A Intérprete - Orgulho e Preconceito Moderno escrita por Nan Pires


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada a todos que estão acompanhando a história!! Aqui está mais um capítulo para vocês, espero que gostem :)



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— Lizzie, você me empresta aquele seu vestido azul? – Jane gritou do seu quarto. – Não tenho nada para vestir!

Elizabeth revirou os olhos, mas disse que sim. Não que não gostasse de dividir suas roupas, mas sabia que a irmã tinha peças lindas no guarda-roupa, só que era muito insegura para usar o que ela mesma havia escolhido.

— Claro, Jane, mas por que não usa aquele verde? Acho que destacaria seus olhos.

— Eu gosto dele, mas aquela sandália que comprei para usar junto é tão brilhante, não gosto de ninguém olhando para os meus pés.

— E desde quando alguém repara em pés? Aliás, não seja boba, seus pés não são feios!

— Mas não são bonitos.

Lizzie sorriu, sabia que não adiantava discutir com Jane. Quando ela colocava uma ideia absurda na cabeça, não tirava. Não que ela fosse diferente, a teimosia talvez, fosse uma de suas características mais marcantes.

— Aqui está. – Elizabeth disse ao chegar ao quarto da irmã e encontra-la finalizando a maquiagem em seu roupão.

— Uau, vermelho? – Jane exclamou diante da imagem de sua irmã mais nova em um longo vestido vermelho, um visual simples, porém elegante. – Está querendo surpreender alguém é?

— Não seja boba, só estou animada. – Lizzie respondeu após dar uma voltinha.

— Vem cá, senta aqui. – Jane quase empurrou Elizabeth na cadeira. Começou, então, a mexer em seu cabelo e menos de quinze minutos depois anunciou que tinha terminado.

Os longos fios castanhos levemente ondulados de Elizabeth estavam presos a um bonito coque, estilo século XIX, estava ainda mais bonita naquele visual. Agradeceu a irmã e voltou para seu quarto para finalizar a maquiagem enquanto Jane se enfiava no vestido azul.

Poucos minutos depois, as irmãs estavam prontas e Charlotte chegou para busca-las. As três estavam muito animadas com o evento, fazia um bom tempo que as elas não saiam juntas e mais tempo ainda que não iam a uma festa de gala do hospital. Aqueles chamados “coquetéis” costumavam ser muito divertidos e geralmente se resumiam a ver todo mundo em trajes sociais e coloridos, ao invés das roupas brancas de costume, e fazer comentários sobre como o fulano é mais relaxado ou atraente, ou sobre os pares de seus amigos e até mesmo, conhecer médicos e enfermeiros de outros hospitais. Algumas vezes, poucas, mas aconteceram, o evento acabou sendo mais um trabalho, porque Elizabeth teve que bancar a intérprete de médicos que não falavam a mesma língua. Lizzie ria quando se lembrava do conselho de um professor “nunca aceite almoçar com o palestrante, na verdade, isto não é um convite para networking, e sim, para você continuar o trabalho sem receber”. Era a mais pura verdade e isso servia para jantares também, mas ela raramente se incomodava, afinal, gostava tanto do seu trabalho e considerava-o tão importante, que ficava até orgulhosa de si mesma. Ela era a ponte entre dois mundos, entre duas pessoas, e nada podia ser mais gratificante.

— Chegamos. – Anunciou Charlotte, ela era de um terceiro país, e Elizabeth achava o sotaque dela quando falavam em inglês, um pouco mais puxado, ao que Jane respondia que era fofo.

O evento acontecia em um hotel, era comum que parte dos convidados, geralmente os que não tinham que trabalhar no dia seguinte, acabassem ficando por ali mesmo, assim podiam beber sem se preocupar, sair mais tarde e relaxar. O manobrista levou o carro das garotas e elas entraram na recepção. Assim que apareceram, com seus vestidos e penteados bonitos, uma moça veio perguntar se eles estavam ali para o baile da Associação Médica da cidade. Charlotte respondeu que sim e deu os três sobrenomes, ao que a mulher lhe sorriu e indicou o caminho.

— Senhorita Lucas! Senhorita Bennet! – A chefe de Charlotte e Elizabeth foi a primeira pessoa a vê-las e cumprimenta-las. Ela estava muito bem vestida em um terninho de risca e sapatos de salto alto que alongava sua silhueta. – Vocês estão muito elegantes, moças. E claro, sua irmã também. – Disse sorrindo para Jane.

As garotas agradeceram e ela continuou falando sobre como ela estava feliz com a volta de Elizabeth porque enquanto ela entrou de férias, uma das intérpretes resolveu pedir as contas e deixou que a equipe se virasse nos trinta com menos funcionários.

— Sinto muito saber disso, e quem foi que saiu? – Elizabeth perguntou curiosa, provavelmente, essa era uma das novidades que Charlotte disse que contaria.

— A senhora Anderson, acho que vocês não conversavam muito. O marido dela recebeu uma proposta de trabalho em outra cidade. Boa intérprete de português ela, vai fazer falta.

