Damned escrita por IS Maria


Capítulo 25
O medo




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DIA 5

 

Esperavam agora, que a solução atravesse a porta a qualquer momento. Ninguém ousava dizer coisa alguma e, pela primeira vez em dias, o tempo pareceu se arrastar lentamente mais uma vez. O desconforto e a ansiedade regiam a cada um, porém não havia um sequer rosto capaz de demonstrar qualquer emoção. 

O céu amanheceu mais escuro naquela manhã e o sol não podia ser visto em qualquer lugar. Através das paredes de vidro, as árvores dançavam na direção em que o vento as mandava e suas folhas chacoalhavam no sentido que eram capaz, pouco fazia som, permitindo que o canto dos pássaros que não ousavam se aproximar, fosse reconhecido ao longe. O conjunto de tudo construía aos poucos uma melancólica melodia, estranhamente coordenada, que parecia se estender tão quanto conseguiam ouvir. 

Esperar era amargo e angustiante, assim como a incerteza que não parecia os deixar. Katerina sentia tudo se tornar menor enquanto dentro de si as coisas se agitavam, cada vez mais e mais barulhentas. Era somente a mão de Caius, entrelaçada contra a sua, que a mantinha presa à realidade. Enquanto ele a tocava, sentia-se firme e segura, como se pouco pudesse a atingir. O seu corpo o reconhecia como parte de si. 

Eleazer encarava Caius do outro lado da sala e a tensão por entre os dois era tão densa que poderia ser cortada pela lâmina de uma faca. Ele finalmente tinha retornado de sua caça, que era longe dali, e não tinha ficado contente ao se deparar com o novo visitante da casa. 

Disse para Carlisle, que Kate já controlava seu dom muito bem e que o resto deveria aprender à medida que o usava e que por esse motivo, encurtaria sua visita e começaria a programar seu retorno. 

Todos sabiam o real motivo. Não suportava a presença de Caius ali e muito menos compreendia a posição de Carlisle diante a tudo isso. 

Alice e Jasper também tinham voltado a aparecer, aparentemente tinham saído em busca de uma trilha deixada pelos Volturi que se aproximavam, e agora estavam com Esme na cozinha, tentando preparar alguma coisa para o humano na casa. 

Rosalie e Emmett, que não disseram o porquê da saída, talvez algo haver com a casa no Alasca, também tinham voltado e assistiam Carlisle nas preparações para o que fosse acontecer. 

Edward e Bella foram resolver com a escola o motivo de minha ausência por tanto tempo e dar uma explicação aos lobos que tinham encerrado as buscas, mas também já estavam de volta. 

Katerina não virou em direção à porta quando a ouviu se abrir, ou fez questão de se aproximar quando sentiu a presença de outros além da de Carlisle, preencherem a sala. Ficou em seu lugar, observando a floresta, em uma tentativa vã de evitar o que viria de qualquer maneira. 

Enquanto não os visse, ainda não era real, era o que acreditava. 

Temia o que aconteceria quando a situação finalmente escapasse de suas mãos. Não que ainda possuísse qualquer controle, mas ainda não havia admitido a verdade para si mesma e não estava pronta para abrir mão da ilusão. 

 — Kate...— Sentiu a mão de Caius pousar, delicadamente, contra seu cotovelo em uma tentativa de a aproximar mais um pouco. 

Ele jamais a chamava assim. 

Katerina virou-se vagarosamente devido ao pedido dele. 

As pessoas estavam ali não eram as mesmas que tinham lhe causado mal, não eram os mesmos médicos que não se importava se lhe causavam dor ou não, estavam ali para salvar sua vida e precisava se lembrar disso...por mais nervosa que a deixavam.  

Retornar para uma cama de hospital estava entre seus piores medos. 

Parecia que o destino tinha um obscuro senso de humor. Trouxe-a de volta para onde tudo começou. 

