Cianeto escrita por roux


Capítulo 2
Feliz Aniversário




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Murilo caminhou pelo velório cheio de gente. Estava se sentindo sufocado, odiava lugares cheios e naquela situação tudo era pelo menos dez vezes ainda pior. O cheiro de rosas, e flores no geral além das velas estava embrulhando seu estômago, ele só queria sair do local e respirar um pouco de ar noturno para tentar acalmar seus nervos. Não aguentaria continuar ali dentro de qualquer forma iria desmaiar se continuasse insistindo. O choro. Os rostos tristes. A conversa sussurrada, as orações. Era muita coisa. Ele não queria continuar vendo tudo aquilo e sentindo seu corpo tremer como se ele estivesse recebendo socos fortes na barriga. Conseguiu sair sem chamar a muita atenção e olhou o grande céu claro. As estrelas e a lua. Sentou-se num pequeno banco de madeira e ficou ali quieto.

Ele já não aguentava ouvir tanto “sentimentos” das pessoas; Só queria ficar um pouco sozinho, e ficaria.

Estava enganado.

— Eu tinha certeza que iria encontrar você distante da família e sofrendo sozinho! Você é tão previsível. — Falou Tomaz que chegou devagar e se ajoelhou no chão em frente ao namorado.

Murilo sentiu que as suas mãos foram tocadas e fechou os olhos. Estava em segurança. O cheiro do namorado o trazia conforto. Ele voltou a chorar ao perceber que ele estava ali agora. Ele não estava mais sozinho.

— Ei meu amor. Não chore! Estou aqui com você agora! — O homem ajoelhado no chão, Tomaz, levantou-se e sentou ao lado do namorado. O abraçou e beijou a cabeça com toda a ternura do mundo. — Eu estou aqui, você não está sozinho! — Ele completou com um doce meigo na voz.

— Eu ainda não acredito que ela se foi. Ela estava segurando a minha mão e então simplesmente parou. — Murilo confessou entre o choro. — Eu não queria que ela tivesse ido.

— Eu sei que não meu amor. Mas infelizmente chega uma hora que todos vão. — Tomaz disse baixinho e procurou a boca do namorado. O beijou com carinho, sem importar-se que a boca do outro estava salgada por conta das lágrimas.

Os dois se beijaram por um tempo. Então Murilo parou o beijo para respirar. Respirou fundo. Estava apenas há algumas horas longe do namorado, mas a saudade tinha sido grande, estar com ele tão perto foi à única coisa que ainda preservou sua sanidade.

— Eu acho melhor entrarmos, quero cumprimentar o seu pai! — Falou Tomaz levantando e estendendo a mão para o namorado.

Murilo segurou a mão do amado com pouca força e se levantou.  Os dois caminharam juntos de volta para dentro do velório municipal. Murilo não queria voltar, mas iria. Tinha que ser forte.

 

 

— Oi, Tomaz! — Falou o pai de Murilo quando Tomaz o cumprimentou. O homem puxou o genro sem cerimônia nenhuma e o abraçou dando três tapas em suas costas.

— Eu sinto muito, meus pêsames. — Falou Tomaz evitando olhar o sogro nos olhos. O rapaz já tinha visto o sogro chorando e não queria fazer o mesmo também.

— Obrigado meu filho. Obrigado! — Falou o homem. — Eu vou cumprimentar as outras pessoas. Não direi para ficar a vontade, mas você entendeu né? — O sogro perguntou para Tomaz.

O homem balançou a cabeça em afirmativa e viu o sogro se afastar. Ele apertou a mão de Murilo com um pouco mais de força. Ele próprio entendia agora. A sensação de estar ali naquele velório era apavorante. Ele não tinha tido muito contato com a avó de Murilo, mas sentia a tristeza. Era uma senhora muito querida, o local estava cheio de pessoas chorando. E ele tinha certeza que não eram parentes de Murilo.

Murilo deitou a cabeça no ombro do namorado e fechou os olhos. Sentiu o cansaço e o estresse todo de uma vez. Respirou fundo e o cheio de rosas e velas mais uma vez o enjoou.

— Eu acho que vocês deveriam ir para casa descansar. Vocês estão cansados. Dirigiram por horas. — Falou a mãe de Murilo.

