A colecionadora de cicatrizes escrita por Triz Quintal Dos Anjos


Capítulo 21
Sua melhor chance...


Notas iniciais do capítulo

Oi anjinhos desse meu quintal!! (Referência ao meu sobrenome cof cof)

Antes de tudo: Eu preciso de um milagre para passar em química e física. E minha mãe estava vendo minhas notas e calculando quanto eu preciso tirar por bimestre para não ir para a recuperação. Não vou nem comentar sobre os lindos pontinhos que eu vou suar para conseguir, contudo irei contar que meu amado pai anda implicando cm a escrita e cm o tempo (quase nenhum, mas ok) que eu gasto aqui com vcs. O problema mesmo é esse: não sei se vou conseguir continuar escrevendo tanto quanto estava e olha que eu já tinha reduzido pacas pra poder estudar mais e ter um tempo pra dormir. Me recuso a parar de escrever, ou de ler, e o escambal, quanto a isso não se preocupem, só quanto ao tempo entre uma postagem e outra que provavelmente vai piorar. Tudo depende da minha nota nesse terceiro bimestre.

Enfim, agora vamos deixar meus problemas e dramas de lado e conversar sobre coisa boa: CHEGUEI CHEGANDO COM ESSE CAP E EU ESPERO QUE VCS GOSTEM TANTO QUANTO EU!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/712964/chapter/21

“Ele dormiu um verão ao meu lado

Ele preencheu meus dias com amor sem fim

Ele levou minha juventude em sua correia

Mas ele se foi quando o outono chegou



E ainda sonhava com ele vindo a mim

E nós viveríamos os anos juntos

Mas há sonhos que não podem ser

E há tempestades que não podemos prever



Eu tive um sonho de como minha vida seria

Tão diferente deste inferno que estou vivendo

Tão diferente agora daquilo que parecia

Agora a vida matou o sonho

Que eu sonhei”

—I dreamed a dream, Les miserables

                                                          ♛ ♛ ♛

—Daniel? – Chamei, levantando da poltrona velha que meu marido havia encontrado sabe-se lá onde.

  Ele dissera que seria ótima para quando eu fosse amamentar o bebê, mas desconfiava que fosse um pretexto para me fazer ficar no vilarejo em que estávamos e não viajar com uma criança pequena.

  Aliás, minha barriga estava tão grande e pesada que eu não via diferenças entre ela e um melão.

—Daniel?

—Estou aqui, amor, o que houve? Já está na hora? – Perguntou preocupado.

  Eu ri.

—Não, ainda faltam três meses, você sabe. Bobalhão.

—Vai que o nosso menino decide se adiantar, não é filho? – Ele disse para a minha barriga, beijando-a delicadamente.

—E se for uma menina? – Ergui a sobrancelha.

—Você mesma me garantiu que não seria, Srta. Mills. – Daniel bateu de leve com o indicador em meu nariz.

—Sim, mas talvez esteja na hora de escolher um nome, não? Você me prometeu que iríamos decidir hoje.

—Sim, eu prometi.

  Eu puxei sua mão até a cama e peguei o pedaço de papel onde havia rabiscado alguns nomes.

—Aqui, escolha um de cada. Estou na dúvida entre esses.

  Daniel leu devagar cada nome, sussurrando-os e saboreando sua pronúncia, como se cada pequeno detalhe fosse extremamente importante.

—Bem, se for menina, eu gostei mais desse aqui: Alison. Que também serviria para um menino, mas...

  Assenti, dando um passo a frente.

—Mas...?

—Henry era o nome do seu pai, não era? Você comentou uma vez que queria que esse fosse o nome do seu filho, então os outros não tem nem chance.

—Nós podemos chamar o próximo de Henry se você preferiu algum outro. – Sugeri, passando meus braços ao redor do seu pescoço.

—Você já está pensando no próximo, dona Regina? – Brincou, com um sorriso malicioso. – Mas não há necessidade. Henry é perfeito para ele. – E beijou minha testa com ternura.

                                                ♛

  Para onde eu ia ir sem dinheiro e com uma criança de colo doente? O que ia fazer?

  Eu não sabia. E isso só me preocupava mais, porque Henry precisava de um teto, precisava de cuidado. E não tinha como fornecer isso a ele.