O médico, aquele de quem comentavam a dias, fugia da imagem que criou em sua cabeça. Sua aparência era um conforto. Nem de perto ele era o cientista maluco que tinha imaginado. Alto, em seus cinquenta anos talvez, cabelos acinzentados e olhos como os de um filhote, extremamente curiosos e convidativos. 

Não estava sozinho, vinha acompanhado de uma garota e um garoto, que não aparentavam serem muito mais novos do que Caius deveria ser quando foi transformado. Todos humanos. 

Ao menos agora Katerina tinha certeza do progresso feito quanto a sua sede e autocontrole. 

— Ah, você deve ser Katerina. — O mais velho foi o primeiro a se aproximar. 

— Sim...— Apertou sua mão timidamente. O médico contraiu-se em meio ao toque frio demais, porém, não soltou a mão de Kate por um só segundo.

— Sou o Dr. Jekyll, mas pode me chamar de Henry, eu e seu pai somos bons amigos a muito tempo.

Ouvir Carlisle ser referido como seu pai, lhe causou alegria e soube imediatamente que era algo que apreciava. 

— Ficarei mais tranquila então. 

— Deixe me dar uma olhada nisso… — Voltou sua atenção então aos braços da garota, observando as marcas com cuidado, quase como em um triste, porém magnífico, mosaico sombrio.  — Carlisle não falhou ao descrevê-las.  Carlisle? — O médico o chamou. 

— Suponho que devemos começar logo, então. — Carlisle o respondeu. 

As apresentações foram breves, todos pareciam ter pressa deixando claro que o maior inimigo que possuíam eram o tempo. 

— Você vem? — Caius perguntou-a, seus olhos deixando-a saber o quão ansioso estava para fazer parte das decisões. 

— Por que você não vai na frente? Encontro você logo. 

— O que foi?

— Nada… — Fez o que pôde para conter os músculos de seu rosto e suprimir suas emoções — Ainda não conversei com Renesmee desde que voltei e gostaria de fazer isso agora, mas não a vejo por perto. 

— Tem certeza?

— Absoluta. — Sorriu. 

Caius lhe deu um breve beijo na testa e se juntou aos outros. 

Katerina esperou pacientemente que ele lhe desse as costas e em seguida subiu as escadas, procurando o próprio quarto. Não desejava fazer parte daquela conversa, ninguém poderia lhe dizer se terminaria bem e a ansiedade que sentia por entre a possibilidade de se existir ou não uma cura, era o suficiente para lhe fazer mais mal do que a doença que lhe tomava as veias. 

— Hey...— Nessie. 

Kate virou-se rapidamente para a encontrar. Aquela era uma voz que não escutava a um longo tempo e um rosto do qual sentiu falta. 

— Hey. — Mal conseguiu conter a excitação em sua voz. Não sabia quando voltaria a ver Nessie de novo. 

— Eu estava te evitando. — Nessie logo procurou um espaço em seu quarto, para se sentar. 

— Eu imaginei. 

— Você não pode realmente me culpar…

— Eu não te culpo. — Kate sorriu. — Eu errei.  

— Isso mesmo. — Renesmee não fez questão de esconder seu desgosto. — Ia mesmo nos deixar para trás?

— Se tivesse me perguntado a alguns dias atrás, eu diria não ter certeza, hoje eu sei que não. 

— Demorou para perceber isso. 

— Precisei de algumas escolhas erradas…

— Eu tinha um discurso preparado, sobre o quão brava eu fiquei com tudo isso e o porquê de você estar terminantemente proibida de fazer qualquer coisa do tipo, de novo, mas não faz mais sentido. — Renesmee a observava com cuidado. 

— Tenho certeza de que mereço cada palavra. — Katerina sorriu mais uma vez. 

Os olhos de Renesmee encontraram as marcas em sua pele. 

— Tenho certeza de que vai ficar tudo bem, Kate. — Katerina não podia dizer se Nessie procurava a confortar ou tranquilizar si mesma. — Quer me falar sobre ele? — Nessie não precisou usar o nome para Kate saber de quem falava e foi o suficiente para um sorriso surgir em seus lábios. 