Elizabeth tentou se lembrar da tal Anderson, mas ela provavelmente trabalhava em outro hospital, porque nada lhe veio à mente. Eram muitos intérpretes e eles raramente se encontravam na central, só nas reuniões que aconteciam uma vez por mês, no geral, eram enviados para determinados hospitais e eram neles que trabalhavam. Alguns eram mais antigos nos hospitais do que os próprios médicos e até brincavam que já podiam clinicar sozinhos.

— Bem, minhas queridas – a senhora encostou a mão no ombro de Lizzie, como quem pede licença. – Preciso ir trocar umas palavrinhas com o sr. Collins, sim?

— Claro, sra. Wilson, pode ir, não se incomode conosco. – Elizabeth respondeu cordialmente, afinal, passar o evento inteiro falando com sua chefe realmente não estava nos seus planos.

— Obrigada, divirtam-se, garotas! – Ela começou a se afastar, mas então lembrou-se de algo e virou na direção delas novamente. – Ah, srta. Bennet, esqueci de te pedir para passar no escritório antes de ir para o hospital. Umas oito horas, está bem?

— Claro, sra. Wilson, estarei lá na segunda. – A jovem respondeu um pouco confusa, ela passaria lá de qualquer maneira, era o certo a se fazer quando se voltava das férias.

— Acho que ela anda trabalhando demais, está meio biruta. – Foi Charlotte quem comentou, assim que viu que a chefe já estava a uma distância segura.

— Deve ser. – Elizabeth deu de ombros e recebeu da irmã um olhar confuso. – Não deve ser nada demais, só achou que eu não soubesse – ela tentou esclarecer, mas Jane continuou pensativa. – Vamos pegar uma bebida e arrumar uma mesa, estou com sede.

Jane e Charlotte concordaram e elas começaram a atravessar o salão em direção ao bar. O ambiente não estava cheio, mas havia uma quantidade considerável de pessoas, todas vestidas em ternos ou com vestidos longos, a maioria em tons diferentes do branco, porém sóbrios, o que fazia o colorido das irmãs Bennet se destacar. Charlotte vestia um tomara que caia bege que contrastava muito bem com sua pele morena. O trio estava arrancando alguns olhares e Elizabeth, a mais perspicaz do grupo, já havia notado e apesar de se sentir lisonjeada, acabou se chateando um pouco com a escolha de seu vestido. Tinha tanto mais a oferecer, uma boa conversa, uma carreira incrível, mas tudo o que as pessoas pareciam notar eram as curvas típicas das mulheres de seu país. Elas eram lindas, com certeza, mas o fato de algumas pessoas só enxergarem aquilo a deixava irritada.

Foi em meio a esses pensamentos que ela acabou esbarrando em um sujeito que estava a sua frente. Ele estava de terno, como a maior parte dos convidados, era um pouco mais alto que ela e tinha porte atlético, dava para perceber, mesmo debaixo de toda aquela roupa chique.

— Ah, perdão! – Ela começou, mas notou um revirar de olhos e ficou sem paciência. Tudo bem, ela tinha esbarrado nele, mas foi sem querer, e já tinha pedido desculpas, o que mais ela poderia fazer?

Lizzie foi completamente ignorada, o sujeito simplesmente se virou, pegou um guardanapo de pano que estava em uma mesa ali do lado e começou a se limpar. Ótimo, ela tinha derrubado vinho no senhor simpatia, mas ela até que entendeu aquele revirar de olhos, ela também teria feito isso se uma louca que estava no mundo da lua tivesse derrubado algo em seu vestido.

— Escuta, desculpa pela sua camisa, eu posso pagar a lavanderia, se você deixar. – Lizzie não estava muito certa de que manchas de vinho podiam ser removidas, mas aquela fora a melhor ideia que tivera.

— Não se preocupe. – Ele respondeu ainda passando o guardanapo na mancha. – Acho que estou mais frustrado com o fato da minha bebida ter caído do que com a camisa em si. – A voz dele era polida e séria, fez Elizabeth estremecer, não sabia se ele estava sendo grosso ou tentando fazer uma piada.

— Bom, nesse caso, peço pegar outra para você. – Elizabeth tentou se manter o mais neutra possível, avaliando seu interlocutor. Nesse meio tempo, sua amiga e sua irmã já tinham percebido que Lizzie havia ficado para trás e retornaram para perto dela.

— Liz, tudo bem? - Jane perguntou baixinho.

— Sim, claro, eu só...

— Não se preocupe, é melhor eu mesmo ir pegar outra, não me leve a mal, mas você me parece um pouco desastrada e poderia sujar o resto das minhas roupas.

Elizabeth sentiu-se corar. Se ele tivesse usado outro tom de voz, ela até poderia ter se convencido de que era uma piada, até mesmo um flerte, mas daquele jeito sarcástico? Ele só podia estar zombando dela, estava pronta para lhe dar uma bela de uma resposta, quando um outro rapaz entrou no meio da conversa.

— A senhorita queira desculpar meu amigo, creio que ele não está em um bom dia hoje.

