Badlands escrita por Risurn


Capítulo 13
Capítulo Treze


Notas iniciais do capítulo

*bate no microfone*
Olá, ainda tem alguém por aí?
*cri cri cri*
Bom... Eu vou deixar a minha explicação pras notas finais, mas peço desculpas desde já.
O capítulo de hoje é dedicado a minha amiga maravilhosa, quase minha gêmea, Helly Nivoeh, autora de Eu, meu noivo & Seu Crush; Fita Azul; Twenty One e várias outras histórias, que fez a terceira recomendação de Badlands, além de me ajudar com a edição desse capítulo.
Helly, muito obrigada por tudo. O isso aqui é pra você.

Um rápido resumo:
No capítulo anterior, Jason levou Thalia para a casa de Percy, em um jantar de comemoração. Tudo parecia bem, até o desconforto de Thalia começar. Ela percebe que ainda não se sente a vontade com tantas pessoas ao seu redor. Quando tudo já parecia fadado a dar errado, Leo entra, acertando Nico e Thalia desmaia logo em seguida.



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Sonhei com lugares altos.

Era um grande campo com grama verde. O vento bagunçava meu cabelo, eu corria muito rápido, e muito à frente estava a queda. O céu era azul e eu não conseguia enxergar nuvens em lugar algum.

A princípio, achei que eu estivesse me divertindo, correndo para extravasar energias, mas quando olhei para frente, percebi que eu estava perseguindo alguém que surgiu do nada.

Minhas pernas já não tinham tanta força para correr, mas eu continuava sem parar.

Quando a garota que corria olhou para trás, percebi que eu era ela. Nós tínhamos o mesmo rosto e ela fugia de mim desesperadamente. Gritava e chorava, me pedindo para parar.

E então, de repente, eu percebi que eu era as duas. Hora estava perseguindo, ora estava fugindo.

Eu era a parte que queria pegar a outra garota. Eu era a parte que não tinha mais forças para correr e só queria parar.

Eu queria que aquela parte que fugia ficasse presa em algum lugar. Ela era fraca, não era capaz de fazer nada. Por outro lado, eu queria que minha perseguidora desistisse. Ela não faz bem para ninguém. É perigosa. Capaz de fazer mal.

Me transformei definitivamente na parte que fugia e parei, com desespero. Atrás de mim, alguém me perseguia, à minha frente, a queda.

Respirei fundo.

Somos uma.

Se eu sumir, ela também some.

Então me joguei da beirada.

***

Não abri meus olhos assim que acordei. Eu respirava com dificuldade, devido ao meu sonho. Estou cansada. Cansada de perseguir e fugir. Tão, tão, tão cansada.

Eu quero parar.

As lembranças dos meus últimos momentos antes do desmaio voltavam em partes, me trazendo dores de cabeça. As vozes, a música, a tv, risadas ao meu lado, discussões na cozinha... Meu cérebro entrou em curto.

Tento não culpar Jason e amigos dele pelo ocorrido, mesmo que uma vozinha agoniante gritasse lá no fundo para que eu perdesse o controle e chutasse o balde.

Jason não consegue me entender. Ele tenta ser bom para mim, mas não posso ser boa para ele.

Ele precisa entender que eu não consigo passar tanto tempo, de repente, com tantas pessoas. Eu não sou normal como ele tanta fazer parecer ou quer acreditar. E nós dois precisamos conversar; eu não vou conseguir mudar da noite para o dia, não importa o quanto eu tente e é isso que ele precisa compreender. Minha mente me faz diferente das outras pessoas, por que não importa o quanto eu lute, não tem como ganhar de você mesma.

Respirei fundo e abri meus olhos, levando um susto.

Não reconheci o teto do quarto. Não reconheci a roupa de cama sob meus dedos. Ofeguei e sentei na cama, olhando ao redor.

Alguém deu um pulo ao meu lado, sentando comigo.

— Onde... Quem...

Pisquei, tentando enxergar na penumbra do cômodo. Minha cabeça ainda estava um pouco confusa.

— Sou eu. Annabeth. – A voz sonolenta soou pelo quarto. Uma mão pousou na minha e reconheci o toque suave dos dedos dela. Tentei me tranquilizar, mas não consegui entender. – Você apagou do nada, nós não sabíamos bem o que fazer, e o Leo começou uma confusão, então ficou um pouco caótico. – Ela ensaiou uma risada que soou fraca até para os meus padrões. – Os meninos resolveram tudo, nós pensamos em te levar para o hospital, mas você abriu os olhos e pediu para não ir. – Franzi o cenho, sem me lembrar disso. – Tudo bem estar... confusa, ou não lembrar. Você dormiu logo em seguida. – Ela continuou, como se lesse minha mente. – Então nós decidimos montar acampamento. Piper está aqui no chão, os meninos estão na sala. Não tenho certeza quanto a Nico. Ele saiu com Leo.