— Lembra dele? De suas memórias?

— Tenho certeza de que ele não é o homem de quem me lembro. O outro era muito mais assustador…

— Eu tinha medo de nunca ser capaz de sentir o que você sente por Jacob… Imagine a minha surpresa ao perceber que não somente sou capaz, como fui completamente consumida. 

— Tão intenso assim? 

— Faria qualquer coisa por ele… — “Até voltar a ser humana,” Pensou consigo mesma. 

— Seth…

— Eu sei. — A menção do nome dele era o suficiente para a partir ao meio. 

— Não, Kate… Bem ali.  —Nessie apontou contra o vidro, em direção à floresta. 

Seth se aproximava da casa. 

— Nessie...

— Pode ir. 

Katerina alcançou a porta antes que ele terminasse de alcançar a porta. 

Olha-la nos olhos pareceu ser difícil para ele. 

— Oi..— Ela tentou. 

— Oi! O Carlisle está ai? 

— Ele está ocupado com algumas coisas no momento...— Katerina olhou timidamente em direção a sala onde ele e os outros se reuniam. — Não pode falar com mais ninguém?

— Eu posso, mas não quero. 

— Seth, por favor. — Olhou-o nos olhos enquanto pedia, mas percebeu que ele não conseguia fazer o mesmo

— Eu não consigo, Katerina… eu não tenho o que dizer para você. 

— Mas precisamos terminar…

— Por favor… agora sou eu quem lhe pede, por favor, pare. — Interrompeu-a, deixando claro o quão doloroso era. 

Katerina sentiu seu estômago revirar como se tivesse recebido um soco.

— Tudo bem. — Fechou os olhos por alguns segundos. — Se quiser esperar. — Apontou em direção à sala. 

Olhou-o se afastar. 

A floresta, mais uma vez, se tornou bem mais apelativa do que permanecer ali. Esperava que ninguém sentisse sua falta, pelo menos por alguns minutos, o suficiente para que se afastasse de todo barulho, o mesmo que, mais uma vez, parecia vir somente dela. 

Ainda que não precisasse do ar, agora ele lhe parecia fazer bem. 

Encher seus pulmões daquilo, ainda que não lhe fizesse nada, não lhe fazia mal e ao mesmo tempo era algo tão simples. Respirar agora parecia ser tão fácil perto de tudo e tão...sob seu controle. 

Tudo o que desejava era estar sob controle. 

As gotas de chuva aos poucos  caíam, mas sentia que seus pés mal tocavam o chão e tudo o que podia ouvir eram os sons das vozes dentro de sua cabeça. O ritmo de sua vida aos poucos mudava, acelerando-se junto ao tempo que sentia correr contra sua carne e não havia nada o que podia fazer a não ser esperar. 

Enquanto se distanciava, via tudo se tornar menor atrás de si  como se não pudessem mais a atingir, porém, a prisão maior a acompanhava a cada passo. A cada instante, seu corpo parecia pesar mais e mais, fazendo-a lembrar-se de que não poderia fugir, mesmo se fechasse os olhos ou corresse o quanto suas pernas eram capazes de aguentar, não poderia correr de sua própria pele. 

Rodou com os braços para o alto, fazendo com que os flocos de poeira presentes no ar, dançassem ao seu redor. Um breve raio de sol acariciou-lhe a pele em meio à chuva, fazendo-a brilhar em um milhão de pequenas partículas cristalizadas. 

Sentiu ter asas, ainda que seus braços continuassem a ter peso e sem qualquer medo de voar, continuou a correr como se o mundo jamais fosse terminar sob seus pés, sentindo-se eterna. 

As emoções escorriam, aos poucos, contaminando-a com tudo o que não podia dizer, mas sentia em tamanha intensidade. 

Correu para o penhasco. 

