo menos fale o nome dela direito.

               - Arg! Ai esta ele. – fez uma pausa. – Fala sério, ainda não acredito naquela história que o vovô contou sobre vocês dois. Chihiro era bobinha, mas não o suficiente para se apaixonar por um insensível como você.

               - Acredite no que quiser. – ele brincava com as bolinhas pretas que também comiam as estrelinhas coloridas. – Não me importo. – a jovem mulher soltou um longo suspiro. – Sendo sincero, eu também nunca gostei de você, porém depois que ajudou Chihiro isso mudou. – seus olhos se encontraram e ela ficou um pouco corada. – Senti uma gratidão imensa por você ter cuidado e protegido ela, principalmente nas horas em que eu não pude fazer nada. – levantou-se. – Muito obrigado, de verdade. – deu as costas e se afastou.

               - O... o que... o que diabos esta acontecendo? – Lin se surpreendeu tanto com as palavras de Haku que começou a achar que algo estranho estava acontecendo. – Por que ele esta agindo assim? – o rapaz abriu a porta.

               - Ele esta indo embora. – respondeu Kamaji enquanto comia. Haku olhou na direção deles e sorriu para em seguida fechar a porta atrás de si. – Para o mundo dos humanos.

               O sinal indicando o fim das aulas do dia tocou e os alunos saiam pelo portão conversando com os amigos, correndo para o cursinho ou apenas voltando para casa. Uma adolescente com o cabelo amarado em um rabo de cavalo descia a rua com duas amigas. Quando chegaram a uma bifurcação se despediram indo por lados diferentes. Sozinha, caminhava pelas ruas até que parou de frente para uma loja. Algo na vitrine chamou a sua atenção. Ao entrar na loja escutou o som do sino da porta tocar.

               - Seja bem vinda. – disse o dono da loja atrás do caixa. Podia se perceber que era um senhor de idade graças a cor branca dos seus cabelos e da barba e aos óculos de grau, no entanto sua expressão era jovial.

               - Com licença... Gostaria de comprar aquele bichinho de pelúcia na vitrine. – ela apontou o dedo indicando sobre o que estava falando.

               - Certamente. – o senhor se abaixou como se estivesse procurando por algo e assim que encontrou, colocou o bicho de pelúcia sobre o balcão. – Devo embrulhar como presente? – a garota pegou a carteira de dentro da mochila.

               - Não, muito obrigada. – ela colocou as cédulas e algumas moedas sobre o balcão.

               - Muito bem... E aqui esta o seu trocado. – o senhor estava prestes a colocar o bicho de pelúcia dentro da sacola. – Ah! Quase esqueci! – pegou uma fita vermelha bonita e colocou em volta do pescoço do bicho e por fim fez um laço. – Perfeito! – colocou dentro da sacola e o estendeu para a jovem. – Este laço vai lhe trazer muita sorte.

               - Verdade? Muito obrigada, senhor. Até! – e foi embora.

               Sua intensão era ir direto para casa, contudo depois de comprar naquela loja sentiu uma necessidade de caminhar mais até se deparar com um parquinho e foi se sentar no balanço. Colocou o bicho de pelúcia sobre o colo e o encarou com bastante atenção. Não sabia por que o tinha comprado, apenas sentiu algo nostálgico quando o viu pela primeira vez. Tentava se lembrar o que era, mas infelizmente não conseguiu. Fazia já um bom tempo que sentia que algo faltava dentro da sua vida.

               - O que me diz, senhor dragão? Vai me ajudar a entender essa sensação desagradável que tenho desde que me mudei para cá com os meus pais? – o bicho de pelúcia era um dragão branco de pelos verdes e nariz rosado. – Não importa quanto tempo passe... Essa sensação não vai embora. – ela encostou a sua testa na dele. – Algo esta faltando. Algo importante. Por que não consigo me lembrar? – se afastou e começou a brincar com a fita vermelha. – Sorte? Não vejo como isso poderia me ajudar... – ao sentir a fita deslizar pelos seus dedos, ficou surpresa ao perceber que o laço tinha sido desfeito. Ela começou a voar para longe de si. – Espere! – a jovem colocou o dragão dentro da sua mochila e ia começar a correr atrás da fita até que viu alguém já a pegar. – Ah, desculpe e muito obrigada. – o rapaz segurando a fita vermelha a encarou surpreso como se acabasse de reconhecê-la, porém logo mudou a expressão e sorriu para ela.

               - Sem problemas. Aqui. – entendeu a fita para ela a qual a pegou fazendo as suas peles se tocarem por um instante. Um vento forte passou por eles fazendo com que a fita novamente deslizasse pela mão dela e acabasse indo na direção do rapaz de olhos verdes.

               - Nossa! Esse vento veio do nada. – ela tentava arrumar os cabelos. – Desculpe de novo. – ele riu e isso fez o coração dela bater mais rápido.