  Minha magia estava fraca demais, de modo que não poderia voltar a usá-la tão cedo, no entanto não podia deixar meu filho passar a noite sob o sereno. Ele era a única coisa que eu tinha. Meu pequeno Henry.

  Continuei andando sem qualquer rumo. Eu jamais deveria ter acreditado que conseguiria esconder meu filho do capitão.

  Ainda podia ouvi-lo me expulsando sem nem poder pegar minhas coisas ou as de Henry.

  Era mesmo uma tola.

  Que tipo de mãe eu era? Não conseguia nem dar um lar decente ao meu filho!

  Céus! O que eu ia fazer?! Henry era meu tudo e eu o amava tanto, tanto... Mas amor não o alimentaria. Amor não daria a ele roupas novas quando ele precisasse. Amor não iria dá-lo um teto para se proteger do frio e da chuva.

  Não importava o quanto eu amasse meu filho. Não era o suficiente para dar a ele a vida que merecia.

  Talvez eu devesse deixa-lo em alguma porta. Onde vivessem pessoas em condições melhores que as minhas.

  Não. Não podia. Que garantia eu teria de que ele seria amado? De que receberia tudo o que merecia? Nenhuma.

  Minha intenção era oferecer a ele a melhor vida que pudesse e uma crescer sem amor, mesmo que em boas condições, não era a resposta.

 Após horas andando em círculos sentei em um pequeno banco no cais que ficava de frente para uma vilazinha. Algumas crianças brincavam não muito longe.

  Com as mãos escondendo meu rosto, desatei a chorar, deixando que todos os sentimentos ruins escapassem de mim.

  Por que coisas tão horrendas aconteciam com pessoas boas? O que eu tinha feito? O que Henry tinha feito? Ele era só um pobre garotinho, completamente dependente dos outros para viver.

  O problema estava comigo. Eu destruía tudo o que tocava. Era como uma maçã envenenada que estragava todas as outras do cesto.

—Moça, – Ouvi uma vozinha infantil chamar e abri os olhos. – por que você está chorando?

  Era um garotinho. Devia ter no máximo seis anos, a julgar pelo corpinho magricela e pelas bochechinhas fofas e róseas.

—Eu não estou chorando. – Menti descaradamente, ajeitando a postura e secando as lágrimas com as costas das mãos.

—Está sim. – Ele disse. – Eu vi.

—Qual o seu nome, meu amor?

—Roland. – Ele se sentou ao meu lado. – Sabe, meu papai diz que quando estamos tristes temos que pensar nas nossas coisas favoritas, aí a tristeza passa. Por que você não pensa numa torta? Tenho certeza que vai ficar feliz!

  Não me aguentei e ri.

—Ah, muito obrigada. Já estou pensando em uma, até me senti mais alegre!

—Perdoe o meu filho. – Uma voz grave e macia disse.

  Ao olhar para frente, deparei-me com um homem forte de olhos e cabelos claros, ele me olhava com curiosidade, mas logo desviou o olhar para Roland.

—Não há nada para ser perdoado. – Falei. – Seu filho é um amor.

  O homem olhou para o filho com repreensão mesmo assim, e o garoto logo o deu a mão.

—Quem é a senhorita, aliás?

—Me chamo Regina.

—Prazer, Regina. Sou Robin e este é meu filho, Roland.

—É um prazer conhece-lo. – Forcei um sorriso simpático.

—Está sozinha?

—Não, – Apontei para Henry com o queixo. – estou com meu filho.

  Robin riu.

—O que é praticamente a mesma coisa.

  Forcei um riso apenas para ser simpática. Eu queria fugir e me esconder em algum lugar escuro onde pudesse chorar em paz.

—Que tal um café? Tenho certeza que Roland ficará muito feliz se você aceitar.

—SIIIIIM! – Gritou o menino, erguendo os bracinhos.

—Já que é assim, tudo bem.

  Levantei e fui com os dois até uma das casinhas da vila. Era simples, porém muito bem arrumada. Roland me levou até seu quarto, onde deixei Henry e onde ele me apresentou aos seus três bichinhos de pelúcia. Não sei quanto tempo passei com ele, mas gostava do menino. Sentia como se ele fosse a versão crescida que Henry um dia iria se tornar.

