A verdade sobre uma pequena mentira escrita por calivillas


Capítulo 10
Mentiras verdadeiras




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Nada de produção para Dario Ferrer, somente a cara lavada, um jeans e camiseta bastavam. Nós combinamos de nos encontrarmos para almoçarmos, em um pequeno restaurante no meio do caminho entre as nossas casas. Cheguei mais cedo, escolhi uma mesa, pedi um refrigerante diet e esperei por algum tempo, ele chegou na hora marcada, com aquele jeito convencido de sempre, como eu, também vestindo camiseta e calça jeans. Tinha que admitir que ele ficava muito bem nesse tipo de roupa casual.

— Olá, Júlia. Você já está aí bem na hora. Gosto de pessoas pontuais! – Dario disse, sentando-se do outro lado da mesa, bem na minha frente. Acho que devo ter dando um olhar muito mal-humorado para ele, porque parou a brincadeira na hora, seu semblante ficou sério. Não entendo porque esse cara me deixa tão irritada.

— Então, o que tem para me contar sobre o caso Tony Felix? – perguntei, sem rodeios.

— Primeiro, podemos pedir o almoço, estou morrendo de fome, não tomei café da manhã hoje – Ele pegou e olhou o cardápio calmamente, fez o seu pedido ao garçom, filé, fritas e salada, depois olhou para mim, lembrando-se da minha existência – E você?

— Pode ser o mesmo – Tinha que confessar que também estava faminta, porque, também, não havia tomado café da manhã.

— Gosto de mulheres que comem bem – ele disse satisfeito, dei um sorriso sarcástico para ele. – E então? – questionou, cruzando os braços, relaxadamente, me encarando.

— E então, o quê? – Não entendi, sustentei o olhar, desafiadora.

— Como você descobriu sobre todos aqueles detalhes, que estão no seu livro? Qual é sua fonte? – Ele foi incisivo.

— Eu já falei, pesquisa — Fiz cara de inocente.

— Acho que não – Ele continuou a me encarar, erguendo o canto um dos cantos dos lábios em um sorriso torto e cínico.

— Como pode afirmar isso? Você está dizendo que estou mentindo? – repliquei, meio exasperada, sentindo-me ofendida, pois apesar de ser verdade, ele não sabia disso.

— Estou – ele falou, calmamente, sem tirar os olhos de mim, o que me incomodou. — Porque eu sempre pesquisei sobre Tony Felix, sou quase um expert nessa história e sobre a vida dele, e tem muitas coisas no seu livro que ninguém sabia.

— E aí? Como você pode ter tanta certeza sobre isso?

— Você quer um exemplo? Se lembra daquela história do assassinato dos informantes da polícia, que você descreveu com mínimos detalhes no seu livro.

— Lembro, era só ficção, algo que inventei – Dei de ombros, com dissimulada indiferença.

— Não era, não – ele disse, apoiando os cotovelos sobre a mesa, aproximando o seu rosto do meu e olhando dentro dos meus olhos.

— Como assim? – indaguei, surpresa, erguendo as sobrancelhas, sustentando o olhar.

Ele abriu a boca, pronto para uma resposta, mas parou de falar, enquanto nossos pratos eram servidos, esperamos até o garçom se afastar para continuarmos, talvez, houvesse um pouco de exagero nessa atitude, sem explicação.

— Um desses informantes era meu avô, o pai biológico do meu pai – Dario continuou me encarando, pretendendo estudar minhas reações àquela revelação, por reflexo, eu recuei, abismada, enquanto ele continuava: — Ele pertencia a organização de Tony e, simplesmente, desapareceu, nunca foi encontrado vivo ou morto. A minha avó era uma prostituta, que acabou sendo assassinada por um dos seus clientes. Meu pai e a irmã mais velha dele, tia Thereza, ficaram órfãos, então um dos policiais, que estava investigando o caso do meu avô, os adotou, ele os criou como os filhos que nunca teve. Agora, meu pai é advogado, faz trabalhos voluntários para famílias de vítimas desaparecidas. Ele obcecado pelo caso do pai dele, pesquisou por anos, querendo uma resposta. Nunca encontrou nada.

— Lamento! – murmurei, com sinceridade, nunca imaginaria que aquela história fosse real.

 — O mais engraçado é que você conseguiu as respostas – ele falava, olhando direto para os meus olhos, isso me dava medo, pois havia algo de selvagem, uma dor antiga, um desejo de vingança, tudo isso misturado ali, no fundo daqueles olhos escuros. Um calafrio percorreu minha espinha.

— Como pode ter certeza que aquilo era verdade?

— Não tenho, mas acho que era. Acho que você descobriu toda aquela história de alguma maneira. Então, Julia, como você descobriu aquilo tudo? Qual é a sua fonte? Alguém do antigo bando de Tony? – Estava em dúvida, contar ou não a verdade para ele, já que eu mal o conheci, e se aquela história fosse tudo mentira, uma enrolação para me enganar. Poderia ser um trote, uma brincadeira, um modo de provar que ele estava certo e que eu não tinha capacidade de escrever uma história tão boa como aquela. Por isso, resolvi manter a minha mentira.

