Um Refúgio em Silent Hill escrita por Mara S


Capítulo 2
Jillian




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O barulho de música alta e conversa na boate atrapalhava a conversa de Emily com o barman. Ela tentava dizer a ele que precisava sair por alguns minutos, mas parecia difícil para o homem entender.

– EU NÃO QUERO FALAR PRO LUCA! NÃO VAI DEMORAR NADA!

– Linda, eu não escuto porra nenhuma!

Emily xingou alguma coisa, saindo do bar. Caminhou por entre as mesas ouvindo provocações de vários homens, até chegar à porta do fundo. Subiu entediada até o primeiro andar e abriu a porta do chefe, sem nem ao menos bater.

– Luca! Preciso falar com você rápido!

– Meu Deus, garota! Você não pode ir entrando assim! Não pense que vou relevar isso só porque você é a que mais lucra na noite.

Luca era o safado dono do Heaven’s Night, com aparência de executivo, mas erudição de um cafetão, que gostava de pagar hora extra com suas dançarinas. Só mais um pervertido em Silent Hill, como Emily costumava dizer.

– Eu preciso sair por alguns minutos essa noite.

– Hoje? Sexta-feira? – perguntou saindo de trás da mesa e se aproximando de Emily.

– Eu preciso soletrar pra você? – respondeu irritada.

– Em todo esse tempo aqui você nunca pediu nada. Então, vou abrir uma exceção hoje. Vai logo antes que mude de idéia!

Emily já estava na porta quando Luca disse autoritário:

– Mas se o movimento ficar maior e souber que não está aqui... As coisas ficarão ruins para você, mocinha!

Emily mandou um beijo para Luca de longe e fechou a porta com um estrondo.

– Maldito pervertido – disse já do lado de fora, descendo rapidamente as escadas até o vestuário.

Naturalmente não iria ao hospital com aquela roupa. Colocou rapidamente um casaco de algodão e saiu pela porta do fundo em direção ao hospital Brookhaven. O som da boate ia lentamente se afastando enquanto caminhava na calçada molhada pela chuva que deveria ter acabado há poucos minutos.

Emily entrou no hospital psiquiátrico chamando uma das balconistas. A mulher a olhou de cima a baixo antes de perguntar com tom arrogante:

– Visitas só amanhã.

– Você poderia chamar a enfermeira Rachel Smith aqui? Por favor. Fale que é a amiga dela Emily, sim? É um pouco urgente.

– Deixe-me ver... – a mulher olhou com preguiça uma lousa na parede. – Ela está em plantão sim, mas não sei se pode atender.

– Meu Deus, é urgente! E não saio daqui até ela aparecer – Emily reclamou com a recepcionista.

– Espere lá fora, sim? Eu vou chamá-la.

Emily concordou com olhar irritado. Saiu novamente e apoiando-se em uma mureta na entrada do hospital esperou pela amiga. Rachel era a única amiga de Emily na cidade e que agora iria mudar-se para Ashfield por motivos pessoais. Ela continuaria trabalhando na cidade, mas isso atrapalharia a amizade das duas, naturalmente. Ela mudaria dentro de dois dias e havia perdido sua carteira. Estava desesperada; mas Emily acabou achando-a em seu apartamento naquele mesmo dia. Antes que Rachel pudesse realmente usá-la achou melhor trazer até seu emprego.

Observava entediada alguns insetos voarem pelo poste iluminado da entrada, quando escutou alguém conversar com ela.

– Boa noite.

Emily virou-se curiosa para a origem da voz. Era um homem talvez ou pouco mais velho que ela, cabelos loiros e olhar cansado. Vestia calças jeans e jaqueta esverdeada.

– Noite – Emily meramente respondeu.

– Conhecido aqui no Brookhaven?

– Não. Uma amiga trabalha aqui. Eu só vim trazer algo para ela.

O homem se aproximou e começou a olhar o céu sem nuvens.

– Você parece cansado – Emily falou repentinamente.