O moço em questão era o oposto do grosseirão. Ele era um pouco mais magro e tinha cabelos loiros um tanto bagunçados. Sua voz era calma e exalava simpatia. Elizabeth poderia jurar que por uma fração de segundos viu os olhos de sua irmã brilharem. Ela sorriu internamente.

— A propósito, sou o dr. Charles Bingley e esse da cara amarrada é o dr. Fitzwilliam Darcy. – Ele sorriu de uma forma tão espontânea, enquanto seu amigo bufou ao seu lado.

— É um prazer, senhoritas, mas preciso ir até o banheiro. – O tal Darcy disse sugestivamente enquanto olhava para a parte da camisa que estava manchada e então se retirou.

Elizabeth fez um breve aceno. Não voltaria a se desculpar com aquele grosso de jeito nenhum, sua vontade era pegar uma garrafa inteira de vinho e dar com ela na cabeça dele, mas se conteve, ainda mais ao perceber o interesse de sua irmã pelo amigo dele.

— Eu sou Elizabeth Bennet, esta – Ela disse empurrando Jane um pouco para frente. – É minha irmã, Jane e aquela é a nossa amiga, Charlotte Lucas.

— Vocês já têm uma mesa ou gostariam de se juntar a nós? – Ele perguntou sinalizando a mesa ao lado.

— Ah, claro. Por que não? – foi Jane quem respondeu com um sorriso tímido.

Então, as garotas se acomodaram na mesa que naquele momento estava vazia. Elizabeth garantiu que sua irmã se sentasse ao lado de Bingley, ela mesma estava um pouco incomodada, pois sabia que o tal Darcy logo voltaria.

— Então, para qual hospital vocês trabalham? – O jovem perguntou um tanto sem jeito, tentando puxar assunto.

— Eu não trabalho nessa área, apenas estou acompanhando minha irmã. Ela e a Charlotte são intérpretes comunitárias no St. Mercy.

— Intérpretes, que legal! Sempre achei o que vocês fazem maravilhoso, trabalhamos com alguns no Hopkins. Se não fossem por vocês, teríamos o maior trabalho com nossos pacientes, recebemos muitos imigrantes e estrangeiros lá.

Elizabeth e Charlotte ficaram orgulhosas, não eram muitas as pessoas que realmente davam importância para o trabalho delas. Algumas simplesmente achavam que se você não falasse a língua do local, não tinha o direito de ficar doente, muito menos receber qualquer tipo de tratamento.

— Mas e você, senhorita Bennet? O que faz? – Bingley perguntou.

— Só Jane, por favor. – Ela respondeu sorrindo. – Sou arquiteta, atualmente estou trabalhando no projeto de uma casa de campo em uma cidade vizinha.

A conversa continuou por um curto período de tempo, até que uma moça esbelta e loira em um vestido que parecia custar umas três ou quatro vezes o salário de Elizabeth, chegar e praticamente desmontar em uma das cadeiras ao lado dos quatro.

— Eu sinceramente não sei qual o problema desse povo! Eu só queria uma bebida, Fiquei quase uma hora atrás de uma garçom para ouvir que eles não tinham mais vinho. Que tipo de festa fica sem vinho nas duas primeiras horas? Vou mandar um e-mail para a organização, isso é simplesmente inadmissível.

O jovem Bingley lançou um olhar de advertência para a recém chegada e tratou de apresentar todos.

— Caroline, minha irmã, deixa eu te apresentar Jane e Elizabeth Bennet e Charlotte Lucas.

— Prazer, Caroline Bingley. – Ela deu um sorriso forçado para as garotas que retribuíram com educação.

Jane era incapaz de ver defeitos em qualquer um, mas Lizzie não teve a melhor das impressões da irmã do tão simpático senhor Bingley. Após o cumprimento, Caroline não demonstrou interesse nenhum em socializar e começou a mexer no celular, enquanto isso, Bingley e sua irmã iniciaram uma conversa a dois sobre a casa que Jane estava projetando, então Lizzie e Charlotte decidiram colocar as novidades em dia. Minutos depois, o cara grosseiro, em quem Elizabeth esbarrou um pouco mais cedo, reapareceu. Sem cerimônia, ele tomou seu lugar ao lado de Caroline e os dois trocaram algumas palavras. Ele parecia um pouco aborrecido, enquanto a mulher estava praticamente se jogando para cima dele.

A conversa continuou por mais um tempo, depois vieram alguns anúncios de médicos e profissionais da área no palco, muitos aplausos, e para encerrar, uma pequena banda para tocar. Nesse momento, algumas pessoas se dirigiram para o centro do salão para aproveitar o restante da noite.

— Minha parte favorita. – Jane comentou animada.

— Mas que coincidência, também é a minha. – Bingley disse com um sorriso e estendeu o braço para ela. – Você me acompanha?

Jane avisou Elizabeth que estaria dançando com Bingley e acompanhou-o toda contente. Naquele momento, Lizzie observou pelo canto dos olhos a recusa de Darcy quando Caroline convidou-o para a dança. Ele disse que não dançava, curto e grosso, e apesar de Elizabeth não ter simpatizado com a moça, ficou com um pouco de pena dela, mal sabia ela que isso não duraria muito.


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