A verdade sobre uma pequena mentira escrita por calivillas


Capítulo 16
Uma noite muito estranha




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— Posso subir? – Alex indagou, sem demonstrar emoção na voz, assim que parou o carro, quase em frente do prédio onde moro. Tentei disfarçar minha surpresa, porque não esperava por isso, ele não parecia nem um pouco interessado em mim. Ao perceber minha demora em responder, complementou: — Só preciso de um lugar para me esconder por algum tempo, até aquela festa acabar.

— Claro que pode, Alex – Finalmente, concordei, sem entender o que aquilo significava, mas não queria me meter em assunto de família, então saímos do carro e caminhamos o pequeno percurso até a minha portaria em silêncio, sem nos tocarmos.

 Ele com as mãos nos bolsos da calça e cabeça baixa, parecia triste e eu com os braços cruzados na frente do corpo, tensa. Mais uma vez, uma sensação estranha me atingiu, como se estivéssemos sendo observados, os pelos da minha nuca se eriçaram, até pude perceber uma sombra, que se perdeu na escuridão na segunda olhada.

Quando entramos no meu apartamento, os olhos de Alex se arregalaram diante do vulto do anjo de guarda de metal enegrecido pelo tempo, com sua espada pronta para o combate e seu olhar acusador, que guardava minha porta, ri da expressão de espanto no rosto dele.

— Esse é Azazel, o guardião do paraíso, era o anjo-protetor da minha avó.  Apesar de ele não ter feito direito o seu papel – digo, não revelando a respeito da morte violenta dela por atropelamento, que, atualmente, desconfiava ter sido um assassinato premeditado, mas não queria que meu convidado soubesse disso.

— Ele é meio grande para ter em casa – ele observou, olhando a estátua com interesse.

— Todo mundo fala a mesma coisa, mas, por enquanto, ele vai ficar aí mesmo. Vamos, sente-se onde quiser – Eu o convidei e ele admirou a sala, ainda com a cara da minha avó, em um estilo clássico, um tanto antiquado.

— Sua sala até que é bonita, mas não combina com você – ele falou, sorri concordando.

— Essa era a casa da minha avó, ainda tem a cara dela, não a minha.

Uriel pulou da poltrona, assustando Alex, correndo em direção ao escritório, pois aquele gato não gostava de estranhos,

— Desculpe! Ele também é herança da minha avó. Quer beber algo? Não tenho muita coisa.

— Um café está ótimo.

— Um café? Tudo bem. Isso eu tenho – Fui até a cozinha e coloquei o café na cafeteira, voltei para sala, enquanto esperava que ficasse pronto.

Alex estava sentando, distraído, olhando para as mãos, levantou os olhos quando entrei.

— Você deve estar estranhando, eu aqui com uma mulher bonita como você e não tentar nada – ele confessou, de um jeito triste.

— Não, eu não estava pensando nisso – O que era mentira, eu tinha pensando exatamente sobre isso, muitas vezes, no entanto, agora, eu estava preferindo daquele jeito.

— Mas, não é culpa sua ou minha, Julia. É que, simplesmente, sou apaixonado por outra pessoa, há muito tempo – declarou, em tom de confissão.

— Esta pessoa sabe disso? Desse seu sentimento?

— Às vezes, acho que sim, outra vezes, acho que não.

— Você já contou isso a ela?

— Não, não tenho coragem – ele respondeu, desanimado, e eu o encarei, com pena dele, pois estas histórias de amores não correspondidos sempre me comoviam bastante.

— Alex, todo mundo já passou por isso antes. Quem nunca amou alguém que não correspondia esse amor? E não é culpada de ninguém, somente acontece. Aquela pessoa pode ser a dos seus sonhos e você não ser a dos sonhos dela — falo de modo suave, sentando próximo a ele, querendo alcançar suas mãos para confortá-lo, contudo, não tenho coragem.

— Eu sei que você tem razão, Julia — ele me deu um olhar melancólico. – Eu queria tentar sair dessa, mas está muito difícil.

— É assim com todo mundo. Espere um pouco, vou pegar nosso café.

Vou para a cozinha e voltei com uma bandeja com as xícaras de café, cujo cheiro se espalhava no ar.