Pisquei, tentando entender, mas nada parecia fazer sentido.

— Eles estão bem? Quero dizer, Nico e Leo.

Ela assentiu, incerta.

— Nico parecia estar com vontade de devolver o soco de Leo, mas quando você caiu ele percebeu que não era o momento. Sabe, você dizer “Acho que tem algo errado” chamou mais a atenção dele do que receber um soco no olho.

Seu tom era de quem sabia de todas as coisas. Naquele segundo parecia que Annabeth podia ler a minha alma. Parecia que ela sabia de tudo que havia acontecido entre mim e Nico. Agradeci aos céus por estar escuro e ela não enxergar meu rosto ruborizando.

— Tudo bem, não precisa se defender. Depois de ter certeza que você estava bem, ele levou Leo pra fora. Ele também não parecia bem. No final das contas, eles precisavam mesmo conversar. Há muito tempo.

Coloquei as minhas pernas para fora, afastando as cobertas.

— Onde você vai? – Ela também se moveu, largando a roupa de cama.

— Vou embora.

— Embora? Agora? – Ela procurou pelo celular entre o emaranhado de roupas e olhou para mim. – Mas são... quase quatro horas. Dorme aqui mesmo.

Mas eu já havia aberto a porta e estava no corredor.

— Eu preciso ir. – Falei um pouco mais baixo, com medo que me escutassem na sala. Se eles realmente estavam dormindo por lá, eu não queria acordar mais ninguém.

Quando cheguei até ela, Percy estava dormindo no sofá, Jason e Will estavam abraçados em cima do tapete, usando almofadas como travesseiro e Nico estava dormindo sentado em uma das cadeiras da mesa, com uma bolsa de gelo em uma das mãos6 e a cabeça pendendo para um dos lados.

Fechei os olhos, xingando internamente. Como eu ia atravessar sem pisar nos dois bocós no chão? Por que Percy precisava ter um apartamento tão pequeno?

Annabeth surgiu atrás de mim e colocou a mão sob meus ombros.

— Fica. – Ela falou, apenas movendo os lábios.

Respirei fundo. Se eu ficasse ali por mais um segundo iria enlouquecer.

— Eu não consigo ficar.

Sussurrei de volta.

Annabeth olhou no fundo dos meus olhos por três segundos depois que eu disse isso. Ela assentiu e me soltou, caminhou até Percy e sacudiu ele.

O garoto deu um pulo no sofá, puxou Annabeth para perto de si e olhou ao redor, assustado.

— O que aconteceu? – Ele estava sonolento, mas continuava segurando-a contra si e chutando Will no chão, que resmungou, empurrando Jason, que também resmungou alguma coisa e virou de lado.

Meu. Deus.

Ela tentou se afastar e deu batidinhas no ombro dele.

— Tudo bem Percy. Tudo bem. Eu só queria que você levasse a Thalia em casa.

— Ah. – Ele afrouxou o aperto em torno dela e piscou, olhando ao redor. – Ah sim. – Ele esfregou o rosto e olhou em minha direção, com os olhos quase fechados. – Por que você não dorme aqui?

— Ela quer ir Percy. Leva ela.

Percy desviou os olhos de mim para Annabeth. Eles pareceram ter toda uma discussão telepática enquanto se encaravam durante poucos segundos. Me perguntei qual seria a sensação de ter alguém que conseguisse te entender só de olhar. Ele suspirou e se levantou.

— Tudo bem então. Deixa eu procurar as chaves.

Abracei meu corpo, querendo entrar dentro da terra e matar Annabeth.

Se eu soubesse que ela ia acordá-lo, não teria deixado.

Ele andou de um lado para o outro, pegando um casaco, procurando um sapato, procurando as chaves, procurando o celular... Suspirei, apoiando meu corpo na parede.

Percy era a pessoa mais desorganizada que eu já havia conhecido.

Ele olhou para mim e assentiu com a cabeça, indicando que estava tudo pronto.

