Abstrato escrita por roux


Capítulo 2
Sou Minha Maior Decepção




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Eu cheguei a minha casa e corri direto para o quarto. Estava ansioso para conversar com alguém sobre o que tinha acontecido na praia mais cedo. Liguei o computador e enquanto o windows se iniciava eu corri até a cozinha e preparei dois sanduiche. Pão de forma com gergelim, queijo prato, queijo mussarela e requeijão. Era mais que o suficiente. Aproveitei e enchi um copo com suco de limão.

Meu pai e minha mãe não estavam pela sala, nem pela cozinha. Deveria ser hora do banho da Marcela. Eles faziam disso uma festa. Fiz uma careta e voltei para meu quarto com um prato e um copo. Coloquei tudo sobre a mesa de cabeceira. E joguei o notebook no colo. Loguei com minha senha e o barulho irritante me fez bufar.

Já havia conectado ao wifi. Entrei no facebook e no skype. Alguns amigos estavam onlines no facebook. Porém quem eu realmente queria, eu sabia que só encontraria no skype, então fui direto para lá.

∆ Lucas

Eu cliquei em realizar ligação. Ele atendeu pouco tempo depois.

— O que você quer Edu? — Ele perguntou sério enquanto passava algo que me pareceu uma tinta roxa no cabelo. — Eu estou meio ocupado, como pode ver.

— É que aconteceu uma coisa muito inusitada hoje. — Eu falei meio namorado. Estava tentando me conter. Não queria parecer um idiota.

— O que? Você não tentou fazer nada de errado outra vez, não é? — Ele me perguntou e parou de fazer o que estava fazendo. Encarou a câmera. Encarou-me.

Eu fiquei mal por isso. Quando as pessoas iriam superar o fato de que eu tentei morrer? E que fracassei nisso? Já fazia dois anos! Porém todos faziam questão de lembrar. Estavam todos sempre preocupados que eu realmente fosse tentar novamente.

— Não é isso! — Eu disse sério. Ele percebeu que eu tinha ficado chateado, já que fez um beicinho triste. — Eu só conheci um cara hoje.

Ele me encarou. E sorriu. E eu. Eu percebi o erro que havia cometido. Logo tratei de consertar.

— Não um cara. Quer dizer. Ele é um cara. Mas nós ficamos amigos. Ele é o primeiro homossexual que eu conheço aqui do litoral. — Eu falei rápido.

— Eu odeio quando você diz homossexual. Ai fala veado, mona, gay, bicha. Menos homossexual. — Lucas falou revirando os olhos, e depois sorriu. — Mas então você conhece um bofe e vira amigo dele? É da escola?

Eu ajustei o notebook no colo. — Não ele não é da escola. Eu o conheci na praia. É mais velho que a gente. E super legal. Quer ser meu amigo, sair juntos. Ele se mudou a pouco tempo para a cidade. — Eu disse super empolgado.

Lucas ficou sem jeito. Sorriu sem graça, mas respirou fundo e também ajustou a câmera. Ele me olhou nos olhos.

— Você, é... Como eu vou dizer isso. Você parou para pensar que ele pode ser um maluco? Ele simplesmente apareceu na praia? E agora vocês são amigos? — Ele me perguntou.

— É! — Eu respondi parando para pensar que ele tinha razão. Porém algo me dizia que o Guilherme não era uma pessoa ruim. Eu não costumava errar nisso. — Ele é legal, eu tenho certeza. O nome dele é Guilherme!

Lucas pareceu pensativo por um tempo.

— Guilherme? E como ele é? — Ele me perguntou.

Eu estranhei, mas não pensei muito sobre. — Ele é forte, malhadinho sabe. Os cabelos são cacheados e de cor escura, acho que pretos. Ele tem um bronzeado que eu senti inveja, olhos azuis. Ele é muito bonito. Porém não é bonito de uma forma que eu quero pegar, sabe? É só bonito de uma forma que eu queria parecer. — Eu digo pensativo.

— Edu, esse é o Guigo. O ex-namorado do Manuel. Lembra-se do Manuel, né? Aquele menino que eu coloquei numa conferencia contigo outra vez. Eles terminaram porque o Guilherme iria embora, e agora eu sei para onde. — Lucas falou rindo. — Ele é mesmo gostoso, se não fosse amigo do meu amigo, eu pegava. Porém você não é amigo do Manuel, certo?

O que? Ele estava insinuando? Não, não mesmo. Eu ri e mostrei a língua. — Eu só gostei dele. É maneiro, é o primeiro amigo que tenho aqui em toda a minha vida. Ele me prometeu levar para sair. E disse que eu beijaria em baladas e que ele iria precisar cuidar de mim para os outros caras não se aproveitarem. Ele é só um amigo.