               - Tudo bem. – ele se aproximou mais e ao em vez de entregar a fita como fez antes, começou a prendê-la delicadamente no pulso dela e no fim fez um laço. – Pronto. Assim ele não vai mais fugir.

               - Obrigada, Haku. – as palavras saíram tão naturalmente da sua boca que ela só percebeu o que havia falado quando se deparou com a expressão de surpresa dele. – Ah! Desculpe! Não sei por que eu disse isso. – seu rosto ficou corado de vergonha. – Meio que saiu automaticamente... – ela parou de falar e começou a piscar várias vezes parecendo estar acordando lentamente. – Haku? – aos poucos os olhos dela iam ganhando um brilho único. – É mesmo você, Haku? – o rapaz sorriu. – Haku! – com lágrimas deslizando pelo rosto ela o abraçou com força desejando nunca mais o soltar.

               - Chihiro. – fazia tanto tempo desde a última vez em que a havia chamado pelo nome que ao dizê-lo agora se sentiu tão feliz e completo.

               - Por quê? Por que eu me esqueci de tudo? E principalmente de você? – ela chorava e o abraçava tão desesperada sem compreender o que tinha ocorrido. – Durante todo esse tempo senti que algo faltava, mas não conseguia me lembrar de jeito nenhum. – apoiou a lateral da cabeça sobre o ombro dele. – Senti tanto a sua falta... mesmo que não tivesse ciência disso.

               - Eu também. – eles se afastaram um pouco, o suficiente para que as suas testas se encostassem. – Não se preocupe mais com isso. Eu estou aqui. – sorriu para ela. – Foi a nossa promessa, certo? – ela riu mesmo ainda chorando. – Eu te amo. – as bochechas dela ficaram coradas.

               - Eu também te amo. – lentamente se aproximou mais do rosto dele até que os seus lábios se encontrassem. O beijo entre os dois estava repleto de sentimentos que ambos mantiveram dentro de si durante todos esses anos. Pela primeira vez, desde aquele dia em que suas mãos haviam se afastado uma da outra, eles sentiram como se tivessem voltado para casa.

               - Espíritos de pedra? – Haku contava como havia conseguido chegar até o mundo dela enquanto ambos estavam sentados nos balanços, segurando a mão um do outro.

               - Sim, eles são os guardiões que protegem a estrada e saída dos nossos mundos. – fez uma pausa. – Antes de entrar no túnel você deve ter visto uma espécie de estátua de pedra.

               - Oh! Verdade. Era uma pedra com dois rostos, um na frente e outro atrás. Isso explica porque me sentia desconfortável perto dela. – a jovem garota o encarou seriamente. – Qual foi o preço? – os olhos verdes se arregalaram um pouco em surpresa. – Não me olhe assim. Eu sei que aquele mundo tem as suas próprias regras. Você me ensinou isso.

               - Meus poderes. Eles me pediram para desistir deles. – ela já imaginava que o preço não seria algo barato, no entanto aquela opção era a última que imaginou ser possível. – Você não precisa fazer essa expressão, Chihiro.

               - Mas... Eles são importantes para você, não são? – o rapaz estranhou um pouco a convicção nas palavras dela, porém logo entendeu o motivo por trás disso.

               - Kamaji lhe contou como acabei me tornando aprendiz da Yubaba. – ela balançou a cabeça afirmativamente. – Não vou negar que naquela época eu só me dedicava a querer expandir os meus poderes e achava que eles eram a única coisa que me restava. – ele apertou um pouco a mão dela contra a sua. – Quando você não tem um lugar para retornar, as coisas ao seu redor parecem tão estranhamente ameaçadoras. Achei que isso talvez fosse mudar se me tornasse alguém poderoso, porém você já sabe o que realmente aconteceu. – fez uma pausa. – Eu me tornei algo assustador. – deu um riso irônico. – Todo aquele poder e de nada adiantava. Eram poucos os dias em que me sentia como eu mesmo, até o dia em que você apareceu. – ele segurou a mão dela com suas duas. – Chihiro, não existe nada, nem mesmo os meus poderes, que seja mais importante para mim do que você. Eu daria qualquer coisa se isso significasse poder ficar novamente ao seu lado. – ele sorriu quando apertou de leve a bochecha rosada dela. – Por isso não posso permitir que faça uma expressão triste como essa.

               - É fácil de você falar. – ela resmungou fazendo bico. – E se tivéssemos com os papeis revertidos?

               - Nada mudaria e você sabe disso. – levantou-se e parou na frente dela ainda segurando a sua mão. – Vamos. Já esta ficando tarde. Eu te levo até a sua casa. – ela sorriu e se levantou notando que ele já havia pegado a sua mochila.

               - Por que tenho a impressão de que você não terminou de me contar tudo?

               - Não tem necessidade de nos apressarmos. Temos muito tempo.

               - Promete?

               - Prometo.

