Os Karas - Cigarros e Moscow Mule. escrita por Alex


Capítulo 29
9. Última peça.


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo cap. Quantas emoções rsrs.
Uma boa leitura.



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Nicolas se atrasou e só chegou às duas da tarde. Ainda não havia almoçado e seu encontro com os Karas no parque do Ibirapuera tinha um ar pesado. Em seu semblante, Nicolas trazia a mais pura demonstração de tristeza.

 

Oito noites haviam se passado desde o incidente no Moscow Mule. Calú pagará a fiança e um pouco a mais para manter a mídia calada. Evidentemente a notícia de sua briga e agressão a um famoso gênio do ramo gastronômico seria comentada no mundo todo. O evento principal por fim, fora a ida de Paolo para a delegacia responder às acusações que Nicolas havia feito depois de pegar o depoimento de Calú. Os urubus da mídia estavam sedentos. O prato principal seria servido dentro de alguns momentos.

Ele se sentou no meio do banco e esperou a atenção dos Karas.

 

—Amanhã as notícias do caso vão eclipsar tudo. Vão comentar o caso por toda a parte.

—O que foi decidido? - Perguntou Magrí -

—... -Ele parecia abalado -... Não foi difícil puxar a verdade para fora de Paolo… Ou melhor, dizendo, Pablo Malpraga.

 

Os Karas encararam Calú. Ele não demonstrou reação.

 

—Uma Moscow Mule conseguiu tornar ele um homem rico. Mas não imaginava que chegava a tanto. Puxamos o histórico de compras dele. Ele pagava tratamentos para Sofia Malpraga que chegavam a mais de sete mil reais.

—Vivian disse que o bar era especialista na bebida que o tio fugido da Rússia comunista ensinou a ela. - Disse Peggy -

—Exatamente. A bebida pelo visto era a tal da Moscow Mule.

 

Miguel estava em silêncio. Todos os olhos voltaram-se para o seu rosto. Ele passou a confiança no olhar que Nicolas precisava para se sentir à vontade.

 

—Fale.

 

—... Pablo começou a criar a filial no Brasil antes mesmo de se reencontrar com Andrade na Cidade do México. O restaurante já funcionava há três meses quando o encontrou na cidade do México. Segundo ele, o ódio que sentia de Andrade não cabia dentro de seu corpo. Ele o considerava culpado por tudo de ruim que a mãe havia sofrido. O homem que não assumira o que fizera e deixou-a com um filho e outro marido violento na cidade do México, com menos de vinte anos de idade.

—Como ele pode dizer isso de maneira tão aberta? - Crânio perguntou -

—... Segundo ele próprio, nada mais importa. A mãe dele já se foi.

 

Silêncio.

 

—Então, Pablo Malpraga começou a planejar sua vingança. Seu nome Paolo era famoso o suficiente para fazer com que as pessoas achassem que era seu nome real. Isso tudo, foi por conta de um erro de digitação em seu documento. Caso inusitado. Quando se apresentou para Andrade já no Brasil, o convidou para jantar algumas vezes onde eles conversaram sobre muitas coisas. Pediu para Andrade manter segredo sobre ser pai de Paolo até que ele se sentisse confortável. Naquela época eu trabalhava com o Andrade. Ele estava feliz. Cheio de vontade de viver.

 

Os Karas pareciam entender agora.

 

—Foi quando começou o verdadeiro plano… E o final vocês já sabem.

 

Nicolas permaneceu sentado no banco do parque sem fazer menção de se levantar. Ao redor dele, Miguel, Magri, Crânio, Calú, Chumbinho e Peggy esperavam as respostas.

 

—... Conte o resto. - Disse Calú - 

—... 

—Que m***a, Nicolas. Você não ira silenciar esse fato agora. - Disse Calú um pouco mais acima do tom -

 

Miguel refletiu sobre o amigo. Ele, que era o que menos esperava se envolver no caso, exigia com autoridade que Nicolas mostrasse a ele toda a história. Os Karas nunca ficaram distantes de nenhuma parte que Andrade tentará omitir deles quando todos estavam dentro do plano.