Ouviu as ondas se quebrarem contra as pedras lá embaixo, uma atrás da outra, uma mais forte do que a outra, enquanto as rochas lutavam para não se partirem, cada uma em sua própria explosão, aos poucos, provocando-a, incentivando-a… alimentando sua própria raiva e o seu próprio desejo de explodir. 

Ajoelhou-se na ponta. 

E percebeu que voar não era o suficiente para a levar para longe de tudo o que ainda fazia parte de si, ou livrá-la das circunstâncias às quais estava presa. 

Cravou as mãos na terra. 

A dor e medo ainda estavam ali, a ansiedade ainda amargava e as vozes em sua cabeça ainda eram altas demais. 

Olhou para os Céus. 

O sol havia terminado de sumir por entre as nuvens acinzentadas. 

Tudo se tornou silencioso por um instante, como se a floresta se calasse inteiramente para ela em uma profunda e dolorosa reverência. De repente, não haviam mais pássaros, ou galhos movidos pelo vento, não haviam esquilos, abelhas ou qualquer outra coisa...simplesmente nada além da chuva que ainda continuava a cair, abraçando-a em uma gélida e translúcida mortualha, como se todos aguardassem pela resposta. 

Até que o silêncio foi quebrado. 

E um profundo  e longo grito, vindo do topo de seus pulmões, deixou o peito de Katerina.  Foi estridente e quebradiço, repleto de dor e horror. 

E todos os que o ouviram, a sentiram sangrar por dentro. 

Desabou sobre a terra, como se enfim tudo fôsse-lhe tirado. O peso de suas escolhas, o peso da dor daqueles que amava e o peso de seu próprio espírito inconsolável, eram o suficiente para enfim a enterrarem. A vida aos poucos a deixava e dentro de si, decidiu não mais fugir do fim que a aguardava. 

Estava cansada de correr, fugir ou evitar o que no fim a alcançaria de qualquer maneira. Finalmente compreendia que para si um final feliz não havia sido desenhado, então contentaria-se com a paz que a morte parecia trazer em silêncio. 

Imergiu-se dentro de si e de sua dor tão profundamente que sequer sentiu ser tocada ou qualquer outra coisa. Tão perdida que não percebeu que a floresta, a quem tanto procurou, finalmente a ouvira. 

***

Seth observou-a deixar a casa e ainda que não pudesse a olhar nos olhos, observou cada passo que deu até que tomasse velocidade o suficiente para que não pudesse mais a ver. 

A cada passo mais longe, sentia seu coração dividir-se em pedaços para que parte de si pudesse a acompanhar. Fazendo-o perceber que parte dela sempre estaria consigo e parte dele jamais a deixaria. O suave “Por favor,” pronunciado por ela, ainda descansava em seus ouvidos, fazendo com que a vibração em seu peito, vinda seu coração, diminuísse, trazendo-o estranha calmaria. 

Apertou o pequeno vidro de veneno por entre os dedos. 

Desejava-a por perto. 

Pelo vidro embaçado da porta do escritório de Carlisle, seus olhos captaram a visão do outro, a imagem daquele que havia sido escolhido por ela. Lembrava-se de ter o encontrado no passado e lembrava de sentir o cheiro de destruição que vinha dele, ou o desejo pelo mal que vinha de seus olhos. Compreendia como alguém como ele, havia se apaixonado por alguém como ela, mas não compreendia como ela havia se apaixonado por ele. 

Carlisle enfim pareceu notar sua presença na casa e veio em sua direção. 

— Seth. — Recebeu-o com um sorriso. — Kate…

— Estou aqui para falar com você. 

— Muito bem então. — Sentou-se ao seu lado. 

— O que estão pretendendo fazer quanto a ela? — Era óbvio que desejava saber de Katerina. Katerina sempre viria em primeiro lugar. 

— Estamos trabalhando nisso, mas acho que estamos perto da solução. 

— Eu...pensei… 

— Então?

