O Olho de Jade escrita por xPrimrose


Capítulo 28
Shae




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Mesmo fraca, Shae teve que arrastar Eve para o primeiro lugar que as aceitou, no caso uma pensão barata e mal frequentada, mas ela não tinha muitas opções para escolher.

Seu corpo estava todo dolorido, sua mente cansada e a outra garota ainda estava desmaiada para completar o pacote, o que ela podia fazer a não ser correr para o primeiro abrigo que encontrou sem questionar nada?

Parecia estranho que Daan tivesse morrido, ela não sabia o que tinha acontecido, mas imaginava que a hospedaria onde estavam tinha ficado em chamas e ele não conseguira sair.

Era uma pena, Shae gostava do homem, de verdade. Ele parecia confiável e as estava ajudando sem pedir nada em troca, além disso ela achava que ele faria um bom par com Eve, a menina realmente precisava de um namorado, precisava conhecer alguém que a fizesse perder o chão antes que enlouquecesse.

Depois de uma boa noite de sono, Shae se sentia revigorada. Estavam no Primeiro Reino, mais perto do que nunca de completar seu plano. Correu para o quarto de Eve, para acorda-la. O que não esperava era encontrar a menina totalmente desperta, encolhida num canto e agarrada ao travesseiro.

— Não consegui dormir — ela balbuciou, com os olhos arregalados e assustados. — Acordei no meio da noite e não consegui mais fechar meus olhos.

Shae se sentou ao lado dela.

— No que está pensando?

Eve encarou Shae por um minuto, da forma que a encarava nas primeiras vezes em que se viram. Isso fez com que a morena se sentisse desconfortável.

— Em Daan, claro.

— Acho que você já pensou demais nisso, venha, vamos tomar um café da manhã para te tirar disso.

Shae encontrou um restaurante no centro da cidade que parecia bom o suficiente com um preço relativamente baixo. Tinham que tomar cuidado para não gastar muito, tinham perdido quase tudo que pegaram de Erickson, exceto o dinheiro, que logo acabaria se elas gastassem sem se preocupar.

O lugar era inteiro pintado de vermelho, o que por um momento a lembrou do navio do capitão, mas logo ela tirou aquilo da cabeça e se dirigiu para um canto, sentando-se numa cadeira de madeira polida e esperando enquanto uma garçonete se aproximava.

— O que vão querer? — perguntou piscando seus olhos muito azuis.

Shae esperou que Eve escolhesse e então pediu a mesma coisa, para acompanha-la.

Quando a mulher dos olhos claros se afastou, ela se debruçou sobre a mesa.

— Temos que começar a pensar em como vamos chegar no castelo. Eu pensei em cavalos, se comprarmos dois podemos sair hoje mesmo.

— Chegar ao castelo?

— Sim, quantas horas você acha que demora para chegar lá?

— Não acredito nisso. — Eve não encarava Shae.

— O quê?

A ruiva a encarou com os olhos cheios de lágrimas novamente.

— Daan saiu correndo, machucado, pela cidade a procura de um curandeiro para você. Ele atravessou o fogo para salva-la e trazê-la em segurança para fora daquela maldita hospedaria e você nem se importa com a morte dele, só pensa em sua vingança.

— Não é assim, Eve... — As palavras da outra garota eram quase como socos em seu estômago, e ela quase podia sentir a dor.

— Se está tão bem assim que nem precisa de um curandeiro, a culpa de Daan ter morrido é toda sua. Se ele não fosse atrás de alguém para te curar, teríamos permanecido todos juntos e nada disso teria acontecido.

— Calma, Eve. Não é assim também.

— Então é o quê? Vai me dizer que está triste pela morte dele?

— Eu estou. — Não era mentira, ela realmente lamentava a morte do homem, mas não achava que era necessário todo aquele escândalo. — Mas isso aconteceu, não podemos mudar isso. Não podemos atrasar todo nosso planejamento, toda nossa vida por algo que aconteceu e que não da pra voltar atrás. Qual vai ser a utilidade de ficar chorando por conta dele?

— Se... Se eu morresse, você também agiria assim?

O que ela poderia responder diante daquela pergunta? Não fazia a menor ideia da resposta. Para ela, Eve era mais importante que Daan, não havia comparação, mas ela realmente choraria por sua morte? Ela pararia sua vida por dias apenas para ficar relembrando a garota? Talvez, mas ela sabia que tinha coisas mais importantes para fazer do que isso.

A outra recebeu o silêncio como uma confirmação.

— Inacreditável. — A ruiva se levantou. — Quer saber de uma coisa, Shae? Eu e Daan estávamos deixando de fazer qualquer coisa das nossas vidas apenas para correr atrás de você e desse seu plano absurdo, não ligávamos de fazer isso e nunca pedimos nada em troca. Mas eu acho que era de se esperar ao menos um pouco de consideração. Você pode não ter passado muito tempo com ele, mas enquanto você estava desmaiada ele estava cuidando de você.