               Lentamente o tempo foi passando, trazendo mais momentos entre os dois tão animados em repor os anos que passaram separados um do outro. A jovem garota havia considerado várias vezes contar toda a história para os seus pais, porém sempre acabava decidindo que era melhor deixar as coisas como estavam. Logo depois que se formaram na escola, eles se casaram de uma maneira bem simples. Não demorou muito para que Howl nascesse. Chihiro sempre dizia quando o segurava entre os seus braços que ele era o bebê mais bonito que existia no mundo inteiro. Seus grandes olhos azuis e seus cabelinhos pretos, apesar de lindos não conseguiam ser mais perfeito do que o seu sorriso. Por mais que os seus avós o adorassem, ele só conseguia ficar calmo quando estava com a mãe ou com o pai.

               - Tem certeza de que não quer a minha ajuda? Posso deixar Howl na casa dos meus pais. – disse a jovem mulher tentando convencer o marido a mudar de ideia. – É a primeira vez que vejo esse lugar tão cheio. – ela conversava com ele do outro lado da bancada dentro da loja de café deles, agora cheia de clientes.

               - Você sabe que Howl não vai dar sossego para os seus pais, principalmente se nenhum de nós dois estiver por perto. – falou o rapaz enquanto andava de um lado para o outro trabalhando. – Além do mais, vocês merecem ficar um tempo juntos. – deu um leve beijo na testa dela. – Agora vá. Eu cuido das coisas por aqui.

               - Esta bem! – segurando Howl em um de seus braços e empurrando o carrinho de bebê com o outro, Chihiro começou a se dirigir até a porta. – Nós voltamos daqui a pouco. Não exagere no trabalho. – e saiu.

               Havia um outro motivo para que Haku insistisse que a esposa não permanecesse por lá. Já fazia um tempo em que tinha notado a presença de um menino suspeito sentado em uma mesa bem no canto. Tinha cabelos e olhos castanhos e cobria suas vestes com um casaco marrom. Mesmo sem usar nenhum dos seus poderes conseguia sentir algo vindo do garoto. Algum tipo de magia e definitivamente não era boa.

               Passeando pela calçada, Chihiro cantarolava animadamente para Howl que parecia se divertir muito. Pensava se deveria ter insistido mais com o marido, mas logo aceitava que ele estava certo e voltava a sua atenção para o bebê. Bem de longe entre as sombras, alguém a seguia.

               O garoto misterioso ficou sentado ali por mais uns vinte minutos até que se levantou deixando o dinheiro na mesa. Foi só quando ele começou a andar que Haku notou a espada presa na sua cintura. Saiu da loja sem demostrar qualquer ação estranha. O jovem homem começou a pensar que talvez tivesse imaginado toda aquela energia negativa vinda do menino quando no momento em que foi jogar o lixo fora acabou encontrando alguém que nunca mais esperava ver novamente.

               - Por que esta aqui, Tehanu? – perguntou friamente para a pessoa a sua frente.

               - Estou procurando por alguém. – a garota de vestes rosa se aproximou. – Podemos conversar, Kohaku? – apesar de sentir um mau pressentimento, o jovem a levou para dentro da loja e em uma mesa dos fundos se sentaram. – A pessoa que estou procurando é muito importante para mim. Um garoto. Um pouco mais alto do que eu. Com uma espada.

               - E o que a faz acreditar que eu vi esse menino? – ela ficou em silêncio com os olhos para baixo e o rapaz suspirou. – Se você prefere não contar a verdade, então receio que a nossa conversa acaba aqui... – começou a se levantar até que ela voltou a falar.

               - Você vai ficar zangado se eu contar. – tornou a se sentar e encarou a garota que tinha a face esquerda marcada por uma antiga queimadura.

               - Mesmo que eu fique zangado, não há nada que eu possa fazer. – fez uma pausa. - Não posso mais usar os meus poderes. Não há motivo para você ficar com medo.

               - Não é por mim que tenho medo. É por ele.

               - Ele fez algo errado?

               - Não. Ainda não.

               - Então faça com que permaneça assim e não terei motivo algum de ficar bravo com ninguém. – levantou-se. – Ele esteve aqui, há cerca de dez minutos atrás. – ela se levantou rápido.

               - Ele estava sozinho?

               - Sim, estava.

               - Muito obrigada. – e correu em direção à porta, saindo com muita pressa. Haku estava voltando ao trabalho quando escutou o barulho de gotas batendo nas janelas. De uma hora para a outra, começou a chover forte lá fora. Ao colocar os pés para fora da loja sentiu um vento forte passar por si.

               - Sabia... – começou a tirar o avental que usava. – Sabe onde ela esta? – o vento novamente passou por si, dessa fez com mais intensidade. – Obrigado. – voltou apresado para dentro da loja. – Shun, Shiro e Umi, vou deixar a loja em seus cuidados.