  Estranho estar na casa de alguém que mal conhecia. O que estava fazendo? Céus, podia estar arriscando a vida do meu filho!

  Contudo essa suspeita sempre desaparecia quando olhava para Robin. Ele era gentil  e amoroso demais com o filho para significar perigo.

  Talvez eu pudesse confiar nele.

                                                   ♛

  Acordei repentinamente, sentindo uma dor insuportável, mas não era ela que me preocupava, era o lençol da cama molhado. A bolsa tinha estourado.

—Daniel! Chamei, nervosa, batendo nele de qualquer jeito. – Daniel, pelo amor de tudo o que é mais sagrado, levanta!

  Estava prestes a puxar o cobertor de cima dele quando parei com a mão no meio do caminho e a pus sobre a barriga, enquanto um grito de dor rasgava minha garganta.

  Daniel acordou num pulo, atordoado.

—O que aconteceu? – Mas bastou olhar para os lençóis molhados e a minha cara de desespero que ele entendeu o que acontecia. – Vou chamar a parteira, aguente firme.

  Então beijou minha bochecha rapidamente e saiu correndo.

  Graças aos céus Célia, uma mulher mal humorada e solteirona, morava ao lado e em menos de cinco minutos estaria ali pronta para trazer meu pequeno – ou pequena –  ao mundo.  

  Eu estava ansiosa. Queria ver o rostinho do meu bebê, apertá-lo com todo o carinho contra o peito, nina-lo, dar a ele o amor materno que eu não tivera.

  Ele seria amado por ambos os pais, cresceria forte e teria uma vida alegre. Eu sabia que sim. Aquele não era só o meu final feliz, era minha chance de recomeçar.

  Gritei novamente e deixei algumas lágrimas escaparem. Onde estava Daniel que não chegava? Respirando fundo, me ajeitei na cama e tentei me concentrar na criança que estava dentro de mim. Ela precisava sair e eu precisava ser forte o suficiente para que isso acontecesse. E seria.

—Pegue uma bacia de água quente, rapaz, ande. – Ouvi a voz aguda de Célia dizer.

  Então ela surgiu no quarto e me cumprimentou com um aceno de cabeça, ao qual eu respondi com um urro de dor.

  Logo Daniel já estava no quarto novamente, segurando minha mão e sussurrando palavras de incentivo.

  Mas as coisas não estavam sendo tão simples como eu achei que seriam. Horas se passaram e nada acontecia. Grito após grito, lágrima após lágrima, e tudo o que eu ouvia eram os gritos rudes de Célia ao invés do choro do meu filho.

—Vamos, força, você quer mesmo que essa criança nasça? Porque se quer, acho bom fazer força logo!

—Eu estou fazendo! – Gemi.

—Não dê atenção, querida. – Daniel sussurrou beijando minha têmpora e afastando os fios que tinham grudado em minha testa. – Você está indo muito bem, só falta um pouquinho e nossa criança vai estar aqui com a gente, ouviu?

  Assenti repetitivamente respirando fundo e me preparando para a contração que se aproximava cada vez mais.

  Tentei não gritar dessa vez, mas estrangular a mão do meu marido não estava sendo suficiente.

—Eu não consigo. – Choraminguei.

—Shhh, consegue sim. Eu estou aqui com você, vamos lá, força Gina. – Daniel disse, afagando minha mão.

  Aquilo revigorou minhas forças. Tudo ia dar certo, eu sabia, só tinha que acreditar. Contudo a dor aumentava cada vez mais, as horas passavam e minha garganta doía tanto que logo os gritos foram diminuindo, até se tornaram apenas gemidos agoniados.

—Regina, ouça bem, respire fundo e reúna toda a força que eu sei que você tem. Vamos, ele está vindo, minha menina.

   A parteira gritou algo rude que só me fez chorar mais, porém Daniel sentou na cama e pôs minha cabeça em seu colo, enquanto afagava meus cabelos, proporcionando-me o pequeno segundo de paz que necessitava.

  Então, com um ultimo urro que certamente acordou todo o reino, a dor passou e eu pude ouvir um chorinho fraco.