— Preciso de um lugar para ficar até tudo isso acabar… não é seguro estar perto da tribo sabendo o que eu sei. — Seth conseguiria um lugar para ficar, mas seu desejo era de estar perto o suficiente para saber o que fariam para ajudar Kate. 

Ou se no fim poderia fazer alguma coisa. 

Não diria a Carlisle o que tinha feito quanto a seus pensamentos ou o que tivera de fazer para pagar por isso.  

— Muito bem, vou preparar um quarto para você e… obrigada. — Carlisle lhe pareceu genuinamente agradecido. 

— Me pareceu ser o certo a se fazer. 

A verdade é que ele jamais faria algo para a colocar em risco, não importando o quão machucado estivesse. 

— Carlisle...— O outro saiu da sala e imediatamente pareceu não gostar de ver Seth ali. O lobo estava satisfeito em saber que o incomodava. — Jekyll precisa falar com você, discutir as preparações… o mais rápido o possível. 

— Seth...com licença. — Carlisle se moveu ao mesmo instante. 

Caius caminhou em sua direção. 

O suficiente para atiçar o instinto de Seth e alertá-lo da ameaça. 

— Katerina? — Foi uma pergunta simples, mas Seth não sentia vontade de o responder. 

Seth não disse qualquer coisa. 

— Ela saiu. — Renesmee respondeu do alto da escada. — Eu a vi a algum tempo atrás. 

Foi o suficiente para o deixar inquieto. 

— A quanto tempo? — Perguntou, sem preocupar esconder em sua voz o quanto aquilo o incomodava. 

— Eu não sei de dizer, mas já faz um bom tempo… quanto tempo ficou esperando Seth?

— Uma hora...uma hora e meia mais ou menos? — A pergunta dela, Seth não viu dificuldade em responder. 

— Então, mais ou menos isso. — Renesmee completou. 

Caius foi invadido pela imagem dos olhos sem vida de Katerina e de como se sentiu ao quase perde-la na última vez em que não pôde dizer onde ela estava. 

Não esperaria desta vez. 

— Talvez ela queira ficar sozinha. — Seth finalmente lhe disse algo. 

— Não posso permitir isso…

— O que? Deixar que ela faça as próprias escolhas, como sair ou não sozinha?

— Deixá-la sozinha sem saber se ela ficará bem. 

— Katerina conhece esse lugar muito bem. — Seth desdenhou do medo que Caius parecia sentir. — E ela consegue se proteger muito bem. 

— Você não entende, não é? Cada segundo, pode ser o último que temos. 

Partiu imediatamente ao seu encontro, sem sequer se importar com a chuva forte que caía do lado de fora. 

***

“Katerina…” Ouviu gritarem contra o vento, mas o som lhe pareceu distante. 

Despertou. 

Seus olhos abriram o quanto conseguiam, mas suas pálpebras pareciam pesar uma tonelada. Não conseguiu enxergar muito, apenas o suficiente para perceber que aquele não era um lugar que conhecia. 

O cheiro…

As cores que enxergava em meio aos borrões aos quais sua visão havia sido reduzida…

A sensação contra seu corpo…

Nada do que já tivesse visto.

Nada que a pudesse dizer como havia chegado até ali. 

Adormeceu mais uma vez. 

DIA 6

 

A dor fazia com que seus nervos gritassem. Suas pernas cederam pela segunda vez na tentativa de suportarem seu peso, levantou-se desejando continuar, mesmo sem saber para onde ia. Com a visão embaçada, as árvores e folhas entrelaçavam-se e a floresta aos poucos parecia se unir em um só corpo. 

Os fios de cabelo, escuros e ensopados de suor, grudavam contra sua testa, enquanto o fluído salgado escorria até seus olhos. A força havia a deixado e tudo se tornou mais lento. 

Ninguém estava por perto…

Enquanto seu corpo falhava cada vez mais. 

“Está tudo bem agora.” Alguém que não conhecia, tinha lhe dito, “Confie em mim.” tinha ouvido.