— Está bem, um gostoso daqueles só amigos? — Lucas riu. — Está bem. Ele mesmo disse que você vai beijar quando saírem juntos. Ele deve estar na sua. Você é um cara muito bonito. Eu mesmo pegava você.

Eu corei.

— Você é um idiota. Acho melhor você ir tirar essa tinta do cabelo antes que ele caia. E roxo vai ficar bem em você. Eu te amo. Beijos. — Eu ri e encerrei a ligação. Fechei o notebook e me joguei na cama. — Será?

Não. Eu levantei da cama e me olhei no espelho atrás da porta. Ninguém iria reparar em mim. Eu era tão normal. Sem graça. E tinha sardas. Não queria ser ruivo. Está bem que eu era levemente ruivo. Porém ainda assim tinha pentelhos bem mais laranja que os cabelos. Eu não iria conseguir excitar ninguém dessa forma. Eu me joguei na cama e fiquei pensando naquele cara. Guilherme. Será que seriamos amigos de verdade?

— Eu logo vou estragar tudo. Eu sou uma decepção para qualquer pessoa. — Eu falei baixinho e olhei o teto.

— Falando sozinho? — Perguntou mamãe.

Eu olhei assustado para ela. Estava dentro do quarto me olhando.

— Mãe eu já disse para bater na porta. — Eu falei irritado e me sentei na cama abraçando um travesseiro. Evitei olhar para ela agora. Será que ela estava atrás da porta escutando minha conversa?

— Eu bati, o problema é que você não ouviu. Então eu entrei. — Ela confessou. — Não vai jantar com a gente?

Eu fiquei encarando. — Eu vou!

— Você demorou a voltar. Ficamos preocupados. — Ela disse.

— Encontrei um amigo. — Falei baixo.

— Nossa sério? Que máximo. Ele é da escola? — Ela perguntou. E eu sabia que ela estava tentando saber se eu não tinha ido ver meus amigos que moravam longe daqui.

— Não. — Falei e vi que ela ficou branca. — Ele é o novo vizinho!

— Os daqui da casa ao lado? — Ela perguntou olhando.

— Mudou gente para a casa dos Lontras? — Eu perguntei já levantando e correndo até a minha janela. A luz do quarto da casa do outro lado do quintal estava acessa. Será que era ali que ele dormia?

— Sim, mudaram sim. E tem um rapaz muito bonito. — Ela insinuou. — Ele deve ser da sua idade.

— Eu não sei, talvez seja ele. — Eu falei sem graça.

Mamãe sorriu.

— Está bem, estamos esperando você para jantar. Lave as mãos e vá para mesa. — Ela saiu do meu quarto.

Eu me sentei na cama e procurei meu celular. Onde eu havia colocado? Procurei pela cama, embaixo dos travesseiros e só então me lembrei de que não havia o tirado do bolso.

Enfiei a mão no bolso e busquei meu aparelho. Digitei uma mensagem para ele no whatsapp. Na foto ele estava ainda mais bonito. “Por que você não me disse que era meu vizinho?” Enviei. Eu estava plantando o verde para colher maduro. Esperei um tempo, porém ele não respondeu. Então joguei o celular de lado e fui para a cozinha.

 

Eu estava em silêncio. Meu pai e minha mãe conversavam sobre os novos vizinhos. Eu não estava a fim de ouvir. Não dessa vez. Não me importavam os novos vizinhos, talvez um, mas eu pensaria nisso depois. Continuei comendo e então notei que a Marcela não estava na mesa com a gente.

— Onde está a bebê? — Eu perguntei.

— Ela dormiu mais cedo. — Mamãe respondeu sorrindo. — Fico feliz que está se interessando um pouco mais pela sua irmã.

— Na verdade não estou. Apenas percebi que ela não estava aqui. — Respondi seco e enfiei um pedaço de cenoura na boca.

— Eles parecem ser pessoas divertidas, Edna. E eles têm crianças também. — Falou papai.

— Eu percebi pelo menos três. E tem um rapaz também. O Eduardo conheceu o rapaz, não é filho? — Mamãe perguntou e me olhando sorrindo.

— É! — Eu disse sem entusiasmo. Não sei por que ela estava fazendo isso. Ou melhor, sei sim. Só não tinha motivos. Guilherme não iria me notar. Não iria olhar para mim. Era mais velho. E bonito.

— Ele é um moleque bacana filho? — Meu pai perguntou me encarando.

— Eu não sei pai. Acho que sim. Nós não conversamos muito. — Eu menti.

Eles voltaram a conversar entre si. Foi sempre assim, papai nunca foi de dar atenção para mim. Eu não ligava, e continuo não ligando. Então terminei minha refeição em silêncio e levantei da mesa. Coloquei o prato na pia e saí caminhando devagar.

