Estrela dos desejos escrita por Littam


Capítulo 2
Capítulo Dois




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Anita estava atrasada. Pegou seu casaco, enrolou o cachecol de qualquer jeito em seu pescoço, pegou sua bolsa, rodopiou procurando as suas chaves, deu uma olhada rápida em seu apartamento e correu para a saída.

Roger estava impaciente. Batia os dedos com frequência na mesa da cafeteria e já havia tomado várias xícaras de café, por sinal. Olhava para entrada momento sim, momento não a sua espera. Quando finalmente a avistou endireitou-se na cadeira e sorriu, mas, ainda assim, fez cara feia para Anita.

— Eu sei, eu sei. — Ela começou a dizer sentando-se a sua frente — Me desculpe Roger. Perdi o horário. — Ela retirou o casaco.

— Tudo bem, Ani. — ele disse dando de ombros — Otávio me avisou que isso poderia acontecer com certa frequência. — Ele a olhou por cima dos óculos.

 Anita respondeu apenas com uma careta. Roger sorriu.

— Então, — Ele continuou — Como foi seu primeiro dia de trabalho no Instituto Mileto?

Anita fez sinal para chamar o garçom e lhe pediu um chá verde acompanhado de um pedaço de torta de limão. Ela olhou para Roger e suspirou.

— Foi normal, eu acho. — Ela disse dando de ombros. Roger pareceu não satisfeito com a resposta e Anita bufou. — Eu basicamente fiquei encarregada da imagem do instituto e de auxiliar o Dr. Fittz em seu trabalho. Anotações e fotos das saídas de campo, escrever relatórios, essas coisas.

— Entendo, entendo. — Roger colocou um pedaço de torta na boca. — E você está gostando?

Anita roubou um pedaço da torta de Roger.

— Ainda não sei. — Ela disse lambendo os dedos — Foi apenas o meu primeiro dia. — Roger fitou Anita — O que você quer que eu diga? Estou fazendo o trabalho de uma estagiária. ­— Anita confessou — Sou uma artista Roger, me diga, o que eu estou fazendo em um Instituto de astrofísica e astronomia quando posso estar em Paris realizando uma exposição?

Roger sorriu. Adora o jeito como Anita ficava quando não gostava das coisas.

— Ora, minha querida, é exatamente por isso que você está lá! — Anita fitou Roger.

— Sinceramente, Roger, acho que lá não é o meu lugar. — Anita apoiou o queixo na palma de sua mão.

— E desde quando você se importa com isso? A Anita que eu conheço faria o lugar pertencer a ela e não o contrário! — Roger gargalhou e Anita sorriu.

— Só você mesmo. — Ela disse ainda apoiada em sua mão — Mas como eu disse, foi só o meu primeiro dia. Posso mudar de opinião até o anoitecer, não é mesmo!? — Ela piscou para Roger enquanto o garçom colocava o seu pedido na mesa.

Roger sorriu satisfeito. Essa era a resposta que estava esperando.

— Quer uma carona? — Convidou Roger.

 Anita sorriu com um pedaço de torta na boca

— Adoraria! — Ela disse ao engolir o pedaço de torta — Mas hoje não vou para o instituto. — Roger levantou uma sobrancelha — Resolvi dividir o meu tempo entre as estrelas e as artes! — Explicou Anita. — Conversei com o Dr. Davis e ele disse que tudo bem eu não passar 24 horas dentro do Instituto, mas tenho que estar à disposição do Dr. Fittz 24 horas por dia. — Anita tomou um gole de chá — e como este projeto ainda está em fase de teste não preciso me preocupar com muitas coisas. Dr. Fittz ainda está meio desconfiado em relação a esse projeto todo, então, creio que ele não irá se importar com a minha decisão. — Anita sorriu olhando Roger por cima da xícara.

— E você diz que está preocupada em se adaptar no Instituto? Você tem o mundo a seus pés Anita! Suas escolhas sempre são apropriadas pra você! — Roger sorriu.

Anita mostrou a língua e terminou sua fatia de torta.


            ***

Felipe estava procurando por Alberto na sala de desembarque do aeroporto. Ele olhava para o celular repetidas vezes esperando o amigo ligar ou mandar alguma mensagem, mas nada acontecia.

Ele decidiu pegar um táxi e ir sozinho para seu apartamento. Quando chegou lá estava tudo do jeito como deixara antes de viajar: pilhas e pilhas de papéis sobre a mesa, sobre o chão e até nas paredes. “Lar doce, lar” pensou.

O rapaz tomou um banho rápido, pegou suas coisas e foi até o Instituto Mileto retornar a sua rotina de consultas e avaliações.

