Meu Querido Cupido escrita por Bonnie Only


Capítulo 8
David - Apologize


Notas iniciais do capítulo

I'm back

O título desse cap representa a vida do David tanto passado como no presente, assim como a música "Apologize", se quiserem ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=00kXKunX9rU



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   Estou me segurando na sua corda
           Que me deixa à 10 metros do chão.

➴ ➵ ➶

Nas semanas seguintes continuei presa na casa dos rapazes, de vez em quando contemplando o silêncio daquele lugar por causa da ausência deles. Eram criaturas curiosas. Ficavam o dia todo fora e às vezes à noite também. A cada dia que se passava eles saíam esperançosos, às vezes até com um sorriso no rosto, acreditando que naquele mesmo dia encontrariam a pessoa certa para suas escolhidas. Eles não sabiam, mas eu os observava todos os dias. Pareciam rapazes comuns, vivendo suas vidas rebeldes, sem se importar com trabalho ou qualquer coisa assim. Mas eles alimentavam uma esperança: juntar um casal, para serem livres novamente. A vida decidiu dar uma segunda chance a eles.

Devo admitir que quando eles não estavam fazendo seu trabalho, abriam uma garrafa, contavam piadas e jogavam conversa fora, como rapazes comuns, e eu evitava ficar por perto o máximo de tempo possível. Não queria atrapalhar e me sentia uma intrusa ali, mesmo estando ao lado do meu cupido.

Admito que David parecia ansioso para encontrar o meu par. Sei que cada um deles ansiavam por esse dia. Ansiavam pelo dia em que ficariam livres. Mas ultimamente eu não posso sair por aí, só sairei da casa quando David sentir que é seguro, e isso me mata por dentro.

Foi quando todos eles decidiram sair em uma noite de quarta-feira. Colin saiu para encontrar sua escolhida e continuar procurando a alma gêmea dela, Bruce e David foram convocados para um lugar que não quiseram me dizer. Eu tinha quase certeza de que se tratava desse tal de Jason. 

O único que ficou foi Franklin. O loiro oxigenado que aparenta me odiar.

Naquela noite chovia muito, todas as luzes da casa estavam acesas e eu me sentia insegura ali. Tinha medo de que alguém batesse na porta e quisesse me levar, ou então que o próprio Franklin me sequestrasse e me entregasse para, sei lá, o cafetão dos cupidos. Eu ainda não sabia quase nada sobre eles e eles evitavam que eu soubesse.

Quando no meio da noite saí do quarto do David e decidi descer as escadas para verificar se eles já haviam chegado, encontrei Franklin ainda no sofá, em sua posição habitual, bebendo e parecendo ter uma discussão mental consigo mesmo.

— Sabe quando eles vão chegar? — Perguntei, cruzando meus braços e abraçando a mim mesma. Estava chovendo lá fora, mas dentro da casa continuava quente. Um rápido trovão soou e mesmo com as portas e janelas trancadas se podia ouvir o som da chuva caindo e pingando no chão.

Franklin fingiu não me ouvir.

Fiquei mais alguns segundos parada na mesma posição. No fundo eu não queria sair dali. O quarto do David estava muito silencioso e a chuva piorava a situação. Me fazia sentir ainda mais sozinha do que já estava. Sempre fui solitária mas agora sentia necessidade de ficar perto de alguém. Naquele momento Franklin me transmitia segurança e eu não queria sair dali, mas me virei, percebendo que ele não estava gostando da minha presença.

— Por que você não some, hein? — Franklin resmungou assim que tirou a cerveja da boca. — Nós dois sabemos que isso não vai prestar, garçonete. 

Assim que ele disse isso, voltei para perto dele e franzi minha testa.

— Como é? — Perguntei.

Ele soltou uma risada esquisita e continuou com o olhar vidrado na mesinha de centro, talvez se lembrando ou pensando em alguma coisa.