               - O QUÊ?! – exclamaram os três adolescentes que atendiam aos clientes. – Espere de um instante...! – eles tentaram argumentar, porém o homem já tinha saído. – Haku-san!

               Devido à inesperada chuva, a jovem mulher e o bebê se abrigaram dentro da loja de conveniência e lá esperavam até que o tempo ficasse melhor. Além deles e do atendente no caixa não havia mais ninguém ali, contudo Chihiro sabia que havia alguém ou algo os vigiando. Aquela sensação desagradável de estar sendo observada era a mesma que tinha nos dias em que tinha passado no outro mundo. Como num piscar de olhos, no outro lado da rua surgiu uma pessoa alta de vestes roxas segurando um cajado. Possuía longos cabelos pretos e uma pele muito pálida. Curiosamente nenhuma das gotas da chuva parecia cair sobre ele.

               - O que você acha, Howl? – ela se abaixou até ficar na altura do carrinho. – A gente tenta fugir pelos fundos ou encaramos de frente o problema? – o bebê riu para a mãe enquanto brincava com um dragão de pelúcia. – Seu pai vai ficar tão furioso comigo quando descobrir. – ela resolver comprar um grande guarda-chuva e alguns itens que poderiam ser uteis futuramente. Após pagar tudo no caixa, saiu pela porta da frente empurrando o carrinho e com o guarda-chuva aberto.

               - Ora, ora, ora. Isso foi inesperado. Não imaginei que uma pessoa sem poderes como você fosse vir até mim. – sua voz era calma e fina demais para ser de um homem. – Parece que os boatos são verdadeiros. – sorriu sem mostrar os dentes. – Domadora de dragão.

               - Não sei se devo receber isso como um elogio ou como uma ofensa. – ela deu de ombros de forma descontraída. – O que posso fazer por você, feiticeiro?

               - Realmente é uma garota interessante. – trocou a mão que segurava o cajado e estendeu a outra na direção dela. - Entregue-me o seu bebê e eu partirei em paz. Ninguém precisa se ferir nesta brincadeira.

               - Por que o interesse nele?

               - Não acredito que uma humana como você entenderia. – o desprezo, apesar de não ser tão nítido no tom da sua voz, era visível na sua expressão facial. – Quantas crianças você acha que nasceram dentro dos dois mundos? Somente a sua. Ela é, na falta de outra palavra, única.

               - Ele não possui poderes, então duvido que seja de alguma utilidade para você.

               - Com ou sem poderes a importância dele não muda. – ele começou a se aproximar calmamente. – Não se preocupe, encontrarei um papel adequado para ele.

               - Venha pegá-lo então. – ela empurrou a carrinho na direção dele, o qual ficou confuso até que ao tirar o cobertor e perceber que ali não havia nenhum bebê, apenas algumas Coca-Cola que explodiram bem no seu rosto. Quando o feiticeiro olhou para frente apenas havia um guarda-chuva abandonado no chão.

               - As mulheres testam demais com a minha paciência. – disse enquanto limpava o líquido do rosto. - Lebannen. – o mesmo garoto que estava sentado na loja de café apareceu e ficou ao lado do alto homem. – Encontre-a e traga-a a mim. – sem mudar a sua expressão triste e desolada, o garoto correu para frente.

               - Droga. – sussurrou a garota de vestes rosa que via tudo do telhado de um prédio, escondia atrás do muro. – Tenho que me apressar... – estava saindo dali apresada quando uma mão segurou o seu pescoço e a empurrou para a parede.

               - Comece a falar, antes que eu arranque a sua cabeça. – Haku não parecia se importar pelo fato da garota ser menor e mais jovem que ele. Seus olhos a encaravam com frieza e desprezo. – Por que aquele feiticeiro e o seu amigo estão atrás da minha família?

               - Esta vendo? É por isso que não queria te contar mais que o necessário. – os dedos ao redor do pescoço dela se estreitaram ainda mais. – Não sei o que foi que o vento te disse, mas essa briga é mais séria do que parece. Um dragão sem poderes não servirá de nada. Aquele homem não vai parar até que tenha conseguido o que deseja.

               - Que seria?

               - Seu filho. – os olhos verdes ficaram surpresos com a nova informação. – O que diabos você estava pensando ao ter uma criança com uma humana? – ele a pressionou contra a parede com mais força.

               - Eu não quero escutar esse tipo de coisa vindo de você. – e em seguida a soltou. – E o seu amigo? Quais são as intenções dele?

               - Nenhuma. – ela passava a mão pelo pescoço. – Ele esta sendo controlado por aquele feiticeiro. No instante em que ele conseguir se livrar do feitiço poderei facilmente matar aquele homem asqueroso e todos os nossos problemas serão resolvidos.

               - Ele não vai conseguir.

               - Ele vai! – o rapaz se virou para a garota e a encarou com descrença.