Felipe é formado em psicologia. Há um tempo trabalha no Instituto Mileto na área de psiquiatria, sua especialização, ajudando os outros a lidarem com seus problemas dentro e fora do Instituto.

— Você se esqueceu, não foi? — Ele disse entrando no laboratório de Alberto. Ele o encarou sem entender — De me pegar no aeroporto!

— Desculpe-me por isso — disse Alberto indiferente. — Posso lhe pagar um café, se quiser.

Felipe deu de ombros jogando os braços para cima em sinal de desistência saindo do laboratório e Alberto voltou a focar sua atenção aos minerais que estavam no microscópio.

Anita havia alugado um pequeno espaço no centro da cidade para ser o seu ateliê. Não era muito longe de seu apartamento, mas também não era muito perto. “A distância ideal” ela dizia. “Posso pensar enquanto estou indo e voltando de lá”. Seu ateliê possuía apenas dois cômodos: um banheiro médio e uma sala ampla com duas portas janelas, uma ao lado da outra. De uma arquitetura antiga o local de trabalho de Anita era confortável e organizado apesar das muitas latas de tintas e materiais plásticos espalhados.

Ela pendurou sua bolsa e seu casaco atrás de porta e foi em direção ao centro da sala começar a trabalhar em seu novo projeto. Ela estava pensando em construir e pintar algumas coisas relacionadas às estrelas já estava trabalhando com elas no Instituto Mileto e poderia tirar proveito disso, como disse Roger. Pensou uma, duas ou três vezes até chegar a uma conclusão; a menina selecionou em sua sala todos os materiais que iria precisar para sua escultura de um homem contanto estrelas. E para entrar no clima estrelar ela ligou seu MP3 e colocou Shooting Star de Owl City para tocar.

“Fill the darkest night, with a brilliant light,
        'cause it's time for you to shine.

       Brighter than a shooting star, so shine no matter where you are, tonight”

Anita estava terminando a base de sua escultura quando seu MP3 subitamente foi desligado e iniciou o toque de chamada que a assustou. Ela recuperou o fôlego e apertou em um pequeno botão em seus fones de ouvido.

— Mensel! — ela disse.

— Ani, minha pequena! — Anita sorriu. Era seu irmão Otávio. — Como você está?

— Estou ótima! — Ela disse ainda mexendo em sua escultura — e você?

— Estão tudo as mil maravilhas por aqui! E tenho novidades! — Anita parou de  trabalhar e prestou a atenção em seu irmão. — Vou aí te visitar! Eu e o Rapha! — ele disse e o rosto de Anita se iluminou.

— Ai meu Deus! — Ela gritou animada — Que noticia maravilhosa! Quando? Quando? — Ela disse largando os tubos de metais e balançando as mãos freneticamente.

Otávio riu do outro lado da linha.

— Acalme-se, pequena. — ele disse — é só daqui a alguns meses! — Anita suspirou, jogando seu peso no banco em que estava sentada.

— Não me iluda desse jeito, Otto! — ela reclamou.

— Você que comemora antes da hora! — ele disse — Enfim, vou participar de uma feira gastronômica aí perto durante algumas semanas. Vou procurar novos fornecedores pro restaurante, mudar o cardápio, oferecer meus serviços de Cheff, procurar um lugar para uma filial, essas coisas. Aí vou aproveitar e passar um tempo com você e os velhos!

— Que coisa boa, Otto! — ela disse sorrindo levantando-se e caminhando animada pelo ateliê.

— E será na época das férias escolares, então, posso levar o Rapha comigo. Ele está morrendo de saudade da tia.

— Também estou morta de saudades dele! — Anita disse — E suas também! Vou esperar ansiosa por vocês e com muitos planos!

— Pizza, filmes, livros e videogame? — perguntou Otávio e Anita gargalhou

— Sou tão previsível assim? — ela respondeu jogando as mãos para o alto e ambos caíram na risada.

— Preciso desligar, liguei rapidinho só pra te dar essa notícia! Estou gastando uma nota falando com você nessas chamadas internacionais! — ele disse brincando — Um beijo, pequena. Cuide-se!

— Um beijo, Otto! Cuide-se também! E manda um beijão pro Rapha. — Otávio concordou e ela encerrou a chamada, logo em seguida foi tomada por um calor em seu peito por ter ouvido a voz do irmão que não via fazia algum tempo. Sorriu para si mesma e foi em direção a sua escultura inacabada colocando novamente o MP3 para tocar.