Respirei fundo, e encarei Jason e Will que ainda estavam no chão. Subi em cima do sofá, tentando passar sem fazer barulho. Sai do outro lado e caminhei do modo mais silencioso possível até a porta. Respirei fundo depois de chegar até ela e colocar meus sapatos. Eu consegui. Realmente consegui sair sem acordar todo mundo.

— Ei, Annabeth. – Percy chamou alto. – Você vai ficar bem?

Ela assentiu e eu arregalei os olhos, sentindo a movimentação.

Jason fechou os olhos com mais força e resmungou, Will pediu silêncio e a cabeça de Nico pendeu com tanta força para o lado que ele acordou.

Minha mão agiu por vontade própria ao subir até a cabeça de Percy e lhe dar um tapa.

— Ai! Por que você fez isso?

Nico piscou, olhando ao redor e esfregando o pescoço. Ele encarou o saco de gelo em sua mão por dois segundos antes de levantar os olhos para nós.

— Onde vocês vão?

— Vou levar a Thalia pra casa.

Jason sentou no chão da sala e virou a cabeça em nossa direção com os olhos fechados.

— Por que? Aconteceu alguma coisa? – Ele abria e fechava a boca, provavelmente tentando deixá-la menos seca.

— Porque ela quer ir.

Will resmungou, sentando de uma vez.

— Por que vocês não ficam em silêncio? Todo mundo tem que levantar pra trabalhar daqui algumas horas, então, por favor, vamos ser condescendentes com os amigos.

Forcei minha mente a lembrar do significado da palavra condescendente, até perceber que isso não era importante agora.

— Olha – resolvi interromper – não precisam se incomodar. Eu pego um táxi, realmente não tem problema.

— Eu te levo. – Nico e Jason falaram ao mesmo tempo.

Annabeth olhou para mim, curiosa em como eu sairia daquela situação.

— Eu realmente não precis...

— Muito bem, não quero mais dormir nessa cadeira. Obrigado pelo jantar pessoal, até a próxima. – Nico levantou e me empurrou pelos ombros, Jason começou a levantar e Percy tentou impedi-lo, mas Nico continuou me arrastando. – Eu preciso falar com ela. Então, vou levá-la.

Jason suspirou.

— Tudo bem por você?

Encarei Nico, depois Jason e Percy. Eu não queria ter que conversar com Jason agora, nem me sentiria confortável com Percy. Suspirei e assenti, sendo levada para fora.

Ele passou um braço ao redor dos meus ombros e me guiava tranquilamente entre os corredores.

Tentei colocar a cabeça do lugar e entender as últimas horas, que envolveram um jantar claramente caótico, amigos alterados, pesadelos, e agora o que parecia ser a visão de Nico de algo galante ou romântico.

Ele não parece entender que caso quebre essas paredes, vai se ferir.

E eu não vou poder fazer nada para consertar isso.

Nós caminhávamos em um silêncio que parecia confortável para ele, mas pesado para mim. Sufocante. Estou cansada desse jogo desse gato e rato. O soco de Leo passou como um flash diante dos meus olhos.

Estanquei no hall de entrada e suspirei.

O problema já começou e ninguém mais está vendo, eu preciso mostrar.

— O que você espera que eu diga Nico? O que você quer de mim?

Ele franziu o rosto como se não entendesse as palavras que saiam da minha boca.

— Isso... Tudo isso que você está fazendo – gesticulei com a mão, envolvendo nós dois, apontando para o apartamento e para a rua – o que você quer ganhar com isso?

Nico virou a cabeça, como se eu fosse uma peça muito interessante a ser analisada.

— O que você quer dizer com “ganhar”?

Esfreguei minha testa, frustrada.

— Francamente, qual o objetivo disso? Nós transamos, sim. Na minha casa, no escritório. Almocei na sua casa e agora jantei na casa de Percy. Mas... Você acha que isso significa alguma coisa? Você prometeu que era um caso de uma noite.

— Espera aí – ele levantou as mãos em um movimento defensivo, como se eu estivesse passando alguma barreira, quando a única pessoa sendo atacada aqui sou eu. – Não estou pedindo você em casamento Thalia. Só ia te acompanhar até em casa. Eu sei... – Ele suspirou. – Sei que isso é meio impossível. Você é tipo... Inalcançável.

E com uma cara de quem havia acabado de ser chutado, ele me deu as costas.

Senhoras e senhores, acabei de me transformar na vilã.

Tudo bem então.

Se ele quer que eu pareça louca, pelo menos vou fazer isso colocando pra fora o que tenho pensado.