— Minha família espera que eu me case e tenha filhos, para continuar a linhagem e a tradição, quase como um touro premiado – Ele deu um sorriso resignado, no momento que eu lhe entregava uma das xícaras.

— Todo mundo tem o peso da sua herança. – Pensei na história do livro, que eu inadvertidamente expus.

— Você é legal, Julia. É fácil de conversar, me entende. Gostaria de ter me apaixonado por você – declarou, para o meu espanto.

— Isso só acontece porque você não está apaixonado por mim. Pois, quando estamos apaixonados, ficamos burros, não conseguimos pensar direito, nem sabemos porque fazemos certas coisas, que, normalmente, não faríamos – falava como um expert que não sou.

— Acho que você tem razão. Como sabe tanto sobre esse assunto, sendo tão jovem.

— Sou uma boa observadora.

— Posso dormir aqui? Eu durmo no sofá – completou a perceber a minha hesitação.

— Claro que pode. Vou trazer lençóis e um travesseiro para você. Mas acho que não tenho nada que sirva para você vestir.

— Dou um jeito – ele sorriu, satisfeito.

Mais tarde, deitada na minha cama, sem conseguir dormir, fiquei pensando como era estranho ter Alex Ryan, uma das minhas paixonites da adolescência, ocupando o sofá da minha sala, e não tinha mínima vontade de ficar com ele.

Nesse momento que ouvi um barulho, achei que deveria ser Uriel, imaginei que aquele gato genioso poderia atacar Alex e arranhá-lo, enquanto dormia. Levantei-me e fui atrás dele, no corredor, levei um susto ao ver a luz do escritório acesa, assim, caminhei lentamente, pé ante pé, até consegui olhar pela pequena fresta da porta entreaberta, para ver Alex, só vestindo a calça de pé no meio do lugar. Percebi que ele examinava os livros nas prateleiras, pegando um de cada vez, abria, folheava seu conteúdo e recolocava no lugar. Observei, escondida por algum tempo, ele fazer isso várias vezes até que estava ficando muito perto dos livros de culinária, entre os quais havia escondido manuscrito da minha avó, então, achei que já era hora de parar com aquilo.

— Alex! O que faz aqui? Precisa de algo? – Fingi estar espantada e escancarando a porta. Ele pulou com o susto.

— Não conseguia dormir, por isso, estava procurando alguma coisa para ler. Sua avó tinha muitos livros – ele desculpou, um tanto sem graça.

— Ah!  Sim, ela gostava muito de ler. Qual o gênero que prefere? Sei onde estão todos eles – prossegui dissimulada.

— Não precisa, acho que vou tentar dormir agora. Deve ter sido o café.

— É, o café pode ser uma má ideia a essa hora da noite.

— Boa noite, Julia — Ele passou por mim, voltando para a sala.

— Boa noite, Alex – apaguei a luz e fechei a porta do escritório, voltei para o meu quarto e tranquei a porta.

Não sei que hora era, porém devia ser bem cedo, quando acordei com batidas na porta do quarto.

— Julia! – Era Alex, levantei sonolenta, sem me preocupar com a minha aparência. Devia estar horrível, pois notei o ar divertido dele ao me ver daquele jeito.

— O que houve, Alex? – quis saber, ainda meio tonta de sono.

— Harom, O avô de Dario, morreu!

— O avô de Dario? Aquele senhor que vimos ontem na festa?

— Sim, ele mesmo.

— Mas como? – perguntei atordoada, pois apesar de muito idoso, parecia bem de saúde.

— Não se sabe ainda. Ele, simplesmente, foi encontrado morto, na cama, hoje de manhã bem cedo. Acham que foi um infarto do miocárdio.

— E como você soube disso?

— Como você sabe, nossas famílias são amigas, há muito tempo. Então, me mandaram uma mensagem pelo celular, pedindo para ir até lá, representar a família. Então, estou indo para casa deles agora. Quer vir comigo, Julia?

— O que eu faria lá, nesse momento?

— Eu só pensei...

— É. Acho que poderia ir – por uma estranha razão, pensei em Dario, e como ele estaria sofrendo naquele momento, tive uma vontade imensa de estar ao lado dele.


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