Otávio desligou o telefone, o colocou no bolso, soprou as mãos esfregando uma na outra tentando aquecê-las. Estava frio e uma leva fumaça saia de sua boca, ele fitou um pouco as nuvens e foi em direção à entrada do seu restaurante. O local era pequeno, mas aconchegante com um cheiro de comida no ar. O rapaz cumprimentou os clientes enquanto ia em direção a cozinha fazer o que sabia de melhor: receitas inovadoras e deliciosas. Por mais que fosse o dono local, respeitado e admirado pelos funcionários, fazia questão de preparar alguns pratos e participar de todo o movimento realizado na cozinha.

Otávio é o irmão mais velho de Anita. Estudou nutrição e logo depois resolveu cursar gastronomia e devido ao seu incrível talento culinário foi chamado para estudar e se aperfeiçoar na França, se tornou um Cheff dono de um pequeno, mas famoso, restaurante por lá. Conheceu uma linda francesa, Eva, se casou e se tornou pai de Raphael. Apesar de morar em Paris, vive viajando para outros lugares em feiras gastronômicas e afins. Não pode reclamar de sua vida: trabalha com aquilo que mais gosta, tem um amor incondicional pelo filho e pela irmã mais nova, sempre recebeu o apoio dos pais em suas decisões e aproveita seu sucesso ao máximo, mas nem tudo são flores em sua vida. Alguns anos depois do nascimento de Raphael descobriu que a mulher com quem se casou e que tanto amava tinha uma doença grave e que não resistiria por muito tempo. Fez tudo o que pôde para tornar os últimos dias de sua mulher os mais belos possíveis. Realizou suas vontades bobas e fantasias, segurava sua mão nos momentos difíceis e cuidava incondicionalmente dela e do filho. Anita sempre que podia ia para a casa deles fazer companhia para a cunhada, brincar com o sobrinho e ajudar Otávio na parte doméstica da casa já que naquela época estava estudando por lá.

— Papai, papai! — chamou Raphael com um leve sotaque Frances. Otávio fazia questão que o filho, embora tivesse nascido na França e tivesse se habituado ao idioma local, aprendesse, estudasse e praticasse o idioma português. O menino entrou as presas no restaurante e continuou chamando o pai. Otávio levou um susto e olhou o filho com um olhar sério, mas com um sorriso maroto.

— O que eu falei pra você? — ele disse na frente do balcão caixa do local.

— Nada de gritos no restaurante — o menino disse de cabeça baixa e Otávio passou as mãos por seus cabelos castanhos desgrenhados.

— Então, qual o motivo de você quebrar as regras assim? — ele disse guiando o filho para a parte de dentro do balcão caixa.

— Consegui o papel principal na peça da escola! — disse o menino levantando os braços. Otávio o pegou e o colocou sentado em cima do balcão. Um dos muitos privilégios de ser filho do dono. — Vou ser D’artanham.

— Meus parabéns! Eu disse que ler o livro iria ajudar! — disse Otávio mostrando a palma da mão para o filho que retribui batendo a sua. — Precisamos comemorar!

— Sorvete? — perguntou Raphael — com confetes coloridos?

Otávio abriu um grande sorriso.

— Muitos confetes coloridos!

Otávio desceu Raphael do balcão do caixa que saiu correndo do restaurante, o rapaz pegou seu casaco, chamou o sub-cheff colocando ele no comando do restaurante e avisando que iria voltar em algumas horas olhou para a entrada do restaurante e percebeu que o filho pulava freneticamente esperando por ele.

            ***

O pôr-do-sol estava tomando conta da cidade quando Anita saiu de seu ateliê. Ela resolveu esticar o caminho e ir pela orla para escutar as ondas e as gaivotas. A cidade de Maryland era muito movimentada: carros, luzes, buzinas e inúmeras pessoas por todos os lados, mas também era uma cidade pacífica a beira do oceano atlântico. Anita gostava de passear pela orla indo em direção a Baía dos Rochedos. Simplesmente adorava aquela paisagem: o sol se escondendo entre as ondas com suas luzes laranja, amarelas e vermelhas. Respirou fundo aquele ar a beira mar e sorriu para o horizonte de braços abertos. Podia viajar para outros países, passar temporadas em outras cidades, mas nada se comparava a sua querida e linda cidade natal.

Ao chegar a sua casa, Anita ligou a secretária eletrônica para ouvir seus recados. Adorava isso. Apesar de viver em um mundo tecnológico onde e-mails e mensagens pelo celular eram o principal meio de comunicação ela gostava de poder ouvir um ou dois recados deixados no telefone e apreciava aquelas pessoas que o faziam.