— Era exatamente isso que eu queria evitar! Você espera que eu diga que me apaixono por olhos tristes? Caras malvados? Ou bocas cheias de mentiras que acham que são bem-intencionadas? Você acha que vai ser o mocinho que chega e salva a donzela e o filme acaba? Tenho uma péssima noticia: não sou uma mocinha em perigo. – Tentei prender a frustração que escorria do meu corpo. Eu posso ser muitas coisas. Mas não estou em perigo. Eu sou o perigo.

— Eu nunca...

Ri, sem humor nenhum.

— Me deixa falar Nico. Olha pra você! Já se olhou no espelho? Você viu seu rosto? – Cheguei perto dele e apertei a parte alta de suas bochechas com o dedo, onde a mancha roxa começava a aparecer. Joguei para o fundo da minha mente a parte que gritava comigo e segui em frente. – Você sabe por que isso aconteceu? Eu sei porque. Todo mundo ao meu redor parece ter perdido a porra da mente! Então, não me venha com esse papinho de inalcançável, porque eu avisei Nico. Eu avisei. Eu fui bem clara quando disse sou um caso de uma noite. Pode me chamar do que quiser; puta ou vadia, eu não me importo. Minha cabeça já está uma merda de qualquer forma! Eu não pertenço há ninguém! Lugar nenhum! Eu... Eu... Eu sou..

Esfreguei meu rosto, sem encontrar as palavras certas.

— Um furacão.

E ele não dizia como se isso fosse ruim.

Eu queria arrancar meu peito com as mãos. Não consigo respirar. Minhas mãos fechadas em punho deveriam ser um indicativo que algo estava errado.

Nico não parece ter noção da tempestade que está se formando ao nosso redor. Acima de nós. Entre nós. Dentro de mim.

Eu vou atingir ele no meio do peito e ele nem mesmo consegue ver. Vou destruir os amigos de Jason, um a um e ele nunca vai me perdoar por isso.

— Tudo bem Thalia. Calma. Eu... Eu não acho que você esteja em condições de ter uma conversa séria agora. Você está se alterando por... nada. Eu não disse nada. Você já não estava legal antes, aposto que não está bem agora.

Franzi meu rosto, tentando abrir minhas mãos.

Quando as encarei, minhas unhas haviam furado as palmas.

Oh, Deus, o que foi que eu fiz? O que foi que eu disse? Eu estou perdendo o controle, finalmente?

Voltei a encarar Nico, meu corpo ainda transbordando com todos esses sentimentos estranhos.

— Eu... Eu não posso evitar essa energia horrível. Você devia ter medo de mim. – Tentei não suspirar enquanto olhava em volta. O gosto horrível do descontrole nos meus lábios. Se Nico notara minhas mãos furadas, fizera o melhor tentando fingir que não.

— Medo por que? De que? – Ele fazia o seu melhor para manter a voz calma. – De você me... Sei lá, machucar de alguma forma?

Franzi o cenho, considerando suas palavras. Longe demais.

— Não. Eu... Não você. Sua família. Medo que eu... Exploda no meio da sua... – A palavra tinha um gosto estranho na minha boca – sua família. Por que... Por que você só não me beija de uma vez e diz adeus?

Ele me encarou longamente antes de responder.

— Porque eu não quero te dizer adeus Thalia. É por isso que eu não beijo você. – Suspirei, sem conseguir entender. Nico segurou meu rosto com leveza, mas firme o suficiente para que eu continuasse encarando seus olhos. A mancha roxa mais evidente agora. – Eu sei que você não entende. Eu sei que isso parece estranho. Mas sempre que eu olho para você, eu vejo escrito em letras gigantes um pedido de socorro. Não estou dizendo isso pra te assustar, nem nada. Eu vou ser o que você precisar, até as coisas fazerem sentido. Eu... Você é importante pro Jason e ele é importante pra mim. É assim que a família funciona. Então vamos lá, me leve pra casa.

Me senti confusa e com cada vez menos vontade de discutir enquanto ele me levava para fora.

Será que Nico não entendia que eu queria que ele fosse nada?

— Não era você que ia me levar?

— Era. Mas decidi que precisamos de uns exercícios de confiança. Eu vou deixar você levar o meu bebê novinho. – Nico fez um carinho na superfície negra polida do carro, meus olhos se voltaram para ele, em pânico. – O que foi? Você não sabe dirigir?

Revirei minha mente, tentada a buscar uma mentira convincente.

— Eu sei. Mas... Não dirijo desde que tirei habilitação.

Eu vi algo estranho cruzar os olhos de Nico, mas ele forçou um sorriso.