Mas sentia-se pior, sentia morrer aos poucos. 

O zunido em seus ouvidos fez com que fosse ao chão mais uma vez e sua cabeça vibrava na mesma intensidade dilacerante. Levou as mãos aos ouvidos, mas não era o suficiente para a manter longe do som… ele vinha de dentro de si, mais uma vez, a dor vinha dela, impedindo-a de fugir. 

— Caius...— Murmurou com o pouco de voz que ainda lhe restava. 

Foi envolvida nos braços, sentindo seus ossos se partirem onde fosse tocada. Gritou, os olhos fechados, temendo os abrir. Sentia o cheiro dele, mas não era o suficiente para fazer a dor parar. 

— Eu estou aqui. — O corpo dele estava tão molhado quanto o seu parecia estar. 

— Eu estou…

— Não! Estamos quase lá meu amor...só mais um pouco. 

— Eu… — A voz de Katerina não ia além de um breve sussurro rouco. 

— Eu sei! Eu também. 

***

Katerina estava desacordada nos braços de Caius quando ele a trouxe. Carlisle e o Dr. Jekyll imediatamente vieram a seu alcance. Tentaram tirar-la dele, mas Caius não permitiu que se aproximassem. 

Levou-a até o local que tinham preparado para começarem os testes e com cuidado, ele a descansou sobre a maca prateada. 

O pouco que tinha discutido, precisava funcionar. Tudo o que ainda não haviam tido tempo de calcular, precisava dar certo. Não tinham mais um sequer segundo para desperdiçar. 

O plano que tinham era a única saída. 

E era a ele que Caius se agarrava com tudo o que tinha. 

— CARLISLE — Gritou. 

— Se acalme. 

— Agora. — Caius não tirava seus olhos dela. — Comece agora. 

— Se puder nos deixar trabalhar...— Dr. Jekyll entrou na sala. 

— Eu não vou deixá-la se é isso o que quer dizer. 

— Muito bem então. — Fechou a porta. — Não temos certeza se vai funcionar.

— Tem que funcionar. 

Carlisle e Henry discutiam enquanto se moviam rapidamente, mas Caius não conseguia ouvir ou enxergar qualquer coisa que não fosse ela. 

Dentro de si, o medo crescia e se alimentava do que restava de si. Seus dedos acariciavam as bochechas dela que pareciam terem se tornado frias até para o seu toque. 

— Por favor...— Sussurrou. — Eu não tenho mais nada… 

E mesmo se tivesse o mundo todo sob seus pés, o que sempre estivera seu alcance, nada mais seria o suficiente se não a tivesse ao seu lado. Caius não sabia como começar a dizer para ela como se sentia e as três palavras pequenas que diziam um para um outro, de repente lhe pareceram pequenas demais. 

Não desejava que o mundo continuasse a virar sem ela. 

Sentiu-a escapar de seus dedos… como Ceres um dia havia escapado…

Não cogitaria uma vida sem Katerina. 

Katerina era a única vida que desejava conhecer. 

***

— Como estão as coisas? — Rosalie perguntou a Carlisle assim que o viu deixar a sala pela primeira vez em horas. 

Seth, não podia se aproximar por não saber o que a radiação, o tratamento que haviam escolhido, poderia fazer com seu organismo e não ousava perguntar muito, mas, recluso em um dos cantos próximos, atentava-se a tudo o que diziam. 

— Não podemos dizer se está funcionando, Katerina não demonstrou sinal algum… é um tiro no escuro. — Carlisle lhe pareceu mentalmente cansado. 

— Como ele a encontrou? — Rosalie perguntou em seguida. 

— Ele não diz uma sequer palavra, ou sai de perto dela desde que chegou. 

— Quem diria...— Emmett sorriu. — Que alguém como ele tinha um coração. — Continuou. 

— Ele tem um que não bate. — Carlisle suspirou. 

Alice e Jasper entraram na sala. 