– Minha esposa teve uma crise e a trouxe pra cá. Ninguém consegue controlá-la... A doença está a consumindo – respondeu tristemente. – Ninguém sabe explicar o que está acontecendo. E eu acho que estou sendo consumido junto.

– Isso é normal... Mas não é saudável se destruir assim.

– Talvez você esteja certa... – ele fitou seus olhos acinzentados e disse – Qual seu nome?

– Você pode me chamar de Jillian – Emily respondeu sorrindo.

– Só Jillian?

Emily concordou com a cabeça.

– Meu nome é James Sunderland.

Nesse momento a enfermeira Rachel surgiu na porta com um olhar curioso no rosto. James disse:

– Bom, parece que sua amiga chegou. Prazer em conhecê-la – falou para Emily. Ela disse sorrindo antes que James fechasse a porta:

– Pense no que eu te disse. Se precisar conversar estou no Heaven’s Night.

James vacilou um pouco confuso antes de desaparecer. Rachel, depois que já se encontrava sozinha com a amiga disse:

– Você não presta! Você tem idéia do que está passando com a esposa? E ainda fala uma coisa dessas! – parecia horrorizada.

– Não fiz nada. O coitado só precisa descansar um pouco. Você viu a cara dele? Minha profissão é exatamente essa.

– Mas você não está dentro da boate!

– Eu disse que chamava Jillian... – Emily falou sorrindo maliciosamente para a amiga. Ela ainda ficou um tempo chocada com a falta de sensibilidade da amiga até que disse:

– Nem acredito que você é minha amiga!

– Não se preocupe! Eu vou ser sempre Emily pro seu namorado – falou sarcasticamente.

Rachel sacudiu a cabeça inconformada, fazendo os cabelos loiros presos pela touca de enfermeira caírem.

– Você é louca! Mas enfim, eu estou trabalhando! O que você veio fazer aqui?

– Trazer isso – a jovem jogou a carteira de Rachel em sua direção.

– Minha carteira!!! Onde estava?

Emily explicou todo o acontecido para Rachel rapidamente, ainda conversaram sobre a viagem de Rachel antes de Emily olhar para o relógio e perceber que já havia passado mais que o necessário naquela conversa e precisava voltar. Havia mais dinheiro para faturar...

–x-x-x-

Já passava das dez quando Emily subiu no palco para sua apresentação, era dia vinte sete do mês de março, e o dia marcava o retorno de Maria à casa depois de alguns meses longe da cidade. Emily não necessariamente sentira falta da colega, mas sentiu uma pontada de raiva ao vê-la novamente. Maria era conhecida ali e fazia muito sucesso naturalmente, apesar de Luca afirmar que Emily também era sua garota de ouro. Depois de quase um ano morando em Silent Hill, a verdade era que a jovem começara a pensar se realmente agüentaria mais tempo naquela cidadezinha. Afinal de contas, não conseguia esquecer ou mudar o que era: uma golpista.

O problema, afinal, não era Maria ou mesmo competição, era a maldita vidinha que estava vivendo ali. Sabendo que lá fora havia tanta coisa para encontrar. A mudança de Rachel, sua única amiga, para a cidade vizinha, também influenciara no tédio de Emily e sua vontade em voltar à profissão do passado.

Alguns acontecimentos, entretanto, Emily Sibley não esperava que fossem acontecer enquanto lutava consigo mesma para permanecer ali...

Maria divertia uma mesa, outras garotas passeavam de um lado para outro. Emily irritada tentava agradar um público masculino, cobiçando tirar o brilho do retorno da colega. Naquele dia, ao contrário de tantos outros, deixara seus cabelos loiros soltos, no lugar de perucas coloridas, caírem no corpo alvo. Um batom vermelho contrastava com sua pele clara e de aparência pura, quase celestial. Finos suspensórios cobriam seus seios a qual, logo, foram despedidos pela jovem, deixando apenas o minúsculo short. Foi enquanto dançava para sua platéia inebriada que viu sentado no bar alguém que conhecera há algum tempo atrás... Ele também parecia seduzido por sua imagem, apesar de freqüentemente olhar para o bar como se estive lutando contra a culpa.