               - Desde quando é tão cega, Tehanu? O garoto claramente não tem mais forças para lutar e muito menos vontade. – fez uma pausa. – Seja lá o que aconteceu entre vocês dois, agora não é a hora de você fingir que não enxerga a verdade. Eu não vou colocar a vida do seu amigo acima da minha família. – mesmo entendo os sentimentos que a garota possuía pelo menino, ele sabia que não deveria fraquejar. – É tarde demais para ele.

               - O mesmo foi dito sobre você quando era aprendiz daquela bruxa. – falou com raiva. – O que faz você ser tão diferente dele? – ele desviou os seus olhos dos dela.

               - Eu dei sorte. – inconscientemente ele tocou no seu anel de casamento. – Isso não acontece com frequência.

               - Tudo o que peço é que me dê mais tempo. – voltaram a se encararem. - Por favor.

               - Vamos. – ele começou a se afastar.

               - Kohaku!

               - Eu te escutei! Vamos logo antes que fiquemos para trás.

               A chuva persistia em cair pelas estreitas ruas em que o garoto corria procurando pela mulher. Tudo o que ele queria era que as coisas acabassem logo. Estava cansado, cansado demais para continuar a andar por aquele caminho sombrio. Talvez devesse acabar com a sua vida antes que o Lorde Cob o obrigasse a fazer algo pior. Era exatamente nessas horas em que ele acabava pensando na única pessoa que ainda não havia desistido dele. Perdido nos seus pensamentos, Lebannen acabou sendo surpreendido por Chihiro a qual o puxou para um beco, pressionando-o contra a parede com uma faca ameaçadoramente perto do seu pescoço.

               - Por que você esta ajudando aquele maluco?

               - Eu apenas sigo as ordens dele. – a feição do garoto era a mais infeliz e cheia de culpa que a jovem mulher já tinha visto em toda a sua vida. No entanto, por algum motivo lhe era um pouco familiar. – Ele me controla como bem entender e não a nada que eu possa fazer para impedir isso.

               - Como posso derrota-lo?

               - Ele é muito forte, forte demais para você. Não há nada que ele não vá fazer para conseguir o seu bebê, mesmo que isso signifique te matar. – o garoto pegou a mão dela que portava a faca e a fez ficar ainda não próxima do seu pescoço. – Se me matar agora acho que isso deve lhe fazer ganhar mais alguns minutos. Talvez o suficiente para que você chegue até o seu marido. – ela riu afastando a faca dele e a guardando no bolso da calça.

               - Achou mesmo que eu ia te matar, garoto? Que tipo de mãe eu seria se fizesse isso? – afastou-se dele indo até a sua bolsa onde estava Howl ainda brincando com o dragão de pelúcia, protegido da chuva por pequeno guarda-chuva. – E não vou trazer Haku para essa confusão.

               - O quê?! Por que não? – ela trouxe o filho para os seus braços. - Ele é a sua única chance de sair daqui viva.

               - Não posso deixa-lo usar os seus poderes... – sussurrou mais para si mesma do que para o menino que praticamente não escutou nada. – Tenho uma ideia. Por que você não me ajuda a derrota-lo? – o garoto se espantou com as palavras dela.

               - Senhora, por caso não entendeu nada do que eu disse? Ele me controla completamente. – olhou para as próprias mãos com nojo. – As coisas que já fiz... Tão imperdoáveis. Eu não presto. A única coisa que me impede de leva-la até ele é o fato de estar lutando a cada segundo contra isso, porém não vai durar para sempre. – a jovem mulher colocou a mão sobre o rosto dele, surpreendendo-o.

               - E se eu lhe dissesse que conheci alguém muito parecido com você? – ela o encarava com determinação enquanto o seu filho tentava pegar os seus cabelos castanhos. – Seja lá qual for o feitiço ou a maldição que ele colocou dentro de você, sempre existe um jeito de vencê-la. Nunca desista de si mesmo. – ela sorriu. – Não vou pedir para que faça isso por mim, mas faça pelas pessoas que se importam com você. Lute pelas pessoas que você ama. Nenhuma magia vai conseguir destruir isso, eu te garanto. – afastou-se um pouco dele.

               - Duvido seriamente que ela vá me perdoar por todas as coisas que fiz...

               - Por que não pergunta para ela? As pessoas ainda podem te surpreender, sabe? – o garoto ia dizer algo até que viu uma gosma preta atrás da mulher.

               - Cuidado! – ele a puxou para perto de si e a protegeu com o seu corpo quando a explosão aconteceu. – Vá... Corra o mais longe que conseguir daqui... – devido a explosão ele estava com vários machucados.

               - E você? – a lateral o rosto dela estava sangrando.

               - Não se preocupe... Vá!

               - Obrigada. – e ela correu junto com o bebê que chorava assustado com o barulho.

