A Introspecção de Hanan escrita por Tahail


Capítulo 1
Devaneios




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Eu, um rapaz vulgo educando ortodoxo de seu berço e todas as suas incongruências. Estouvado, metódico, atilado, temerário, medroso. Um fidedigno ardiloso. Humano, benevolente e indulgente mesmo que malicioso e rancoroso.

Fito o meu redor. Cá está o meu aposento, ou melhor, aqui estou nele. Isto me evoca duma reflexão um tanto descartável...

Eu possuo uma alma. Errado. Eu possuo um corpo.

Em cima da banca, o meu caderno. Da espalda da cadeira, minha roupa. Da cama, eu. Aqui estou, pois é noite. Ela me encanta, alicia e instiga à loucura, seu silêncio que murmura palavras encantadoras me tiram o sono e deixam no maior dos estágios empáticos, a fadiga me derruba.

O Primeiro Sonho — A Quimera.

Escuto o fustigar do mais belo dos instrumentos, a voz. Como num coro estupefaciente, vozes femininas que dimanavam em ar físico, em fluentes visíveis. Uma reação nunca antes vista, por mim... Uma sensação incrível de sinestesia. O fluir do som no ar como ondas não simplesmente longitudinais, mas visíveis aos olhos em cor, em vários tons. O azul desmesurado que tomou conta de minha visão e do ambiente. Oscilava de forma que me fazia hesitar até no pensamento, sorrir, chorar ou simplesmente apreciar?

Aos poucos, as vozes femininas iam retrogredindo, e as ondas acompanhavam perfeitamente o ritmo da melodia que lhes era imposta pelo brado. Dissiparam-se. No lugar daquele coro, uma única voz ia surgindo. Desumana, surreal. Um tenor.

Acompanhado pelas vozes, e com nenhuma consciência de locomoção própria, uma porta vinha defronte a mim. Ou o contrário?

O ádito era majestoso, o dobro de minha altura, o triplo de minha envergadura. Totalmente feito em madeira e esculpido. Por que não dizer lapidado? Toda a sua magnanimidade, indescritível, diga-se de passagem, não residia em seu material, muito menos na forma que lhe fora dada. Dragões imensos ali estavam facetados, juntos de relevos que me lembravam montanhas ou ondas. E sombras. Fragmentos das sombras que vinham das bordas e pareciam tentar chegar ao centro da porta. À maçaneta.

Sua simetria. Pra mim, o perfeito símbolo de equilíbrio... Em cima das argolas o grande símbolo de Lemniscata, partido perfeitamente ao meio, eu acho.

O primeiro recinto era claro, extremamente alvo. Totalmente cândido. Para toda e qualquer direção e sentido, a porta era a única coisa lá que não possuía tal cor.

Quando abri a porta, o segundo recinto deu as caras, por assim dizer, tomou posse até de toda a brancura do primeiro. Enegreceu. Lá estava eu, num grandioso breu.

Assim como na primeira sala algo lá dentro se destacava. E não era a porta que, inclusive, não mais ali estava. No centro, se é que assim posso chamar, deduzo, então, estava uma escrivaninha de madeira com pernas ricas em detalhes, pareciam patas de dragões. Robustas. Textura visualmente semelhante às escamas de um.

Em cima da escrivaninha havia um lucivelo aceso, o mesmo que me possibilitou ver as pernas belíssimas de minha banca. Me apoderei dela vertiginosamente. Ao lado de minha fonte luminosa estava um tinteiro e uma pena. E logo ao lado, ocupando todo o espaço restante da escrivaninha, um alfarrábio.

Magnífico era aquele calhamaço. Sua capa era totalmente em relevo, os cantos exteriores eram protegidos por placas metálicas muito bem feitas e moldadas, cada uma com um ideograma que se desfazia na minha frente, revelando seu significado.

O primeiro era Alma, pra mim, a essência.

O segundo era Equilíbrio, pra mim, a resposta.

O terceiro era Benevolência, pra mim, um molde.

O quarto era Cólera, pra mim, uma personificação.

No centro da capa, feito em cima do couro, escrito aparentemente com sangue, estava um ideograma que não se desfazia. Não se caracterizava...

Abri a capa, as primeiras folhas em branco até que, depois de algumas passadas, letras de fato legíveis me saltavam aos olhos e gritavam, literalmente:

“Seja circunspecto. Cuidado na tua jornada. As feras com as quais irás lutar vão além da compreensão humana. São feras que podem arrancar-lhe tudo. A vitória está reservada para aqueles que estão dispostos a pagar o preço e determinados a ganhar a guerra sem lutar.”

— A Voz Guia

Logo abaixo do discurso, havia uma linha com um símbolo cruzado pequeno em seu início. De forma mecânica e totalmente sem controle, porém, consciente, peguei a pena do tinteiro e assinei em cima da linha.

— T. Hanan de Ílknur


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