Ela socou a mesa.

— Droga, eu não queria falar isso, mas a verdade é que essa vingança só é importante para você!

A garçonete voltou trazendo os pratos das duas.

— Pode levar o meu embora, eu já estou de saída. Ela paga. — A garota saiu deixando Shae de boca aberta e uma garçonete abismada.

— O que quer que eu faça? — A mulher dos olhos azuis parecia perdida.

— Deixe aí. — Shae suspirou. — Eu como tudo.

— Eve? — Ela bateu na porta do quarto e em seguida abriu, sem esperar resposta.

Shae sabia que tinha sido muito dura com a outra garota. Para falar a verdade ela mal conhecia Daan, mas Eve tinha passado mais de dez dias apenas com ele como companhia e uma Shae quase morta, era obvio que eles tinham criado um laço.

Além disso, Shae estava acostumada com tragédias na família, ela tinha começado desde cedo a entender que a morte é algo que acontece e que não há nada que se pode fazer contra isso. Ela tinha decidido não ficar mal pela morte de mais ninguém que não fosse sua mãe e, talvez, Ely. Eve não era assim.

— Não quero falar com você agora. — Ela estava encolhida no mesmo canto em que estava mais cedo.

— Eu entendo, mas preciso me desculpar.

Apesar disso, no fundo, Shae esperava um pedido de desculpas também. Ela entendia que sua vingança realmente só tinha importância para si mesma, ninguém mais ligava de verdade para aquilo, mas ainda assim, a forma como Eve tinha dito aquilo havia machucado Shae, como se dissesse que ela era egoísta por pensar apenas em si mesma. Talvez ela realmente fosse, mas não era de propósito.

A ruiva não respondeu, então Shae tomou isso como um sim para sua aproximação e novamente se jogou no chão, ao lado dela.

— Olha, sei que fui dura com você. Disse coisas insensíveis, como se não me importasse com Daan. Não é que eu não me importe, mas... — Ela suspirou, percebeu que estava perdida e como consequência estava começando a enrolar. — Eu perdi meu pai muito cedo. Eu sei como é perder alguém que a gente gosta e, talvez por isso que eu não tenha sentido tanto quanto você a morte de Daan. Eu sei que, pode passar três, quatro, dias, meses... anos e as coisas não mudam, você vai se sentir mal do mesmo jeito, vai cicatrizar, mas não vai sarar. Por isso eu prefiro não dar atenção a essa dor, eu prefiro seguir em frente, porque eu sei que é o que eu faria se essa pessoa estivesse aqui. Olhe pra mim, Eve. — Um riso nervoso escapou de seus lábios. — Eu moldei minha vida toda em função da morte do meu pai e você pode fazer isso se quiser também, mas olhe no que eu me tornei. Não vale a pena.

Os olhos negros da outra menina a encaravam com atenção. Shae percebeu que ela estava entendendo o que ela queria dizer.

— Eu poderia agora mesmo estar deitada na minha cama, na minha casa olhando para o teto sem fazer nada, ou até mesmo estar passeando com Ely. Mas estou aqui, dormindo em quartos sujos, correndo atrás de um castelo para matar uma pessoa, usando uma espada maligna que sabe se lá o que deve estar fazendo comigo. Tudo isso por que eu não consegui deixar a morte do meu pai de lado. Não seja igual a mim, por favor, não seja. Eu sei que é estranho ouvir eu dizer para não fazer isso, mas é que você é melhor do que eu, Eve. Você merece mais.

Shae não esperou resposta e se levantou.

— Fique aí o tempo que precisar, não vou mais te pressionar para sairmos daqui logo. Você pode ter seu luto. Quando achar que está melhor, eu estarei na porta do lado.

Ela ouviu um agradecimento quase inaudível e por um momento achou que estava imaginando coisas, mas quando olhou novamente para o rosto da ruiva viu um leve sorriso em seus lábios e soube que tinha feito a coisa certa.

 

[...]

 

Demorou três dias para que as olheiras sumissem completamente do rosto de Eve. Foi a expressão horrorizada que ela mantinha todas as manhãs que fez com que Shae percebesse que a morte de Daan não era a única coisa a assustando. Ela não sabia se eram visões ou qual outro motivo poderia deixa-la assim, mas sabia que tinha algo mais.

— Tem certeza que está pronta? — ela perguntou ainda olhando para o rosto cansado da menina mais baixa. Estava ansiosa para começar logo isso, mas não queria que ela passasse mal no meio do caminho.

— Estou. E você?