               - Ainda tentando bancar o herói, menino? – o feiticeiro caminhou lentamente até onde o garoto estava. – Um pouco tarde demais para isso, não acha? – o homem mostrou a mão onde apareceu uma forma azul a qual lentamente foi esmagando com os dedos. Lebannen  começou a se contorcer de dor colocando a mão sobre o peito que também emitia uma luz azul. – Você é um tolo. Quantas vezes vai me fazer repetir a mesma coisa? – aproximou-se da orelha no menino. – Ninguém vai lhe salvar. Aquela mulher não é uma exceção. Você vai aceitar isso quando eu esmagar o coração dela. – a luz azul desapareceu e o feiticeiro mudou de forma e desapareceu. Apesar de toda dor que sentia, o garoto se esforçou para se levantar usando a sua espada como apoio e assim que conseguiu caminhou para frente.

               Chihiro escolheu se esconder entre as árvores, o problema é que logo se deparou com um penhasco alto que dava direto para uma estranha onde os carros passavam apresados. Estava dando a meia volta quando o viu diante de si. Ela pegou a faca e a apontou para ele.

               - Já passou da hora de você desistir, mulher. – ele estava prestes a fazer a mesma coisa que fez com o garoto, porém por alguma razão a magia não estava funcionando. – Oh, entendo. Um feitiço de proteção. – a principio Chihiro não entendeu o que ele quis dizer até que se lembrou que estava usando o cordão que Zeniba havia lhe dado. – É uma mulher intrigante. Pena que terá que morrer. – surpreendendo-o, o garoto perfurou o homem no peito com a sua espada.  - Como... como você ousa...? – a aparência jovial do feiticeiro foi desaparecendo e este voltou a sua aparência original de um velho senhor. – Se é assim... Então ninguém o terá... – ele esticou a mão na direção de Chihiro e fez com que o solo onde ela pisava se rachasse, fazendo-a cair do penhasco.

               - NÃO! – gritou Lebannen desesperado.

               - Ha ha ha...! – o feiticeiro não conseguiu continuar a rir porque algo cortou o seu pescoço, fazendo a sua cabeça cair e logo em seguida seu corpo começou a pegar fogo. – Não! Não quero morrer... – logo depois de cortar o pescoço do feiticeiro, Haku continuou a correr e pulou na direção em que Chihiro havia caído.

               - Therru?! – um grande dragão prateado de olhos vermelhos olhou para o menino.

               Enquanto caia, Chihiro protegia o filho com os dois braços, mas logo percebeu que sua velocidade de queda diminua graças ao vento que girava em torno dos dois. Ela sentou na estrada sem qualquer problema, porém um caminhão em alta velocidade se dirigia na sua direção. Antes que o caminhão a atingisse ela viu as costas do marido.

               - Haku?

               Quando as coisas voltaram a ficar silenciosas, Chihiro voltou a abrir os olhos e a primeira coisa que fez foi verificar se Howl estava bem. O bebê ria puxando o seu cabeço que agora estava completamente solto. Ela suspirou aliviada. Foi então que percebeu que algo os protegia por todos os lados. A escama branca e os pelos verdes lhe causavam uma nostalgia tão grande que parecia até mesmo ontem que os tinha visto pela primeira vez. Ela procurou pela face do dragão e notou que ele a olhava com olhos ternos.

               - Haku! – ele abaixou a cabeça até chegar ao nível dela e lambeu o machucado do rosto dela. – Eu estou bem, não se preocupe. Nós estamos bem. – ela sorriu. – Obrigada. Você nos salvou. – foi enquanto olhava para ele que ela se deu conta de algo muito importante. – Você... esta na sua forma original... – ela colocou a mão sobre o rosto dele. – Volte. Volte a sua forma humana, Haku! Ainda pode dar tempo... – ele balançou a cabeça negativamente. – Por que não? – lágrimas começaram a deslizar pelo rosto dela.

               - Vocês estão bem? – perguntou o garoto descendo da perna do dragão prateado. Haku rosnou para ele e Tehanu em resposta já se colocou na frente do menino.

               - Esta tudo bem. Ele nos ajudou. – disse Chihiro passando a mão pelo rosto do dragão. – Deve haver algum jeito... Algum jeito de fazê-lo ficar aqui. Eu não vou conseguir, Haku. Não sem você aqui comigo. – as lágrimas acabaram caindo sobre as pequenas mãos de Howl. – E se eu me esquecer de você de novo? Não vou conseguir me perdoar... – ele usando a cabeça a acariciou e ela encostou a sua testa na dele com os olhos fechados. Howl esticava as mãos para fazer carinho no rosto do dragão que o lambeu fazendo-o gargalhar. – Não vá... – aos poucos as escamas foram se soltando. – Haku... – o dragão sorriu para ela e desapareceu junto com as escamas que foram levadas para longe pelo vento. Na estrada perto do caminhão com a frente amaçada estavam o dragão de pelúcia e cordão rosa ficando cada vez mais molhados devido a chuva que persistia em cair.