— Eles estão a caminho. — Disse, enquanto Jasper a envolvia em um abraço. Ambos estranhamente calmos. 

Ninguém precisou perguntar para saber quem eram “Eles.”

— Precisamos tirar os humanos daqui. — Carlisle disse. 

— Ele os trouxe aqui. — Seth murmurou, dizendo algo pela primeira vez depois de horas. — Deixe que ele lide com o seu bando. 

— Ele é um de nós agora. — Carlisle o repreendeu. 

Mas, pela expressão no rosto dos outros, principalmente no de Eleazer, não era uma decisão que alegrava. 

Agora, já não podiam dizer o que pesava e os preocupava mais. 

— Como ela está Carlisle? — Esme o abraçou. 

Mas Carlisle não a respondeu. Sentia-se mais incerto a cada instante que se passava e via Katerina perder sua cor. 

— Edward e Bella vão ficar com Nessie longe. — Esme continuou. — Mas pedem que levemos notícias. 

— Não conseguimos saber o quão longe a radiação penetra a pele dela para ajudar à exposição do veneno… não sabemos, de nada. — Carlisle disse. 

— Vai tentar por mais quanto tempo?

— Até quando pudermos. 

***

Caius saiu para caçar com os outros naquela noite, mesmo que sua companhia não fosse bem vinda e Carlisle tinha sido o encarregado a cuidar de Katerina, que ainda não havia demonstrado qualquer sinal ou mudança. Esme tinha se encarregado de levar os humanos embora em segurança, enquanto Emmett e Jasper guardavam a casa para qualquer ataque surpresa que Alice não tivesse previsto. 

Carlisle, sentado próximo a Katerina, observava-a cuidadosamente à procura de qualquer coisa que não tivesse percebido antes, tendo certeza de não permitir que seus olhos a abandonassem nem por um instante sequer. 

Não notou sua visão tornar-se embaçada, até que já não pôde mais enxergar. 

Ainda sim, não sentiu qualquer desespero, ou moveu-se de seu lugar. 

As imagens aos poucos se formaram até que percebeu estar em um lugar completamente diferente. 

Lembrava-se daquele lugar…

Um lugar que costumava visitar apenas em suas lembranças por já ter deixado de existir. 

Era um enorme jardim esverdeado, preso dentro de cercas de madeira e envolto por árvores e margaridas densas o suficiente para lhe cobrirem até os joelhos. De repente, o sol lhe tocou a pele e sentiu-o queimar como a muito tempo não sentia. O ar em seus pulmões tinha agora um sabor diferente e percebeu precisar dele. 

Seus pés pareciam estar descalços e a terra os envolviam, fria e macia. 

Exatamente como se lembrava de ser em sua juventude, quando ainda era humano. Mas, aquilo não se parecia ser sonho, sendo tão real quanto a outra realidade que vivia. 

Soube que não era real quando a viu surgir em meio às flores, os cabelos repletos de margaridas que haviam se prendido aos fios… olhos vermelhos e calorosos e um sorriso gentil por entre os lábios rosados. 

Katerina…

Ela correu em direção aos seus braços como uma criança que corre em direção ao que mais ama. Encaixou-se em seu abraço e repousou a cabeça contra seu peito. Lhe parecia quente agora, sem as veias escuras para manchar sua pele dourada. 

— Como fez isso? — Carlisle e a perguntou, sem a soltar. 

— Eu não fiz… foi você quem fez.  — A voz dela lhe soou ainda mais doce. 

— Então estamos dentro da minha cabeça? — Ela não respondeu, mas ele a sentiu sorrir. — Isso significa que você….?

— Carlisle… — Ela o soltou e o olhou nos olhos. — Eu vim para lhe pedir algo. 

— O que é? 

— Precisa confiar em mim e me escutar. 

— Sabe que eu confio. — Carlisle começou a estranhar a maneira como ela passara a se dirigir a ele. 

— Eu preciso que me deixe ir.


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