— Te manter em segredo vai ser impossível. Uma hora ou outra os outros cupidos vão descobrir que você não está morta, e daí o que vai acontecer? Vai todo mundo se ferrar. Inclusive eu, por ser um cúmplice.

— E você fala isso como se fosse minha escolha estar aqui? — Reclamei, apontando para mim mesma.

— Só estou avisando. O David insiste em manter você aqui por algum motivo, o que é engraçado porque David nunca agiu assim com nenhuma outra escolhida dele. 

Rapidamente me assustei. Outra escolhida? Isso significa que David teve outras garotas além de mim?

Aproveitando a oportunidade, me assentei um pouco perto do Franklin, que fez uma careta engraçada.

— David já foi o cupido de outras garotas? — Perguntei um pouco baixo.

Ele riu e depois manteve um sorrisinho de lado.

— Você não sabe de nada mesmo, hein. — Ele ficou me encarando.

— Vocês não me deixam saber! Eu preciso saber! Isso significa que vocês não trabalham só com uma garota! O que é estranho, porque David me disse que virou um cupido quando eu nasci, então como ele dava conta de outras garotas?

Ele soltou um suspiro de tédio.

— Ele mentiu para você. — Franklin falou normalmente.

— Mentiu?

— Mentiu.

— Então me explique! Por favor, antes que eles voltem. Eu cansei de ficar calada e presa nessa casa, sem ao menos saber o que está acontecendo, tente me entender! — Supliquei.

— O seu querido cupido morreu em 1915, Cassandra. Ele tinha 23 anos. — Franklin fez uma voz de deboche. — Ele virou um cupido no mesmo ano. — Ele ficou brincando com a garrafa em suas mãos, jogando de uma para a outra — Ele morreu por causa de uma garota... Esqueci o nome dela. Acho que era Edith. Ele falou que ela o traía com vários caras todas as noites, a garota se envolveu com uns caras da pesada e esqueci o resto. Só sei que ele morreu por causa dela. Otário. — Franklin riu, o que me fez pensar naquele momento que ele também era um otário, por ter morrido quase como o David.

— Isso é horrível. — Sussurrei, tentando imaginar uma justificativa para a morte do David.

— E se você quiser saber mais coisas pergunte a ele. Eu não sou obrigado a nada.

— E-então me diga só mais uma coisa, e eu prometo sair daqui! Me diga, vocês já foram cupidos de outras garotas? Foram quantas?

Franklin riu mais um pouco.

— Coitadinha de você, está mesmo desesperada.

Respirei fundo, tentando me conter.

— Nós cupidos temos a missão de formar três casais durante a nossa trajetória, e depois ganhamos a nossa liberdade. Mas isso leva tempo até encontrar a pessoa certa. É por isso que já faz um bom tempo que somos cupidos. O que ganhamos em troca é beleza e tudo o que precisamos. Além disso nunca ficamos doentes ou coisas do tipo. No máximo uma enxaqueca por beber muito.

— Isso... Isso é loucura.

Franklin balançou os ombros.

— E quantos pares o David já conseguiu formar?

— Dois. Você é a última dele. 

Eu quase sorri naquele momento. Isso significa que quando David encontrar alguém para mim, ele finalmente estará livre e voltará a ser um humano!

— E você, Franklin? Quantos pares já...

— Garçonete, já chega, tudo bem? Deve ser por isso que David nunca te conta nada. Você é um saco. Se quer mesmo enlouquecer um cupido, pergunte a ele sobre seu passado! Assim nós nos lembramos da nossa droga de vida passada e de como fomos uns otários por entregarmos nossas vidas por garotas que nem sequer nos amavam! — Franklin gritou e jogou a garrafa no chão.

Naquele momento me levantei do sofá e segurei um choro que queria vir. Franklin parecia muito mal, então corri até o quarto do David e me tranquei.