— Hora de praticar.

Um segundo depois, as chaves estavam nas minhas mãos e Nico sentado no banco do passageiro.

Sinceramente, eu vou sair correndo.

— Nico, isso é uma péssima ideia.

— Vamos descobrir Super-Choque. Entra logo.

Me aproximei, estranhando o apelido em seus lábios.

— Você conversou com o Leo?

— Se você entrar aqui, eu conto pra você.

Ponderei por um tempo, finalmente desistindo. Abri a porta e sentei ao seu lado enquanto prendia meu cabelo.

— Não me distraia enquanto eu tentar dirigir, não faça piadinhas nem tente algo sexual. Se eu bater seu carro eu não vou pagar. É bom que você tenha seguro.

Ele assentiu à todas as minhas exigências e colocou o cinto.

Aparentemente ele ainda tem algum senso de juízo.

— Nós conversamos. – Ajeitei os espelhos do carro e tentei regular a altura do banco. – Ele estava chateado. Eu estava irritado. Nós... Temos muitos... Problemas.

Tentei dar a partida, mas o carro apenas deu um solavanco.

— E... É complicado. Nós vamos conversar melhor em algum momento em que ele esteja mais calmo. Mais disposto a me escutar. E... Menos disposto a quebrar minha cara.

— E quando, exatamente, você descobriu meu apelido?

Tentei dar partida novamente. Dessa vez, o carro se moveu. Olhei para todos os lados possíveis antes de acelerar.

— Ele comentou sem querer. Acho que alguém chamada Phoebe está irritada. Ele meio que está fazendo uma ponte entre vocês. Não quero me meter, mas você não devia ignorar eles assim.

Contorci o rosto em uma careta ao ouvir o nome dela e lembrar das coisas que Leo gritou ao entrar no apartamento.

— Eu não estou ignorando ninguém. – Parei no cruzamento, meus dedos esbranquiçados ao apertar o alto do volante. Em duas quadras, eu sabia que havia fluxo de carros. – Eu só... Phoebe tenta controlar tudo e eu estou um pouco cansada. – Dei partida e me concentrei na pista, arrastando os segundos. – Ela só quer o meu bem e provavelmente está certa em tudo o que diz, mas isso está me incomodando de uma forma que eu não consigo entender.

Olhei para Nico que encarava o meu velocímetro.

— Não entenda mal, ela é minha amiga, então está sempre me cobrando coisas e exigindo várias outras. Eu só... Não consigo.

— Você pode ir mais rápido Thalia.

Assenti.

— Ela e o Leo estão saindo, eu acho. – As palavras saiam mais rápido da minha boca, minha nuca ficando úmida com o meu nervosismo. – Então ele está meio alterado com essa história toda. Provavelmente está tentando se acostumar com isso e não sabe exatamente o tipo de função deve ter aqui. E como vocês dois não estão em bons termos...

— Ele decidiu amassar a minha cara pra extravasar.

— Exatamente.

Respirei fundo quando virei a curva e os primeiros sinais de movimentos surgiram. Fiquei tensa.

— Você está indo bem Thalia.

Assenti, um pouco mais relaxada. Comecei a achar que estava indo bem quando a primeira buzina soou e alguém gritou de algum lugar “vê se fica na sua pista”. Instantaneamente, tentei puxar o carro mais para o lado, mas fui um pouco mais agressiva do que gostaria, resultando em mais buzinas e gritos.

Você consegue lidar com gritos.

Você consegue lidar com as luzes.

Tudo bem.

Você está bem.

Você está segura.

— Eu não imaginava que tantas pessoas saíssem pra trabalhar nesse horário. – Nico tentou brincar quando suas mãos correram para se segurar ao cinto de segurança.

— Nico. Quais foram as minhas regras?

— Mas eu não estou fazendo nada sexual!

Sem piadinhas.

Voltei a ficar tensa atrás do volante. O carro dava solavancos e simplesmente morria. Eu ouvia mais xingamentos e buzinas.

Todos eles podiam explodir.

— Me desculpe.

A fala de Nico me pegou tão de surpresa que o carro voltou a desviar para a esquerda, fazendo-o segurar o cinto de segurança com mais força. Desde quando minha casa é tão longe?

— Quer dizer, parece muito que eu estou forçando a barra, não é? Eu só... Não sei bem o que fazer. Você é legal, eu gosto de me divertir. Não achei que você fosse ficar ofendida achando que estou me aproveitando ou algo do tipo. Eu realmente... Só estou seguindo a onda.