“Fala, minha gata! — era Milena, sua grande amiga — Sei que você adora esses recados bobos, então, vou deixar um pra você! Chego de viagem ainda essa semana e espero poder passar um tempo com você! Anna está em uma daquelas feiras de decoração de ambiente e só volta no final da semana, então só me sobrou você! Precisamos colocar as fofocas em dia! Um beijo.” Anita sorriu sozinha na cozinha. Amava o jeito despojado da amiga e realmente estava sentindo falta dela.

Anita e Milena se conheciam desde o colégio. Enquanto Anita cursava artes plásticas na faculdade Milena se dedicava à faculdade de Publicidade e Propaganda buscando um futuro como produtora, mas acabou tornando-se fotografa. As duas compartilhavam o mesmo amor pela literatura e o gosto por filmes antigos e músicas românticas.

“Ani, meu anjo! — começou o segundo recado — Como você está, meu bem? Faz tempo que você não vem aqui nos visitar! Estamos com saudades! Seu pai está planejando um daqueles finais de semanas com os amigos e familiares e ele está me enlouquecendo com tantos preparativos. Ligue quando puder! Eu te amo, filha, um beijo.” — Anita sentiu um aperto no peito ao ouvir a voz da mãe. Estava morta de saudade de seus pais. Ela mal tinha tempo para ela mesma quem dirá para sua família. Fez uma nota metal de ligar para eles mais tarde.

Os pais de Anita estavam juntos há muito tempo, mas parecia que mal tinham começado a namorar. Ângela, sua mãe, é professora de piano e quando mais jovem fazia concertos em vários países e fora em uma dessas viagens que conheceu Carlos, pai de Anita, quando ele foi assistir uma de suas apresentações. Os dois haviam se mudado para uma cabana perto do lago afastados do movimento da cidade de Maryland, e da costa, quando seus dois filhos decidiram sair de casa e trilhar seu próprio caminho. Aquela velha cabana era o lugar preferido de Anita depois de seu apartamento no centro da cidade. Várias histórias natalinas e inúmeros réveillons foram escritos naquele local e Anita se lembrava de cada um deles com uma pitada de saudade do passado e uma esperança para o futuro, aprendera a valorizar esses poucos momentos com toda a família reunida.

Após seu banho Anita preparou uma salada leve e rápida para seu jantar, já que não gostava de comer muito a noite. A jovem sentou-se na frente da TV e comeu sua salada assistindo um de seus seriados de TV favoritos, mas sua noite foi interrompida pelo soar de seu telefone.

— Oi, Ani! É o Joe do Instituto Mileto. — disse o rapaz do outro lado da linha envergonhado — eu combinei de sair com algumas pessoas do trabalho e pensei se você não gostaria de ir junto! Sabe, pra você conhecer melhor a galera.

Anita sorriu para si mesma e se sentiu muito feliz com o convite que foi aceito prontamente. A jovem prestou atenção enquanto Joseph explicava como chegar ao local da reunião. Ele escolheu uma roupa casual e confortável e saiu animada para sua noite. Por mais que ela gostasse de passar suas noites em casa assistindo filmes, seriados ou qualquer outra coisa a jovem sabia que uma noite de diversão era muito bom para sua saúde de espírito e, afinal, um happy hour é sempre bem-vindo.

          ***

As luzes do apartamento de Alberto estavam desligadas e as cortinas fechadas. A única parte iluminada era a pequena sala onde o rapaz estava assistindo um velho DVD caseiro em sua televisão. Havia roupas espalhadas pelo chão, restos de comida, caixas com fotos e DVDs.

No vídeo, havia uma jovem de cabelos alaranjados sorrindo enquanto caminhava pela praia. Ela catava conchas e as mostrava para a câmera fazendo careta. Alberto não se mexia ou piscava sentado em seu sofá, ele segurava um copo com uísque na mão esquerda e a garrafa com a direita ambos apoiados em suas coxas. O rosto do rapaz estava pálido, seus olhos vermelhos e fungava com freqüência. As lembranças daquela época o torturavam. Já fazia dois anos, mas ele não conseguia deixá-la partir.

Seu telefone começou a tocar, mas o astrônomo apenas deixou a chamada cair na secretária eletrônica: “Alberto — começou a mensagem — Olha só, eu e algumas pessoas do Instituto vamos sair para beber e conversar um pouco. Se você não estiver muito ocupado venha nos encontrar no Hal’s às 21h. — Convidou Felipe — Você precisa sair — o tom de voz do rapaz ficou mais sério e baixo — não pode se esconder toda a noite em seu apartamento com suas lembranças.

O som de final da mensagem tocou e Alberto apenas encheu mais um pouco seu copo com a bebida cor de madeira. Sua noite já estava programada e ele não tinha nenhuma intenção de desmarcar seu compromisso.

 

 


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