Quando vi que eles não me viam mais, corri pela escada e subi para meu quarto. Joguei-me na cama e peguei o celular. Havia notificação no meu whatsapp.

Era ele.

“Pq cara, n queria q vc achasse q sou um louco, né bro?”

Eu li a primeira frase. Ele abrevia tudo. Isso me irrita tanto, mas tentei não ligar. Li a segunda. Ele enviava frase por frase. Odeio isso.

“N iria dizer q estava espionando meu novo vizinho”

“enquanto ele cnvsva c o pai dle”

Eu tentei entender as abreviações e então entendi. Não me iria dizer que estava olhando pela janela e vendo a conversa que tive com meu pai mais cedo, antes da praia. Eu sorri sem jeito. Então era dele mesmo o quarto em frente ao meu.

“Então você está me espionando? KKKK bobo.”

Ele não de resposta. Então caminhei até a janela meio sem jeito. Não queria que ele me visse o espionando. Mas ele não iria ver. Estava aos beijos com algum garoto. Não ficaram em pé em frente à janela por muito tempo. Caíram para algo que imagino ter sido a cama.

Eu fechei minhas cortinas e fiquei em silêncio. Então ri. O que eu achei? Ele tinha falado que seriamos amigos. Não que estava afim de mim. Como fui idiota. Ri sozinho. Por um segundo, alguns segundos. Eu realmente achei que o Lucas tinha razão. Porém como sempre estava errado.

E como ele era rápido. Já estava com ficantes e tinha acabado de chegar.

Fui para cama mais cedo aquele sábado.

 

O domingo passou rápido. Já que eu dormi o dia inteiro. E a noite eu preferi não me conectar nas redes sociais. Eu queria só um tempo para mim. Para pensar em algumas coisas e me preparar para a segunda feira na escola.

O inferno iria recomeçar.

Eu acordei cedo aquele dia e vesti o uniforme. Era horrível vestir uniforme estando no terceiro ano. Mas era norma da escola. Fui até a cozinha e tomei um café rápido. Não estava com fome. Depois de fazer hora por mais alguns minutos em frente à tevê eu peguei a mochila e saí de casa.

Ainda estava meio escuro. Mas já havia pessoas na rua. Iam para o trabalho. Ou para escola também. Segunda-feira! Eu fiquei tentando lembrar quais aulas teria hoje e quem estaria na minha sala. Em somente uma aula eu iria me livrar dos babacas. Estava fodido.

Caminhava devagar sem pressa alguma para chegar à escola quando uma mota parou a minha frente no acostamento. A pessoa com capacete me olhou. Eu senti o corpo amolecer. Será que deveria correr? Era um assalto? A pessoa com capacete arrancou o mesmo da cabeça e balançou os cachos bagunçados.

— Fala aí, bom dia! — Falou Guilherme. Ele estava muito feliz para quem está de pé as seis e trinta e cinco da manhã. Eu fiquei encarando. — Vamos dar uma volta? — Ele perguntou sorrindo.

— Eu estou indo para aula! — Eu respondi sério. Fiquei olhando para ele. Ficava bonito em cima de uma moto. Era mesmo um homem. Se fosse eu ali, iria parecer o veadinho tentando ser macho.

— E não pode cabular? — Ele perguntou. — Você nunca deve ter cabulado, estou certo?

Eu senti as bochechas corarem. Ele via o fracasso em mim. Eu realmente nunca tinha cabulado aula. Não tinha razões para isso.

— Vamos! Vai ser a sua primeira vez. — Ele falou sorrindo. — E eu garanto que vai ser divertido. Nós podemos fazer várias coisas essa manhã. E depois você volta para casa e seus pais nem irão saber que você não foi à aula.

— Os professores contariam. — Eu resmungo.

— Eles não vão ligar para os pais de um aluno que faltou uma vez na vida. — Ele me disse rindo.

Eles iriam sim. Os meus pais iriam querer saber. E todos ali sabiam que eu tentei morrer. Eles sabiam das minhas visitas constantes ao psicólogo. Eles iriam avisar que eu sumi uma manhã inteira. Ou pelo menos ligariam para saber se eu estou bem.

— E aí? Vamos? — Ele perguntou me encarando.

Estava pronto para dizer não. Mas eu queria viver certo? Eu que estive me sentindo morto uma vida inteira precisava me arriscar um pouco para sentir o sangue pulsar quente. Eu precisava arriscar tudo.

— É vamos! — Eu digo.

Ele me dá um capacete que eu coloco na cabeça e subo em sua moto. É uma moto grande. E talvez eu dissesse sobre ela se entendesse sobre motos, porém, sempre preferi carros.

— Segure em mim! — Ele falou.

Eu passei os braços por sua cintura e então segurei com força. Ele partiu com a moto. Eu senti uma ansiedade diferente. Uma ansiedade boa.


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