O rapaz abriu os olhos assustados e encarou a mãe, sua madrasta, mas sua verdadeira mãe. Ela estava com olheiras nos olhos e olhos inchados de tanto chorar. Murilo sentiu-se culpado mais uma vez. Se estivesse por perto talvez à família não tivesse ficado tão sobrecarregada.

Ele abriu a boca para falar que não precisava.

— Eu acho melhor você ir tomar um banho e descansar. Você está muito abatido. — Falou Tomaz com carinho. — Eu lhe trouxe roupas meu amor.

— Isso mesmo, leve ele para casa, Tomaz. Descasem. Amanhã cedo vocês voltam para o enterro. — Falou à mãe que deu um passo para frente e então ela beijou os dois garotos no rosto. — Vão lá. Você sabe onde guardamos a chave, meu anjo!

Os dois assistiram a mulher se afastar. Então Tomaz beijou a cabeça de Murilo uma vez.

— Vamos, meu amor. Você precisa descansar. — Falou Tomaz baixinho e segurando o namorado pela cintura.

 

A noite não rendeu. E Murilo não dormiu. Conseguiu cochilar só depois das quatro da manhã, porém agora as sete ele já estava no banheiro arrumando suas vestimentas de funeral, estava todo de preto. Ele se encarou no espelho. “Estou horrível, como nunca estive antes!” Pensou enquanto tocava suas olheiras com as pontas dos dedos. Ele respirou fundo e colocou os óculos escuros nos olhos. Saiu do banheiro rapidamente e encontrou o namorado sentado no sofá da sala de sua antiga casa. Ele teria gostado de ver essa cena se fosse em qualquer outro momento.

— Eu estou pronto! — Ele falou baixinho e tocou seu namorado no ombro. — Vamos lá.

Tomaz levantou em silêncio e deu o braço para Murilo segurar. Esse segurou, estava mesmo fraco demais para conseguir caminhar sozinho. Quantas horas fazia que ele não ingeria alimentação? Mentiu mais cedo só para agradar Tomaz, mas jogou todo o café da manhã no lixo. Respirou cansado e caminhou quieto ao lado do namorado.

A viagem de carro não foi longa até o velório. Eles chegaram quando o caixão começava a ser retirado para ser levado ao cemitério ali perto. Caminhariam. Não era longe.

E assim fizeram. Murilo sempre ao lado de Tomaz. Não soltou o braço do namorado por nada. Não queria, e não iria.

O enterro começou. A avó não era religiosa, porém o padre local foi chamado.

— Que a graça do nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus, o Pai, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos os irmãos e as irmãs, em especial, com vocês a família enlutada. Reunimo-nos em nome e na presença do Trino Deus, do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Lembramos o nosso socorro, auxílio, conforto e consolo ele vem do Senhor que criou o céu, a terra e a todos nós. Estamos reunidos para nos despedir de nossa irmã, o seu falecimento traz tristeza e dor para a família e para todos os que tinham amizade com ela. Estamos reunidos como comunidade cristã, que crê e confia que a morte não tem a última palavra sobre nós. Cremos e aguardamos a salvação e a vida eterna e buscamos o consolo na Palavra de Deus. Jesus Cristo diz em João 16.33b: “No mundo vocês passam por aflições; mas não tenham medo, eu venci o mundo.” Este consolo não nos deixa sozinhos. Eterno no sofrimento. Cristo é nossa esperança! — Falou o padre.

Murilo ouviu tudo aquilo em silêncio. Não fazia muitos sentindo e não trazia consolo algum, pelo contrário. Ele só sentia vontade de chorar e se jogar por cima do caixão da avó.

— Vamos começar a oração! — Falou o padre colando uma mão na outra e depois fazendo o símbolo da trindade. — Em nome do pai, do filho, e do espirito santo.

— Amém. — Falou todos os reunidos em uníssono.