Suspirei, tentando relaxar meus dedos. Havia o longo e exaustivo caminho de falar o que estou pensando e o simples de contar uma mentira.

Tentei espiar Nico com o canto do olho que apenas olhava ao redor, suas mãos agarradas ao cinto e o rosto tenso.

Vamos pela longa e exaustiva verdade.

— Sabe, nada disso é fácil. – Me perguntei se eu devia seguir em frente com aquilo. – Quando eles não fogem por saber que tenho algum transtorno, ficam maravilhados. Parece até que tem gente que procura isso como se fosse um fetiche. – Olhei pelo retrovisor, tentando conferir a fila que se formava atrás de nós. Durante a madrugada. Impressionante. – Eles ficam hiper sensualizando garotas com doenças mentais, como se isso fosse o degrau máximo da escalada.

Cale a boca. Cale a boca. Por que você acha que ele precisa saber disso? Por que você acha que ele quer saber disso? Cale a boca. Cale a boca.

Soltei uma das mãos do volante e a sequei na calça, repetindo o movimento com a outra, antes de continuar:

— Mas adivinhe: nem sempre é fazer uma coisa louca às quatro da manhã, viagens de carro ou outras coisas legais. Às vezes é tentar acertar um vaso de porcelana na sua cabeça, quebrar coisas, se magoar ou buscar alguém às três na delegacia. – Tentei dirigir um olhar rápido a Nico que não parecia abalado. Suspirei. Eu estou muito ferrada. – Não entendo essas pessoas que acham que tudo são rosas. Então, eu não me desculpo nem sinto muito por gritar. Eu só não posso confiar em alguém que mostra um interesse tão repentino.

Nico ficou num silêncio pensativo por um tempo, até finalmente falar.

— Então quer dizer que você gosta de viagens de carro?

Suspirei irritada e revirei os olhos.

— Você não ouviu nenhuma palavra do que eu disse, não é?

Afaste-o.

Afaste-o.

Afaste-o.

— Alguém já precisou te buscar às três na delegacia?

— Nico!

— Desculpe, desculpe. Você pode parar o carro ali na frente, nós chegamos. – Ele sorriu quando olhei para ele, mas estava lívido.

Antes que seja tarde demais.

Antes que seja tarde demais.

Antes que seja tarde demais.

Franzi o cenho. Eu conseguia ver vagas mais perto do meu apartamento. Acho que ele não aguenta mais ficar no carro.

Tentei estacionar o melhor que pude, lutando para manter o carro em uma linha que parecesse remotamente reta.

Nico tentou sorrir quando saiu do carro, o rosto mais pálido que o normal e a testa brilhando com o suor. Vendo o modo como suas mãos seguravam firme no capô para mantê-lo de pé, acho que ele ficou um pouco nervoso.

Que bom.

Talvez assim ele vá embora.

— Foi a Phoebe, no nosso primeiro semestre de faculdade. – Murmurei, me afastando um pouco do carro, enquanto Nico atravessava para aquele lado. Balancei as mãos, tentando dispersar a adrenalina. Odeio dirigir. – Eu me envolvi em uma briga e quebrei um carro com um taco de golfe.

Ele levantou uma sobrancelha e abaixou os olhos para o próprio carro.

Seu olho roxo faz meu estômago se revirar. Eu queria tocar. Queria me esconder. Queria pedir desculpas por gritar e apertá-lo.

Lutei conta a vontade de apertar a boca ou fazer expressão de culpa.

— Exatamente. Então já sabe: eu ainda tenho um conjunto de tacos no meu guarda-roupa. Não me provoque.

— Você é inesperadamente cativante Thalia Grace.

Você não faz ideia.

— Eu... Vou subir. Até.

Nico sorriu e beijou meu rosto, a milímetros da minha boca.

Ele entrou no carro e foi embora, enquanto eu subia para o meu apartamento.

Nico não tinha como saber, mas pelo restante da noite me contorci em minha cama imaginando a sensação daqueles lábios macios em todo o resto de mim.


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Notas finais do capítulo

Estive longe - de Badlands - por quatro meses. Acho que não é segredo pra nenhum dos meus leitores que eu passo por uns probleminhas ai.
Eu estou tentando, de verdade, ficar 100%, então não desistam, assim como eu.
O caminho é longo e a estrada é inacreditavelmente árdua.
Me perdoem e tenham ainda mais paciência nesses coraçõezinhos maravilhosos.
Obrigada por tudo, beijão