               Depois que Haku desapareceu diante dos seus olhos, Chihiro não pensou, ela agiu o mais rápido que conseguiu com medo que talvez começasse a perder as suas memórias. Quando chegou à casa dos pais, pegando carona com o dragão prateado, ela contou toda a verdade para os seus pais sem se importar se eles a entendiam ou não. Pegou a chave do carro deles e foi pegar o carro com Howl em seu braço. Apesar de toda a loucura que a sua filha acabou de lhes contar, eles insistiram em acompanha-la seja lá para onde ela pretendia ir.

               - Mais devagar, filha! – pediu a mãe sentada no banco traseiro cuidando de Howl o qual estava preso na cadeirinha brincando com o dragão de pelúcia. – Não se esqueça que temos um bebê aqui! – suspirou cansada. – Quando você dirige parece tanto com o seu pai.

               - Não se preocupe, querida. Esse carro é o melhor que tem no mercado. – o senhor estava sentado ao lado de Chihiro. – Mas voltando a aquela história, filha. Eu e a sua mãe realmente nos tornamos porcos?

               - Sim. E vocês provavelmente teriam virado comida se eu não os tivesse salvado.

               - Tenho certeza de que se um dia virei um porco eu me lembraria disso...

               - E você, mãe? Acredita em mim?

               - Não é uma questão de acreditar ou não. Se você acredita que o seu marido é um dragão e espirito do rio em que você caiu quando era pequena, quem sou eu para dizer que esta mentindo? – assim que avistou o túnel e a estátua de pedra, Chihiro freou até que o carro parasse bem perto dos dois. – E por que estamos aqui?

               - Eu já disse. Esta é entrada entre o nosso mundo e o deles. – ela saiu do carro e foi abrir a porta de trás para pegar o filho no colo. – Eu só tenho que convencer os guardiões a me deixarem entrar.

               - Tem a sua lógica nisso... – comentou o pai que observava a construção com curiosidade.

               - Querido! Não a incentive ainda mais. – a mãe caminhou até a filha refletindo sobre o que deveria exatamente dizer. – Chihiro, esta mais do que claro que aquele acidente de carro a traumatizou de forma que nem consigo imaginar. – ela colocou a mão no ombro a filha. – Por que não vamos ao hospital para garantir que esta tudo bem com você?

               - Segura ele por um instante. – ela entregou o filho para a mãe. A avó já estava esperando que o neto fosse começar a chorar, mas para a sua surpresa ele permaneceu calmo.

               O túnel era formado por um conjunto de pedras e muito verde, completamente o oposto daquela construção vermelha que Chihiro se lembrava. Esta deveria ser a sua forma quando a entrada entre os mundos estava fechada. A jovem se virou e ajoelhou-se de frente para a estátua de pedra.

               - Eu sei que vocês conseguem me escutar. Eu não vou sair daqui até que vocês abram a passagem para mim. – os pais olhavam para a filha incrédulos. – Agradeço do fundo do meu coração pelo que já fizeram por nós dois. De verdade. Esta é a primeira e última vez que vou pedir algo a vocês. – ela se curvou para a pedra. – Por favor, deixem-me ir até ele. Eu amo ele. Quero passar o resto da minha vida ao lado dele.

               - Chihiro... – seu pai se abaixou ficando ao lado dela. – Vamos voltar para casa.

               - Vocês realmente não entendem. – ainda curvada ela começou a chorar. – Se eu voltar para casa agora isso vai significar que nunca mais vou vê-lo. – levantou as costas se sentando. – Porque eu o obriguei a usar os poderes e esse foi o acordo. Se ele os usasse voltaria para o mundo dele e nunca mais poderia vir para cá. – ela colocou as mãos sobre o rosto. – Se este era para ser o fim que as coisas iam ter... Eu preferia que nós nunca tivéssemos atravessado aquele túnel idiota! – nenhum dos pais sabia o que dizer a sua filha. Howl alheio a conversa que estavam tendo brincava com o dragão de pelúcia até que este escorregou das suas pequenas mãos, porém começou a flutuar perto do bebê.

               - Pa... papa! – todos olharam para o bebê surpresos.

               - Ele falou! – comemorou alegremente o avô.

               - E fez o dragãozinho voar... – completou a avó. Chihiro se levantou e se aproximou do filho que ria e tentava pegar o dragão de pelúcia.

               - Howl. – o bebê olhou para ela. – Você sabe onde o seu pai esta?

               - Papa! – o dragãozinho voou na direção do túnel e quanto entrou nele, algo estranho começou a acontecer. A aparência do túnel mudou para uma construção vermelha, a mesma das lembranças de Chihiro.

               - Oh meu deus... Acho que vou desmaiar. – comentou a mãe que entregou o neto para a filha a qual o abraçou muito feliz.

               - Igualzinho ao seu pai. – ela fez o nariz deles se encostarem. – Meu herói. Hora de ir. – ela voltou para o carro pegando uma mochila de uma bolsa com tudo o que precisava.

