Sobre bolos e tigres escrita por Sarin


Capítulo 1
Sobre bolos e tigres




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Seu estômago roncava, avisando que, se não encontrasse logo algo comestível, iria fazer a maior algazarra até afetar o resto do corpo de Will. Até poderia ir à cozinha e procurar algo para comer, porém a preguiça de sair debaixo da coberta quente que dividia com Nico predominava.

— Estou com fome. — Nico murmurou, aninhando-se no peito do mais velho. — Pode ir pegar alguma coisa?

— Por que você não vai até a cozinha e pega algo por conta própria? Pelo que sei, di Ângelo, Deus deu-lhe pernas para que fossem usadas e-

— Vá logo. — o baixinho descobriu o namorado repentinamente, fazendo com que ele desse um gritinho devido ao choque de temperatura. — Eu estou esperando.

Will bufou e murmurou um "você me paga". Não havia escolha: ou o loiro iria à cozinha e preparava alguma coisa ou o loiro ia à cozinha e preparava alguma coisa. Em momentos como aquele, Solace tinha uma vontade extrema de estrangular o namorado — só tinha vontade mesmo, Nico era adorável demais para morrer. 

O cômodo cinza estava três vezes mais frio do que a sala. O grandalhão encolheu-se e soltou um gemido, relembrando o quão prazeroso era estar debaixo de um cobertor quente e fofo, junto a uma pessoa quente e fofa. Abriu o armário ao lado do fogão, onde guardavam tudo o que fosse de industrializado e altamente calórico.

Nada.

Estranhou, contudo continuou sua busca. Abriu outro armário, onde ficavam os pães e ingredientes como farinha e açúcar. Vazio, como o primeiro — tirando uma sacola plástica solitária que estava perdida num cantinho escuro do armário. Decidiu, por fim, abrir a geladeira, pensando que a salvação estava ali dentro.

Xingou baixinho quando descobriu que ali havia uma caixa de leite e nada mais. Devia fazer alguma coisa? Havia se esquecido de ir ao mercado? Não havia uma fruta sequer na fruteira, nem um pedaço de pizza esquecido no fundo da geladeira. 

— Nada! — avisou, voltando para a sala.

— Como assim "nada"? — Nico questionou, levantando-se. — Você olhou direito?

— Bem, depende, você quer comer óleo e azeite?

— Ah, pelo amor de Deus, Will. — o mais baixo reclamou, caminhando até a cozinha. — É impossível não ter nem um pedacinho de presunto aqui.

Refez todos os passos do namorado: abriu os armários, procurou na fruteira e até vasculhou o forno. Nada além de ar e pó — precisavam limpar os cantos dos armários urgentemente. Então, quase sem esperança, abriu a geladeira, dando de cara com a caixa de leite.

— Eu disse! Não tem na-

Will calou-se assim que o di Ângelo tirou, do fundo da geladeira, um tupperware azul. Podia jurar que era algo como restos de algo que havia ficado lá por tempo suficiente para estar estragado.

— Nada, não é mesmo?

O loiro colocou seu melhor bico no rosto e abriu o tupperware.

Bolo.

Era de verdade? Não estavam sonhando, estavam? Um lindo e reluzente pedacinho de bolo de chocolate encontrava-se armazenado no pote de plástico, assumindo o título de "Salvação de um casal que não lembra de ir ao mercado e, depois, ficam reclamando como dois velhos". De fato era um milagre, no entanto havia somente mais um problema: o pedaço era minúsculo demais para ser dividido entre duas pessoas.

— Amor, — Solace chamou, tentando soar o mais fofo possível — Eu posso?

Nico deu uma risadinha.

— Eu que encontrei, amor. Sinto muito.

— Por favor, Nico. — choramingou. — Meu estômago está doendo de tanto que ronca. Eu prometo fazer outra coisa para você!

— Vai fazer o quê? Fritar o leite? Poupe-me, Solace.

— Você é mau, di Ângelo. — bufou, sentando-se à mesa da sala de jantar. — Olhe, vamos ver o meu lado...

Nico revirou os olhos, colocou o tupperware no centro da mesa de vidro e sentou-se de frente ao namorado. Esperava um bom argumento da parte do mais velho, porque seria chato derrubar algo sem fundamento algum.

— Três pratos de trigo para três tigres tristes. — disse, sério.

Nico segurou uma risada.

— Fale o meu idioma, Will, por obséquio.

— Lembra-se deste trava-língua? Pois então, tem alguma ideia do porquê dos tigres estarem tristes? — o baixinho negou com a cabeça. — Eles estão tristes porque não gostam de trigo, Nico. Eu sou um tigre. Para mim, é impossível comer trigo puro, sendo assim, também ficaria triste caso me dessem trigo quando eu estivesse faminto. Tigres gostam de coisas doces. Mais especificamente: tigres amam bolo. Eu sou um tigre. Dê o bolo para mim e o novo trava-língua será "um tupperware com bolo para um tigre feliz".

O moreno encarou o mais alto como se fosse um louco que acabara de fugir do sanatório. Estaria rindo se Will não estivesse com uma expressão tão séria no rosto. Era evidente que o Solace queria aquele maldito pedaço de bolo mais do que qualquer coisa.

— Por que eu te namoro?

— Porque eu sou uma pessoa maravilhosa e, por ser assim, você vai me dar esse doce, não é?

— Não.

Parecia que o grande argumento de Will não havia surtido efeito.

— Oh, amor, por favor.

— Não.

— Eu lavo suas roupas por uma semana.

— Não.

— Um mês.

— Não.

— Um ano.

— Não.

— Dois.

— Eu não vou te dar, Will.

Tentou pensar em algo que convencesse o enfezado. Di Ângelo poderia ser totalmente cabeça-dura quando quisesse, defeito o qual dificultava as tentativas de persuasão de Solace. Precisava de uma ideia brilhante tanto quanto precisava daquele bolo em seu estômago.

— Eu te dou um beijo.

— Vai começar com isso agora, Will?

Levantou-se da cadeira e caminhou até o pequeno. Abaixou-se e deu um beijo na testa de Nico, que permaneceu imóvel, apenas observando até que ponto o mais velho iria. Deu outro beijo, dessa vez na orelha, arrancando uma risadinha de Nico — era um lugar bem estranho para fazer cócegas. Mais um, no nariz. Outro na bochecha. Deu um quinto na orelha, só para ouvir a risada gostosa do namorado novamente.

— Vai me dar agora? — perguntou, ajeitando a mecha de cabelo a qual insistia em atrapalhar sua visão.

— Esqueceu-se de um lugar.

Will riu. Aproximou-se novamente do baixinho enfezado — seu baixinho enfezado —, dessa vez com um sorriso travesso no rosto, e selou os lábios nos dele. O loiro beijou-o da melhor forma possível, não só porque queria o doce: Nico era precioso demais. Certo, poderia ser chato e mais rabugento que um velho de oitenta anos, porém era doce, divertido e amável. Will queria abraçá-lo e nunca mais soltar, guardá-lo em um pote e proteger da maldade do mundo. Era um idiota, um viciado em Nico di Ângelo e admitia que jamais largaria tal vício. Amava Nico com todas as forças e poderia dizer isso a qualquer um, sem medo do que iriam pensar. 

Nico era o bolo que deixava o tigre Solace feliz.

— Vai me dar agora?

— Nem pense, amor.

Will riu.

— Vamos comer alguma coisa de verdade, sim?


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