— Deus e Pai! Olha misericordiosamente para todos nós que estamos profundamente abalados por causa da morte de nossa irmã. Ajuda-nos a confiar em ti em meio à dor e desespero. Consola e fortalece a família, e desperta a solidariedade na tua comunidade para que todos sejamos um ombro amigo para o apoio e para a ajuda. Revela a tua presença amorosa aos enlutados e orienta-os nas horas de aflição através da tua Palavra. Desperta nossa confiança no Senhor e Salvador Jesus Cristo, que nos conduz à morada eterna. Amém.

 — Amém! — Falou todos os reunidos novamente em uníssono.

O caixão começou a ser baixado para dentro da cova. Murilo sentiu um arrepio enorme tomar seu corpo. Então sua pressão baixou. Ele sentiu um sopro de alegria. Era sua avó. Ele sabia que ele dizia para ele ficar bem. Começou a chorar e se prendeu no abraço do namorado.

 

O dia se passou. Estavam todos exaustos dos dias que se seguiram. Todos em volta da mesa. Porém ninguém comia. Ninguém estava com fome, com exceção de Tomaz, mas esse não comia em respeito aos outros.

— Eu estou indo embora. — Falou Murilo levantando.

— Não filho. Está tarde. Descasem. — Falou o pai.

— Eu quero a minha casa. A minha cama! — Murilo respondeu sério e respirando devagar.

Todos olharam para ele. O olhar do pai ficou ainda mais triste.

— Eu não... Desculpa pai. Eu não quis dizer isso. Eu só quero o meu cantinho. Aqui sempre será a minha casa, mas lá é onde eu moro agora. Eu quero descansar em casa. Foram dias cheios para todo mundo. Vocês também precisam, e a casa cheia... — Ele se calou. Não estava tão cheia agora. — Eu só preciso ir...

O pai acenou com a cabeça. Positivamente.

— Eu sei, eu entendo. Mas tomem cuidado na estrada. E assim que chegar em casa me avise. Não vou dormir até receber sua ligação. — O pai falou levantando da mesa.

Murilo foi até o pai e o abraçou. Ficou lá um tempo e depois foi cumprimentar todos. Era hora de ir. Ele não queria ficar ali nem mais um segundo. A casa o estava deprimindo.

Ele beijou a todos e foi para o carro. Fechou a porta e ficou esperando Tomaz.

 

A viagem de carro foi longa. Mais longa do que Murilo achou que seria. Já passava da meia noite quando eles estacionaram o carro na garagem do prédio. Ele tirou o celular do bolso e ligou para o pai antes de entrar no elevador.

— Pai? — Ele perguntou quando a ligação foi atendida no primeiro toque. — Eu cheguei... Estamos bem. — Ele esperou em silêncio. — Pai... Eu amo você!

Ele desligou o celular e entrou no elevador. Tomaz carregava uma grande mochila. Os dois subiram até o vigésimo andar em silêncio. Ao entrar em casa ele viu um grande embrulho de presente no sofá preto.

— O que é isso? — Murilo perguntou e se virou para Tomaz.

— É o seu presente. Feliz aniversário, amor! — Respondeu Tomaz com um sorriso de canto.

Murilo ficou atônito.

— Eu havia esquecido. — Ele falou.

— Eu sei amor. — Falou Tomaz abraçando o namorado. — Não tem problema, sei que não estamos num momento festivo. Mas eu comprei um presente. Não queria que passasse em branco. Eu te amo. Feliz aniversário!

Os dois se beijaram ali no meio da sala até a companhia tocar.  

— Ué? Não ouvi o interfone! — Falou Murilo se afastando. — Quem será? O porteiro?

O garoto caminhou até a porta e abriu. Ninguém, mas no chão havia uma caixa de presente. Pequena. Ele sorriu e olhou para o namorado.

— Você? — Ele perguntou.

Tomaz ficou confuso.

— Não! Quem será que mandou?

Murilo balançou a caixa e um bipe pequeno começou a soar. Era uma contagem regressiva. Ele ficou balançando a caixinha perto do ouvido. Foi quando ouviu Tomaz gritar seu nome. Ele não entendeu o motivo do grito, mas sentiu a caixa ser arrancada de suas mãos.

Tomaz rapidamente jogou a caixa para trás do balcão da cozinha do apartamento e pulou em cima de Murilo o derrubando no tapete ao lado do sofá.

A explosão então aconteceu na cozinha.


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