               - Não, não, senhora. – a mãe se colocou no caminho da filha. – Se você acha que eu vou deixar você entrar nesse túnel suspeito junto com o meu neto, então você não me conhece nem um pouco. – ela colocou as duas mãos nos dois ombros da filha. – Pense por um instante. Mesmo se tudo o que disse é verdade, isso significa que você também não vai mais voltar para cá. – Chihiro a encarou surpresa. Era a primeira vez que pensava sobre aquilo. – Você é a nossa garotinha. É muito cedo para nos despedimos de você. – a jovem abraçou a mãe com vontade, algo que há muito tempo não fazia.

               - Tem toda a razão, mãe. – fez uma pausa. – Mesmo assim eu tenho que ir. – ela se afastou um pouco. – É o que escolhi e você não tem que aceitar, mas eu espero que um dia entenda. – limpou as lágrimas que escorregavam pelo rosto da mãe. – Eu amo você. – ela se virou na direção do pai. – Amo os dois. Não importa onde esteja. Sempre vou amar vocês. – a mãe sorriu e beijou a cabeça no neto. Chihiro foi até o pai e o abraçou.

               - Cuide-se, minha garota. – disse passando a mão pelo rosto dela. – E você, cuide bem da sua mãe deixando-a longe dos perigos. – Howl pronunciou uns sons incompreensíveis.

               - Até, papai. – beijou o rosto dele e depois correu para o túnel. – Adeus!

               Em cima do telhado da casa mais alta do vilarejo dos restaurantes estava sentado Haku acompanhado por um gato preto. Ele trajava sua roupa tradicional da cor azul e branca e observava com um olhar triste o horizonte onde o sol começava a se esconder. O rapaz parecia esperar por algo todas as vezes que voava para aquele telhado, passando toda a manhã ali. Algo que nunca aparecia. Levantou-se prestes a voltar para o trabalho quando o gato miou algo que o fez olhar para o céu onde viu uma pequena forma voando pelo céu. A princípio era pequeno demais para entender o que era, porém quando ele reconheceu o dragão de pelúcia escutou uma voz muito familiar.

               - Senhor dragão, você esta voando muito alto! Desce dai antes que se perca.

               - Chihiro? – sem pensar duas vezes ele começou a pular sobre os telhados indo o mais rápido que conseguia até onde a voz vinha. Os dois se viram e sorriram um para o outro perto da escadaria onde a estátua do sapo ficava no topo.

               - Haku! – o rapaz foi o primeiro a chegar ao topo da escada e apesar de querer ir além, sabia que não podia ultrapassar aquele limite. Quando ela finalmente chegou ao topo, largando a mochila e a bolsa no chão, abraçou-o chegando a tirar os pés do chão. – Que bom que você esta bem!

               - Pensei que nunca mais poderia vê-la de novo... – passou os dedos pelo cabelo solto dela. – Como conseguiu voltar para cá? Foram os espíritos de pedra?

               - Não, aqueles idiotas me ignoraram. – afastaram-se um pouco, ambos voltaram os olhos para o bebê. – Foi graças a ele. – ela riu. – Howl tem poderes.

               - Isso explica o dragão dele voando. – o bicho de pelúcia voava em círculos com os três no centro. – Obrigado, filho. – fez carinho em Howl que sorriu esticando os bracinhos na direção do pai.

               - Papa! – Haku ficou sem palavras ao escutar as primeiras palavras do bebê.

               - Ele... acabou de dizer... – Chihiro sorriu e entregou o filho para o marido que o segurou com o maior cuidado possível. – Eu sei o preço que você teve que pagar para vir até aqui mesmo que não tenha feito nenhum acordo com os guardiões... Nunca desejei que você sacrificasse qualquer coisa por mim, mas... – pequenas gotas transparentes deslizavam pelo rosto pálido do rapaz. Aquela foi a primeira e última vez em que a sua esposa o viu chorar. – Eu estou tão feliz que vocês estão aqui. – ela limpou as lágrimas dele com as duas mãos que seguravam o seu rosto.

               - Não existe outro lugar em que eu gostaria de estar que não seja ao seu lado. – suas testas se encostaram. – Você é o meu mundo, Haku. – e o beijou profundamente segurando entre os seus dedos os cabelos pretos dele.


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Notas finais do capítulo

Curiosidades:
1)Os novos personagens foram retirados de outras obras do Studio Ghibli. Lord Cob, Lebannen e Tehanu são personagens do filme "Contos de Terramar" (2006); Shun, Shiro e Umi são do filme "Da Colina Kokuriko" (2011).
2)O senhor dono da loja onde Chihiro comprou o dragão de pelúcia é o próprio Hayao Miyazaki.
3)Os anéis de casamento de Chihiro e Haku foram baseados em um par que vi na internet [http://global.rakuten.com/en/store/mignon-shop/item/lod-026pair/]

O que acharam? Reviews? Até a próxima! ^o^



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