Ela concordou. No dia anterior, Shae tinha ido visitar um homem que se dizia versado em artes curativas e mágicas, ele lhe dera um remédio que se assemelhava muito a sopa de vegetais e dissera que ela devia tomar um vidro por dia, durante três dias. E com isso, levara uma porção de moedas de prata dela. De alguma forma, parecia que estava funcionando, ela não se sentia mais tão cansada.

— Temos dinheiro para dois cavalos? — Eve estava terminando de empacotar suas coisas.

— Sim.

No dia anterior, Shae tinha feito as contas. Poderiam comprar dois cavalos e teriam de seguir viagem por quatro dias, trocando-os por cavalos descansados a cada seis horas mais ou menos. E então chegariam a Leygh, a capital do Primeiro Reino. Lá, se estivesse certa, poderiam alugar um chalé por uma semana. O que ela julgava ser o suficiente para fazerem o que precisavam.

— E vai sobrar o suficiente para comermos?

— Sim. E para alugarmos o chalé, como eu já disse.

A ruiva parecia nervosa, mas finalmente terminou de juntar suas coisas e trancou o quarto.

— Então acho que está na hora.

No primeiro dia, elas estavam perdidas. Saíram da Cidade do Porto e decidiram seguir pela Estrada Principal, uma estrada que ligava o reino de uma ponta a outra, mas Eve havia se confundido com o mapa, e elas acabaram seguindo um caminho que enveredava por uma floresta densa.

Elas demoraram quase quatro horas para conseguir acertar o caminho. E foi então que Shae percebeu que provavelmente demorariam mais do que ela havia imaginado.

No início, a estrada era ladeada por cidades. Algumas grandes, outras não passavam de vilarejos afastados, mas ainda assim, sempre com estalagens onde poderiam trocar seus cavalos por montarias descansadas. Após a segunda troca as coisas se complicaram, as cidades foram ficando cada vez mais afastadas, até que simplesmente sumiram, substituídas por florestas com árvores de folhas largas.

Não havia lugar para comprar comida e quando seus mantimentos acabaram, elas tiveram que procurar frutas nas copas das árvores. Cada vez ficava mais difícil encontrar água. E elas tinham que parar a cada poucas horas para que seus cavalos descasassem.

Tudo aquilo estava deixando Shae impaciente. Por ela, deveriam continuar seu caminho durante a noite, mas Eve a convenceu de que deveriam parar. Quando ela olhou para seu cavalo, um macho de pelo castanho lustroso, teve certeza que precisavam parar, o animal quase não se aguentava mais em pé.

A primeira noite tinha sido a mais difícil. Elas haviam separado turnos para vigiar. E, assim que Eve fechou os olhos, Shae começou a ouvir barulhos assustadores.

Inicialmente ela percebeu que se tratava apenas do vento e de um riacho próximo, mas logo começou a ouvir passos de pessoas correndo sobre as folhas caídas no chão, gritos de selvagens, cavalos relinchando, espadas batendo contra espadas. Ela quase chegou a acreditar que era tudo coisa de sua imaginação, mas vez ou outra os cavalos pareciam despertar por conta dos mesmos barulhos.

A noite também ficava cada vez mais fria e mais escura, densa. Em determinados momentos ela jurava que podia ver sombras andando ao seu redor, iguais aos soldados de sua espada, mas ela não os tinha invocado, por que estariam ali?

Quando o dia amanheceu, Shae agradeceu aos deuses como nunca tinha feito antes. E então elas continuaram. Logo as florestas também foram substituídas, dessa vez por areia, de ambos os lados, que formava um deserto que elas não conseguiam ver o fim.

A Estrada estava vazia, não havia nenhum outro grupo de viajantes que elas pudessem pedir ajuda, água, comida ou o que fosse. A sede de Shae estava se tornando quase insuportável quando elas finalmente começaram a ver pontinhos verdes no horizonte, já era o final do quarto dia.

Mais uma vez a paisagem mudou, substituindo o deserto por enormes fazendas. Havia plantações a perder de vista e, se elas soubessem onde procurar, encontravam poços de onde conseguiam tirar água, vez ou outra também passavam por alguma vila perdida no meio do nada.

No sexto dia as cidades voltaram a aparecer. Com suas casas maiores do que as da Cidade do Porto e pessoas com roupas extravagantes. No final do oitavo dia Shae finalmente avistou uma placa de latão onde, por pouco, ainda se podia ler “Leygh”.

— Quatro dias, einh? — Eve caçoou do planejamento de Shae, já desmontando do cavalo.

— Cale a boca. — Ela mostrou o dedo do meio para a ruiva, mas começou a rir. Enfim tinham chegado a Leygh, era agora que as coisas realmente começariam a acontecer.


 


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