➴ ➵ ➶

Na manhã seguinte, quando todos os rapazes já estavam em casa, decidi não sair do quarto, eu ouvi as vozes deles quando chegaram pela manhã e decidi não abrir a porta do quarto, o que só piorava a situação, porque quanto mais eu me trancasse, menores eram as chances de encontrar o meu namorado que está vagando em algum lugar por aí.

Isso era muito engraçado.

Onde fui me meter?

Por que não fiquei servindo hambúrgueres como uma garçonete normal? Por que fui tão curiosa?

Eu devia ter ficado quieta!

Me sinto presa, e é exatamente como estou.

— Cassie? — David abriu a porta branca do quarto, o que me fez dar um pulinho na cama. Eu estava semi deitada, apoiada por travesseiros, o lençol cobria minhas pernas e eu observava o nada, como sempre tenho feito.

Apenas olhei para ele, e naquele momento senti mais pena do que devia. Ele era um rapaz de 1915 que teve sua vida interrompida, que se arriscou por amor.

— Eu vi uma garrafa quebrada lá embaixo e quis ver se estava tudo bem. — Ele caminhou até mim, parecia preocupado. Estava vestido com seu típico visual, como costumava ir ao Kismet Diner.

— Eu estou bem.

— Foi o Franklin, não foi?

Eu assenti.

— Ele me contou que vocês conversaram ontem à noite.

— Não foi bem uma conversa... — Olhei para os lados.

— Ele te contou a verdade. — David concluiu e eu apenas concordei.

— Por que não me contou que já foi cupido de outras garotas, David? Aliás, por que não quis me falar sobre Edith? Sei que é algo seu, mas agora que estou vivendo aqui, tenho o direito de saber sobre algumas coisas.

David olhou para baixo e franziu as sobrancelhas.

— Você sabe que se eu quiser posso apagar a sua memória de ontem à noite agora mesmo, não é? — Ele me olhou e levantou uma sobrancelha. Ele disse isso com um quase sorriso.

— Então vá em frente! Apague! — Me ofereci — Acho que até vou gostar, quem sabe vai ser menos problemas para eu ter que lidar ou ficar pensando. — Me levantei da cama e me coloquei à sua frente. Só fui me dar conta da minha camisola extremamente curta quando David colocou os olhos em mim.

Voltei para a cama, me cobri e me senti derrotada. David não conseguia disfarçar um sorriso.

— Eu poderia apagar sua memória, mas não vou. Acho que você é imune aos meus poderes. — Naquele momento ele me olhou — E acho que você tem o direito de saber.

Fiquei em silêncio.

— Eu conheci a Judith Adams aos 16. Judith e não Edith. Franklin te deu o nome errado. 

Nós rimos, então ele continuou:

— Foram longos anos com ela. Naquela época era tudo muito diferente de agora. As roupas, os costumes... Eram bons tempos e ao mesmo tempo terríveis. — David parecia se recordar de cada cena — Ela era maravilhosa e desejada por todos os homens da região. Cabelo dourado, bochechas coradas e sempre bem vestida. Nós éramos muito jovens. Me lembro das propostas dos velhos querendo comprá-la, uma quantia maior que a outra. Mas ela me escolheu e eu não tinha nada para oferecer. Mesmo assim, ela me escolheu.

— Você era o escolhido dela. — Acabei rindo e David me lançou um olhar que não consegui compreender. Seus olhos pareciam brilhar, como se estivessem presenciando chamas.

— Os anos foram se passando e ela mudou muito. Naquele época eram todos muito rígidos, eu e Judith nos casamos muito cedo, e três anos depois do nosso casamento houve boatos de que ela estava saindo com outros caras além de mim. 

— E o que você fez? — Perguntei. Me sentia uma criancinha ouvindo uma história. 