Emily sorriu internamente com a súbita visita do homem na escada do Brookhaven e decidiu que nada melhor do que exorcizar seus demônios em um novo visitante. E foi exatamente o que ela fez ao terminar sua exibição no palco. Aparecendo novamente vestida pela porta próxima ao bar, caminhou até o estranho:

– Olhe só quem decidiu aparecer para uma conversinha...

Sorriu sentando-se ao seu lado. Agradeceu pelo som não atrapalhar sua conversa.

– Bem, você pode ver desse jeito, Jillian – ele parecia um pouco desconfortável em estar naquele lugar.

– Você se lembra do meu nome – Emily rezava para se lembrar do dele.

– Não sabia se queria vir, sabe... Não parece certo.

– Não se prenda à valores, James – lembrou-se repentinamente, agradecendo à sua memória. – É sua primeira vez aqui, eu percebi.

– Na verdade, é minha primeira vez nesse tipo de lugar desde o casamento... Eu me mantive fiel, mas as coisas não estão...

Emily silenciou-o com o dedo indicador, colocando a outra mão em sua coxa.

– É natural. Não podemos nos controlar.

– Eu vi o panfleto em um bar que fui... Lembrei no que disse.

Nesse momento outra mulher subira ao palco, deixando o ambiente difícil de conversar.

– Quer conversar em outro lugar?

James levantou, mas não seguiu a jovem. Em vez disso à puxou na direção da saída da boate. Emily ficou intrigada, mas decidiu dar um tempo para o homem atormentado. Uma vez do lado de fora, James somente começou a falar após Emily descer as escadas de metal do Heavens’ Night. Estava silencioso ali fora, o som era abafado quase que completamente e o segurança meramente lia uma revista erótica.

James tocou os lábios vermelhos de Emily com as mãos tremendo e disse:

– Eu não posso fazer isso... Não aqui.

– Por que veio então? – Emily falou calmamente.

– Estou cansado... Você não tem idéia do que é tratar de uma esposa doente há tanto tempo e ainda por cima escutar queixas e mais queixas de que eu não a amo mais. O que não é verdade.

– Eu não duvido disso.

– Mas eu não consigo me controlar mais, entende? – sussurrou para ela. – E eu sei que vou me sentir culpado no momento em que chegar em casa.

– Se for embora agora, vai se sentir culpado por algo que não fez...

– Quando eu estava lá dentro eu... – ele parou uns instantes e suspirou – Você é tão linda... Mary era bonita, mas você... – ele a beijou violentamente, mas foi impedido pelo remorso que crescia dentro de si. Olhou-a demoradamente e disse vacilando:

– Eu preciso... Ser forte.

Emily notou que seus olhos estavam marejados de lágrimas, antes que ele saísse rapidamente na direção de seu carro. Ela ainda o seguiu com os olhos enquanto ele entrava no veiculo e ganhava velocidade na direção do hospital. Ficou lá apoiada na parede, olhando a rua deserta, sem saber ao certo se um dia sentiria algo parecido por alguma pessoa. Por alguns segundos admirou o homem, não que achasse que valia alguma coisa toda sua lealdade naquele mundo. Riu pesarosamente antes de voltar na direção da escada. Surpreendeu-se com Maria que estava parada no topo a olhando com um sorriso no rosto. Há quanto será que estivera ali observando tudo?

– Algum problema, Maria? – perguntou subindo as escadas.

– Pobre homem... Eu pensei que ele cederia. Se fosse ele, não pensaria duas vezes – riu.

– Mas você não é – Emily respondeu secamente para a colega, antes de entrar na boate novamente. Não suportaria agüentar os comentários de Maria sobre toda aquela situação.


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Notas finais do capítulo

(certo, eu estou levando em conta que a Mary se internou no Brookhaven, mesmo que ela não era louca e o hospital era psiquiátrico, enfim, o certo seria ela ir pro Alchemilla, mas como nenhum lugar sanou a minha dúvida e todos pensam que ela foi pro Brookhaven, eu mantive essa informação)(também coloquei um sobrenome pra pobre coitada da Rachel, a enfermeira xD)



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