—Acabou, você conseguiu, querida! – disse o mais novo papai, animado. – Você conseguiu!

  Eu ri em meio ás lágrimas. Havia acabado, finalmente.

  Célia entregou-me a criança e, antes de nos deixar, disse:

—É um menino.

  Eu o abracei com todo o carinho do mundo, e ele logo parou de chorar. Meu filho. Eu estava certa, era um menininho.

—Ele é lindo, Regina. – Sussurrou Daniel, completamente encantado. – Parece com você.

—Ele ainda tem carinha de joelho, não dá para saber com que se parece.

—Bem, você acabou de dizer que tem cara de joelho, porque Henry é a sua cara.

  Eu ri, em seguida olhei para o menino com atenção. Era tão lindo, tão... perfeito.

—Henry, meu garotinho. – Mussitei pegando sua mãozinha. – A mamãe te ama, pequeno.

—E o papai também.

  Sorri vendo Daniel completamente deslumbrado. Ele olhava o filho como quem olha o diamante mais precioso do mundo.

—Obrigado, meu amor. Obrigada por me dar uma família tão linda.

  Ele uniu os nossos lábios num beijo delicado e cheio de carinho. Mas então ouvimos um barulho, uma risada. E não era nada simpática.

  Em dois segundos nos separamos, os ouvidos atentos.

—Saia da minha frente, imprestável.

—Cora. – Sussurrei, cheia de pavor.

  Não era possível, logo agora que eu estava feliz, que era amada. Aquele era o meu final feliz, ninguém podia tirá-lo de mim. Ninguém.

  Daniel trancou a porta.

—Isso não vai atrasa-la por muito tempo. – Ele pegou a trouxa de Henry e a cestinha que serviria de berço, já que não tínhamos dinheiro para comprar um. – Vamos Regina, temos que sair daqui.

  Com dificuldade me ergui, entregando Henry a ele que o pegou desajeitado e colocou no berço improvisado. Rapidamente vesti meu sobretudo e pus uma fita no bolso para quando tivesse tempo de prender o cabelo.

  Cambaleei até a janela e a abri, pulando com a ajuda de Daniel. Mas então ele me olhou cheio de dor nos olhos e eu soube que algo ruim ia acontecer e despedaçar minha felicidade.

—Eu vou ficar.

—O que?! – Exclamei baixinho. – Não vai não! Nós temos um filho, ele precisa do pai!

—Ele precisa mais da mãe e ela tem que estar viva. Eu vou ficar e tentar convencê-la de que não estamos mais juntos. Encontro você em alguns dias na próxima vila.

—Eu não vou ir sem você. – Decidi, chorosa.

—Eu te amo, querida, mas você tem que ir

  Ouvimos outro grito de minha mãe e então um baque surdo. Pelo visto alguém acabara de morrer.

—Eu também te amo.

  Então ele olhou para a cestinha de onde Henry olhava para nós com seus olhinhos curiosos e amedrontados.

—O papai ama você, garoto. Cuide da sua mãe enquanto eu estiver longe.

  Então ele se afastou e antes que eu pudesse protestar, entrou e trancou a janela.

                                              ♛

  Quando Robin nos chamou para o café Roland saiu pulando na frente e gritando por biscoitos de chocolate.

—Roland está enérgico hoje, peço desculpas se cansou você. Ele puxou isso da mãe, ás vezes acorda como se fosse seu último dia de vida e ele tivesse que aproveitar cada segundo. – Robin disse ao me entregar uma xícara com o líquido fumegante.

  Sentei-me á mesa, de frente para ele e para o menino.

—Que isso! Ele é um doce de menino. – Olhei rapidamente para Roland e seus biscoitos.

  Não ousei perguntar sobre a mãe dele, já que o garoto pareceu triste quando a mesma foi citada.

—E o seu filho, como se chama?

—Ah, perdão, pensei que tinha dito. – Levei a xícara aos lábios e tomei um gole do líquido escuro. – É Henry.

—Bonito nome. – Comentou. – Olhe, eu sei que não devia, contudo reparei que a senhorita estava chorando.

  Senti a cor sumindo do meu rosto, mas tentei focar em outra coisa.