— Nada. Eu acreditava nela.  Acho que nunca havia amado ninguém da maneira que eu a amava. Era algo surreal, Cassie. — David olhava para o chão e franzia a testa enquanto falava. — Eu tinha certeza de que eu era o par ideal dela. Seja quem fosse o Cupido de Judith, eu tinha certeza de que ele havia me escolhido para ser a alma gêmea dela.

— E-então por que deu tudo errado se você era a alma gêmea dela? — Perguntei.

— Foi porque ela não me escolheu, Cassie.

— M-mas...

— Ela não me escolheu como eu pensava. Éramos muito jovens quando nos casamos e ela mal sabia o que queria. Depois de casados ela descontou tudo o que queria com outros homens, no fundo eu sabia mas fingia que não era verdade. As pessoas da região me diziam e eu me recusava a acreditar. Foi quando em uma certa noite Judith resolveu confessar tudo. Foi em 1915 e nós tínhamos 23. Ela me contou que se sentia infeliz e que queria romper comigo. Eu tentei entender o motivo, mas ela mal sabia explicar e soltava lágrimas. Naquela mesma noite ela confessou que me traía, para piorar com um dos caras mais ricos da região. Ele era louco por ela desde que ela tinha 16. 

Coloquei uma mão na boca.

— Ele prometeu dar jóias e boas roupas para ela se ela aceitasse ser dele. Ele ofereceu tudo o que eu não podia dar à ela. Ela só não aceitou se casar com ele porque já estava comprometida comigo. Judith pareceu se arrepender pouco tempo depois da proposta do velho, ela me pediu desculpas mas eu me recusava aceitá-las. Ficamos bastante tempo longe um do outro e eu me sentia acabado por isso. Quando finalmente eu e Judith tentamos nos reaproximar, o cara ficou uma fera e decidiu ir até a nossa casa. Eu não me lembro muito bem daquela noite. Me lembro que ele estava armado e talvez pronto para atirar em nós dois. Não pensei duas vezes antes de me colocar à frente da Judith para protegê-la. As memórias são como um borrão, mas ainda dói quando me lembro.

Naquele momento eu não soube o que fazer. Era doloroso imaginar cada cena e o quanto ele sofreu, enquanto todos à sua volta diziam coisas sobre sua mulher. Coisas que não deixavam de ser verdade.

Olhei para baixo, desconfortável, ainda pensando em sua história.

— Depois de virar um cupido, foi tudo mais fácil para mim. Eu ganhei uma nova chance por ter morrido por amor, assim como todos os outros cupidos. Se eu completasse a missão de formar três casais, poderia voltar à minha antiga vida e ser um humano outra vez. Você é a última, Cassie.

— Você sabe o que aconteceu com Judith depois da sua morte?

— Não. Eu não podia saber mais nada a respeito dela. Provavelmente está morta, já se passaram muitos anos.

Assenti.

Eu aprendi algo, Cassie. Não adianta o cupido escolher o seu amor se você não o escolher também.

Naquele momento olhei para as minhas próprias mãos.

— Você tem que me prometer, quando eu encontrar a pessoa, me prometa que ele será a pessoa certa. Não quero que a mesma coisa que aconteceu comigo e com Judith aconteça com você. Você é muito importante para mim.

Me lembrei das palavras do Frankilin: "David nunca agiu assim com nenhuma outra escolhida dele."

Assenti com a cabeça mais uma vez, mesmo sem saber o que estava prometendo.

— M-mas e se eu não souber se ele é a pessoa certa?

— Você vai sentir, e isso já basta.

Respirei fundo e concordei mais uma vez.

— Nós vamos procurar por alguém amanhã. Já faz bastante tempo que Jason pensa que você está "morta" e acho que já está na hora. Ele pensa que estou de "folga" por não ter nenhuma garota precisando de um cupido. Mas você é minha escolhida, Cassie, e não vou descansar até terminar esse trabalho. Eu sinto que você está muito perto de encontrar o seu...

— O meu escolhido. — Sorri.


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Notas finais do capítulo

hasta la vista