 

Os olhos de todos não saiam por um mísero segundo de cima de Nicolas. Ele não tinha escolha.

 

•|•

 

A campainha tocou. Andrade enxugou a careca com as costas da mão que estava coberta com um pano de prato. Parando de lavar a louça, utilizou as próprias chaves para abrir a porta de casa. Avistou o filho, Paolo vestindo uma jaqueta esportiva e trazia consigo uma caixa pequena.

 

Os dois se examinaram. Andrade sorria. seus cabelos brancos entregavam a idade avançada.

 

—Entre, meu filho. - Disse Andrade -

 

Paolo adentrou o lugar com  a cabeça inclinada. Olhava a tudo com uma curiosidade repentina. Andrade pode notar um pouco de vergonha em seus olhos. Andrade foi até a cozinha. Paolo ainda podia escutar a voz de seu pai falando com ele.

 

—Guardei uma surpresa pra você hoje. Vou te mostrar algumas fotos dos meus meninos. - Ele disse da cozinha -

 

Paolo olhou a caixa que trazia. As paredes da casa de Andrade pareciam ter ouvidos. Ele se sentiu observado. Dizem que as pessoas de fé escutam um coro de anjos que choram quando um devoto está prestes a cumprir um violento pecado.

 

—... Excelente… Também tenho uma surpresa para o senhor. - Ele gritou da sala enquanto olhava um quadro de Andrade jovem. O virou para a parede. -

—Já disse para me chamar de “você”. - Ele estava bem humorado. Voltou com um pedaço de torta de limão grande - Comprei na padaria aqui perto. Espero que goste.

 

Andrade observou a caixa na mão do filho.

 

—Sei que… Você… -Ele se corrigiu a tempo - ...Não bebe mais, mas eu fiz a melhor dose de minha obra prima para te presentear.

 

Andrade abriu a caixa e pode ver a caneca de cor bronze e a rodela de limão. Sentiu de repente uma enorme nostalgia por alguma razão. Ele sorriu. Paolo sorriu também.

 

—Você experimenta, depois vamos dividir está torta. Com isso, teremos tempo para você me apresentar os seus outros meninos. Eu sou o sexto não é?

 

Andrade sorriu ainda mais.

 

—Ha ha, combinado.

 

Ele se sentou a mesa. Observou a caneca e sentiu seu aroma. Paolo sentou-se na outra extremidade da mesa.

 

—Beberei por isso. Obrigado, Paolo. - Ele tomou um longo gole - Obrigado por voltar para minha vida… filho.

 

Paolo não sorria mais. Limitou-se a observar Andrade degustar a sua obra prima.

 

—... Como é… diferente. -Andrade disse. Riu logo depois. - Desculpe. Não tenho costume com bebidas tão finas. Mas, posso dizer que gostei.

 

Paolo deu um sorriso amarelo.

 

—... Eu sei que é ser muito rápido, mas eu te peço que… - Andrade tentava falar, mas começou a tossir -... Eu tenho pensado em te colocar no meu testamento… Eu tenho… Refletido sobre muitas coisas. Não… Não te deixei nada quando menino… Pensei… Em…

 

Andrade começou a tossir e parar de respirar. Sentiu que as roupas o sufocavam. Abriu três botões da camisa. Observou ao redor alguma coisa fácil para beber. Só tinha a sua frente a Moscow Mule. Despejou sobre o filho um olhar de desespero. Notou ali, ele extremamente abalado com a cena que viu, entretanto, não parecia querer fazer o menor esforço.

 

Andrade deixou o peso cair sobre a mesa com o rosto encarando Paolo. Seu corpo ainda cheio de espasmos foi se aquietando aos poucos. Até que o silêncio reinou naquela cozinha.

 

Paolo suspirou de maneira pesada. Colocou uma luva de látex e jogou fora a caneca de moscow mule, a torta inteira de Andrade. Os talheres. Tudo. Saiu do local com o saco preto em mãos, cuidando para que ninguém o visse. Atirou o saco preto em um coletor de lixo.

 

Naquela noite, e por mais algumas daquele mês, não conseguiu dormir por consciência pesada.