—Pode me chamar de Regina.

—Claro. Regina. – Corrigiu-se desconfiado. –  Pode me dizer o que houve? É algo com seu filho, precisa de ajuda? Não sinta vergonha, posso tentar ajudar.

  Algo cresceu em meu coração. Afinidade. Sim era isso. Olhando aqueles olhos esverdeados tive vontade de despejar toda a minha vida, de pedir socorro, de chorar e lamentar tudo o que não pudera.

  Não pudera chorar por Daniel porque tinha Henry para cuidar. Não pudera reclamar de saudades de minha família porque tinha um amor ao meu lado que também desistira de mundos por mim. E agora tinha que ser forte novamente, não podia me lamentar por provavelmente nunca mais ver meus amigos, porque ter uma casa onde criar meu filho era mais importante.

  Acontece que eu estava cansada de ter que ser forte. Eu queria apenas cinco minutos para chorar, berrar e reclamar, para parecer uma criancinha mimada que não conseguiu o que queria. Só cinco minutos. Era pedir demais?

—Não, está tudo bem. – Menti.

—Tem certeza?

  Então eu voltei atrás e estava pronta para ter os meus minutos de lamentações, contudo um homem invadiu o local antes que isso acontecesse. Ele era estranho, pálido demais e com cabelos quase brancos.

—Ah, perdão, não sabia que estava com visitas. – Ele disse.

—Olá, Whale! Está é Regina. Regina, este é meu vizinho, Dr. Whale.

  Estendi a mão meio de mal grado e o homem apertou-a simpaticamente.

—Bem, Regina, se importa de nos dar um minuto?

 Murmurei alguma resposta gentil e saí do local com Roland me seguindo e tagarelando. Entretanto eu não o ouvia. Só conseguia pensar em uma coisa.

  Robin era bom para Roland,e, bem, eu era uma mãe horrível. Meu filho precisava de... de alguém que pudesse dar a ele um futuro promissor.

  Me odiei por realmente estar considerando fazer aquilo, todavia que outra oportunidade iria ter? Ninguém ia empregar uma ex-pirata que carregasse nos braços uma criança.

 Eu tinha de tomar a decisão mais difícil da minha vida e tinha tão pouco tempo...Doía pensar daquela maneira, mas talvez deixar Henry ali e sumir fosse o melhor para todos.

  Respirei fundo, tomando coragem. Sim era o que eu faria. Ele iria crescer feliz, teria amor. Não se lembraria de mim e da desgraça que havia feito com a vidinha dele.

  Decidida, fui até o quarto de Roland, que logo apareceu para buscar seu macaquinho de pelúcia, abandonando-me em seguida com meu filho.

—Adeus meu príncipe. – Chorei, beijando sua mãozinha miúda. – Prometo que tudo vai dar certo, está bem, querido? Eu preciso te dar a sua melhor chance.

 Com lágrimas nos olhos me afastei, aproveitando que Roland se distraía com o boneco na sala e Robin falava com Whale na cozinha, saí pela porta e corri o mais rápido que pude, deixando para trás meu filho. E meu coração.

  A chuva desatou a cair, cheia de raios e trovões, como se os céus me repreendessem por abandonar uma criança inocente e frágil.

  Porém eu não ia voltar. Nunca mais. Essa era a vida de Henry e eu não iria estraga-la. Ele ia ser mais feliz sem mim.

  Ainda assim era tudo tão cruel, tão terrivelmente cruel!

  Fechei os olhos sentindo a chuva fria me molhar ainda mais. Eu esperava que ela me causasse uma pneumonia e eu morresse. Isso: eu queria morrer, queria tanto!

  Havia jurado permanecer ao lado de Henry por toda a minha vida, e ainda assim o abandonara antes que completasse um ano. Não me importava os motivos que eu tinha. Não me importava que aquilo fosse o melhor para ele. Eu era uma péssima mãe por ter deixado que as coisas chegassem naquele ponto.

  Quando abri os olhos não havia ninguém na chuva. As ruas estavam completamente desertas e prateadas, como se tivessem brilho próprio. Apenas a luz da lua iluminava o local e eu pensei ver alguém. Apertei os olhos.