— Já disse, foi só invenção. Eu juro! Não sei se foi exatamente aquilo que aconteceu com seu avô e só inventei – Fui enfática na minha posição.

— Espero que você saiba o que está fazendo, Julia. Como eu, outras pessoas podem ter lido seu livro e achar a mesma coisa, tem muitas coincidências nele. Isso pode ser perigoso para você.

Engoli seco, a comida não descia mais, tomei um gole de refrigerante para refrescar minha garganta e respirei fundo, para esconder a minha ansiedade. Fiquei o observando aquele homem devorando o seu prato, sem olhar para mim, estava certa que ele não acreditava no que eu disse, mas não queria polemizar.

— Você disse que Tony Felix foi libertado.

— Sim.

— Onde ele está agora? – Estava curiosa sobre o paradeiro do protagonista da minha história e se ele representaria algum risco para mim ou minha família.

— Ele estava muito doente, deve estar com algum parente, internado ou até mesmo morto. Talvez, ele não seja o seu maior problema, Julia. Mas, as pessoas que ele subornava como policiais e políticos podem achar que você seja perigosa para eles.

— Depois de tanto tempo? A maioria dessas pessoas devem estar mortas – ponderei, querendo me acalmar.

— Mas alguns estão bem vivos, são poderosos, tem família.

 — Você só quer me assustar, Dario!

— Pense o que quiser, Julia. Mas você tirou fantasmas do armário, os trouxe para luz do dia. Muita gente pode pensar, que você sabe mais do que diz saber – Vi sinceridade na voz dele, aquilo me apavorou ainda mais.

— E o que você acha que eu devo fazer, Dario?

— Não sei, Julia. Talvez, fosse melhor você ir a fundo e descobrir no que se meteu. Contudo, acho que não deve confiar em ninguém.

— Nem em você?

— Nem eu mim, Julia – ele afirmou, me encarando

Estava desnorteada, quando entrei no elevador do meu prédio, James estava lá dentro, me deu um sorriso simpático, me calmei um pouco ao vê-lo.

— Boa tarde, Julia.

— Boa tarde, James. Quando voltou?

— Hoje mais cedo. Como foi a sua sessão de autógrafos?

— Como você soube? – perguntei curiosa, ele me respondeu com um sorrisinho maroto — Melhor do que eu esperava.

— Recebi seu livro, obrigado pela lembrança — Ele levantou a mão me mostrando o exemplar que deixei na caixa de correio dele.

— De nada. Espero que goste! É um romance policial

— Aposto que vou gostar. Eu sou um apreciador de histórias policiais. Estou ansioso para ler o seu livro, Julia.

Assim que cheguei em casa, tive a visão do anjo protetor Azazel, me encarou, com seu olhar acusador.

— Eu sei! Acho que estou encrencada. Então será melhor, você cumprir o seu papel! – Cobrei dele, que continuou impassível me olhando, com sua espada em riste.

Assim corri para escrivaninha, onde o manuscrito da minha avó estava guardado, o segurei olhando em volta, pensando onde poderia escondê-lo. Talvez, atrás dos livros, mas olhando uma coleção de culinária tive a ideia, peguei um dos livros, que tinha o tamanho exato do caderno de minha avó, retirei a sobrecapa e fiz a troca, colocando de volta a estante e guardaria o livro original em outro lugar, não dava para perceber a mudança. Entretanto, ao tentar recolocar o livro substituído em outro lugar da estante, notei que algo me impedia, peguei uma cadeira e subi nela, enfiando a mão por trás dos livros, tirando de lá, uma pequena caixa de madeira trabalhada. Desci da cadeira, para explorar o seu conteúdo. Lá dentro, havia antigas fotos em preto e branco, meio amareladas pelo tempo, que imortalizavam momentos de felicidade de homens e mulheres, sorridentes e elegantemente vestidos, além de alguns cartões postais de vários lugares do mundo.

Nunca havia visto daquelas fotos, mas uma delas me chamou a atenção, a de uma bela jovem cabelos escuros emoldurando o seu lindo rosto, iluminado por grandes olhos claros.

— Aline! – exclamei, surpresa ao ver a foto era a imagem da sósia de minha irmã.

Então, me lembrei do que James comentou sobre a semelhança dela com a minha avó. Aquela devia ser a foto da minha avó quando jovem, tão linda quanto a minha irmã é agora. Fiquei olhando, admirada, para ela, pois nunca lembramos que as pessoas que conhecemos como velhos, já foram jovens como somos hoje. Continuei a explorar, encontrei bilhetes e cartas em papéis envelhecidos e frágeis com suas tintas desbotadas e quase ilegíveis, me esforcei para decifrar algo escrito ali, mas desistir, só identifiquei algumas palavras soltas. Não sabia o que fazer, que poderia me esclarecer quem seriam aquelas pessoas?

Em um estalo, me lembrei do meu encontro com Alex, guardei a caixa e seu conteúdo, onde estava e fui me arrumar, sem muito animo. Mas, quem sabe, se um boa noite na companhia de um cara bonito e charmoso, podia me ajudar a relaxar um pouco?


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