  Aquele cabelo, os ombros largos... só podia ser uma pessoa. Não, não era possível. Eu estava enlouquecendo. Pisquei repetidas vezes, mas o que aconteceu foi Daniel chegando mais perto até estar de frente para mim.

—É você mesmo? – Indaguei incrédula.

  Ele sorriu. Era um sorriso tão doce, tão terno, que o frio da tempestade que caía já não me atingia mais.

—É claro que sim, querida. Não está mais me reconhecendo?

  Uma lágrima fugiu de meus olhos, contudo Daniel não percebeu por causa da chuva.

—Estou sim, é só que... – Minha fala foi cortada pelos soluços que eu já não conseguia mais conter.

  O homem me abraçou e afagou meus cabelos. Eu sentia tanta saudade disso, sentia tanta falta de tê-lo perto de mim.

—Não chore, Gininha. Eu estou aqui agora.

—Eu senti tanta saudade. – Contei, os olhos fechados.

  Aproveitava cada segundo tão prazeroso que passava ao lado dele, como se aquela fosse a despedida oficial que nunca pudemos ter.

—Não importa. Eu voltei, não voltei? Vamos ser felizes agora, eu, você e o nosso pequeno Henry.

  Henry. Como eu ia dizer que havia abandonado o nosso filho? Por onde começaria a contar aquela história tragicamente amarga?

—Onde está ele? Onde está o nosso garotinho? – Ele se afastou. – Não importa, vamos para um lugar melhor que este, lá conversamos, venha.

  Então eu o segui, engolindo o choro e espantando os sentimentos ruins, com o único pensamento que repetia para mim desde que meu filho nascera: “tudo vai ficar bem”.

—REGINA! – Ouvi uma voz conhecida em algum lugar atrás de mim.

  Virei-me por instinto e avistei uma Emma desesperada e um Robin paralisado. O que estava acontecendo? Foi aí que olhei de volta á procura de Daniel, todavia ele havia desaparecido.

—Daniel? – Chamei, mas antes que eu pudesse sequer ouvir uma resposta ou procura-lo melhor, algo bateu de encontro ao meu corpo, jogando-me alto e fazendo com  que o ar sumisse dos meus pulmões.

  Meu peito doía terrivelmente e tudo girava, eu não conseguia respirar direito, e engasgava com a água da chuva.

—Regina? Meu Deus, fale comigo, por favor! – Emma implorou antes mesmo de surgir em meu campo de visão.

—Daniel... ele es-estava aqui...

—Quem é esse? – Ouvi Robin perguntar.

—Eu não sei! – Emma voltou-se para mim de novo. – Preciso que você fique calma, tudo bem? Vamos tirar você daqui.

—Emma, era ele...Daniel... eu o vi... –Tossi e procurei por ar, engasgando-me novamente. – Era ele... onde ele está, Emma?... Por que ele não... ficou comigo?

—Robin, temos de tirá-la daqui, por favor. – Ela chorava.

  Agora ele estava ajoelhado e apalpava meu tórax levemente, mas eu não tinha forças para dizer que estava doendo.

—Acho que ela quebrou uma costela, temos que chamar Whale.

—Tire-a daqui logo! Ela está sofrendo!

  Pontos pretos surgiram em minha visão e meu tórax doía tanto que eu sequer ousava respirar profundamente.

—Por que ele... ele... ele não ficou...por que? – Consegui balbuciar, atordoada.

—Shhh, fique quietinha, Regina. – Robin falou, passando a mão pelo meu rosto carinhosamente. – Emma vá busca-lo, Whale é médico vai saber o que fazer, eu fico aqui com ela.

  Vi Emma se levantar e correr, mas eu não via Daniel. Ele estivera ali, não? As coisas estavam tão confusas...

—Vai ficar tudo bem, eu prometo. – Concluiu, Robin.

  Contudo sua voz soava abafada, como se eu estivesse envolvida numa bolha. As coisas giravam embaçadas e escuras, tudo doía.

  E de repente não havia mais nada.

                                           ♛

  Dois meses. Isso era muito mais que três dias, eu sabia. Mas a esperança de que Daniel voltasse era sempre grande. Assim como a certeza esmagadora de que ele não voltaria.

  Com Henry nos braços olhei mais uma vez para a cruz de madeira me meio ao pequeno jardim de flores que eu havia arrumado ao longo das semanas que passara naquela casa abandonada. No início acreditava que meu marido voltaria para buscar a mim e ao nosso filho, e que o jardim talvez pudesse lhe agradar, ou que talvez pudéssemos levar algumas das flores para plantar em nossa nova casa, como um símbolo do nosso amor. Contudo ele não viera.

  Eu tinha de me conformar com isso, Daniel estava morto. Como tantos outros que cruzaram o caminho de Cora. Ele não ia voltar. Não ia me abraçar nunca mais. Não ia beijar Henry ou ouvi-lo falar “papai” pela primeira vez. Nunca mais veria seu sorriso ou seu rosto. Nunca mais sentiria seu cheiro ou o sabor de seus lábios. Por que meu amor se sacrificara por sua família.

  Então eu chorei. Chorei tanto que sentia as lágrimas pingando em minhas clavículas e escorrendo por dentro de meu vestido simples e velho. Doía tanto não tê-lo ali, ao meu lado. Lembrar de todos os planos que havíamos feito, de tudo que enfrentamos para ficar juntos. E agora, de que adiantava? Eu estava sozinha novamente.

  Henry se remexeu em meus braços. Não, eu não estava sozinha. Ainda tinha meu menininho. E por mais que tudo aquilo fosse horrível, por mais que meu coração estivesse completamente em frangalhos, por mais que nunca fosse ter a certeza absoluta de que Daniel morrera, ter meu filho ali era um sonho realizado. Um sonho que fora de duas pessoas. Mesmo que uma delas não estivesse mais ali.

—Daniel. – Sussurrei, me despedindo do nome que significava tanto para mim. – Você foi o melhor marido que poderia ter sido. – Funguei e respirei fundo, tentando controlar o choro. Essa era a minha despedida, tinha que fazer direito. – Eu te amei tanto, tanto...E sei que me amou de volta. Eu via isso em cada gesto seu, em cada palavra. Sinto muito ter destruído tudo. Por favor, me perdoe. – As lágrimas escorriam livremente pelo meus rosto mais uma vez. – Sei que ficou porque queria salvar a mim e a Henry, eu devia ter pensado nisso naquela hora, que você jamais voltaria. Contudo eu não podia adivinhar, querido, que aquele era o nosso “Adeus”. Daniel eu te amo e preciso dizer isso uma última vez. Eu te amo, meu amor. Acho que nunca vou deixar de amar. Acho que nunca vou deixar de sentir saudades. Porque a cada segundo eu te vejo voltando e me roubando um beijo, te vejo pegando nosso filho com aquela sua cara de pai babão. E eu só queria poder te ver mais uma vez. – Fechei s olhos e, quando os soluços finalmente pararam de sacudir meu corpo, decidi que aquilo já estava me abalando demais, que precisava terminar e partir. Precisava recomeçar. – Saiba que lhe sou grata por ter deixado uma parte sua comigo. Nosso filho vai ser muito bem criado e eu vou contar tanto de você para ele que Henry nunca sentirá falta de uma figura paterna. Pois terá lembranças com você, de momentos que jamais acontecerão. Ele vai se lembrar do dia em que você chega em casa com duas espadas e o ensina a lutar, vai se lembrar de quando você o aconselhar sobre seu primeiro amor, vai se lembrar de você em todos os aniversários. Eu prometo, meu bem! E também prometo que cuidarei dele com minha vida. Farei qualquer coisa para dar ao nosso menino a vida que sonhamos em dar para ele. Qualquer coisa.

                                           ♛


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O QUE VCS ACHARAM DO CAP? Eu gostei bastante dele, escrevi faz um tempinho, aliás. Se vcs choraram como minha irmã garantiu que aconteceria (Selo Pirarucu Psicodélico de qualidade ) devo dizer que fico feliz, porque eu chorei horrores quando sonhei com isso e muito mais quando escrevi :v

Bom, vou ter que ficar por aqui, contudo prometo fazer o possível para não demorar tanto. Um abração pra todos vocês, a Triz ama seus anjinhos ;) s2



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A colecionadora de cicatrizes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.