 

•|•

 

—O veneno então, estava na Moscow Mule… - Disse Crânio -.

 

—Exatamente... - Respondeu Nicolas - Um detalhe na autópsia de Andrade indicava que ele tinha uma muito pequena quantidade de álcool no corpo. Como todos sabemos Andrade não tocou mais em uma bebida depois que voltou do México.

—Ele pretendia colocar o filho no testamento… - Lembrou Peggy - Porque ele entregaria o lenço para ele.

 

—Provavelmente era algo provisório. Se um dia, viesse a acontecer, na cabeça do Andrade, ele pensava que nós deixaríamos os pertences dele com o filho legítimo. - Disse Calú -

—Até porque, Andrade iria provavelmente nos apresentar um dia para ele. - Disse Magrí -... O lenço devia ser algo simbólico.

 

Era isso. O caso parecia ter terminado. Nicolas os encarou. Levantou-se e foi rumo à saída do parque. Foi quando sentiu uma mão no seu ombro.

 

—Nicolas. - Miguel o parou - Aonde você vai?

—Já acabou. Temos uma conclusão. Paolo irá responder ainda, mas ele já confessou.

—... Eu estou querendo dizer, não vai se despedir? – Miguel abriu um sorriso -.

 

Ele observou os Karas. Havia aprendido a apreciar a companhia deles. Era o fim desse caso, e, junto disso, possivelmente o fim da relação deles.

Obviamente, estavam agora, todos ligados emocionalmente com essas memórias. Ele caminhou até ficar entre os seis Karas. Refletiu por uma certa quantidade de empo antes de falar algo.

 

—... Apesar de tudo, foi um prazer estar ao lado de vocês nessa investigação. Quando Andrade me contou sobre vocês… Eu passei a admirar cada um. - ele sorriu timidamente -

 

Magrí colocou as mãos sobre o ombro do jovem detetive.

 

—Você é o legado vivo do que Andrade representa para as outras pessoas. - Ela sorriu – Obrigado por toda a sua ajuda, Nicolas. Você é muito especial.

—Mantenha o legado do Andrade. Seja um herói que ele esperava que você fosse. – Disse Miguel com um sorriso -.

 

O comentário de Magrí e Miguel fez com que todos os presentes sorriem. Nicolas se despediu de cada um deles e caminhou, até desaparecer da vista deles.

 

Nicolas deixou o parque e pilotou o carro até parar com um sentimento esquisito no peito. Subitamente, resolveu pilotar até a periferia de São Paulo, onde comprou em uma loja de garagem um envelope. Dentro dele, dobrou as páginas dos originais de sua investigação. Caminhou por entre as vielas e calçadas até parar perto da casa de Morais. “Ele sentia muito. Você era um bom amigo para ele. Espero que seja feliz, e se precisar de algo, este é o meu numero”.

Escreveu para Morais. Saiu de São Paulo por fim. Foi visitar os pais. Quando a notícia e descoberta do caso chegaram aos abutres, Nicolas havia sumido do radar da mídia.

•|•

 

Os Karas em um silêncio constrangedor observaram Calú estender alguns recortes de papel com a mão.

 

—... Estamos voltando para a Europa amanhã… - Ele sorriu timidamente para os amigos -...

 

Magrí pegou a tira de papel e pode ver um e-mail escrito com a letra de Peggy. Eles sorriram. Todos. Menos Chumbinho.

 

—... Eu prometo que ele irá responder, desta vez. - Peggy sorriu -

 

Crânio e Miguel pegaram os papéis em mão.

 

Chumbinho estivera o tempo inteiro em silêncio. Simplesmente saiu andando para longe do grupo. Os Karas o observavam. Miguel começou a seguir ele depois de pegar o papel que deveria ser para ele.

 

—... -Peggy o observou -

 

—... É diferente pra ele, querida.. - Disse Calú -… Ele já passou por muita coisa, mas um caso como este, quando é algo muito pessoal, muda às pessoas.

 

Todos os Karas que era adultos ali, já haviam passado por aquilo. Todos, menos o Chumbinho. Havia chegado o momento.

 

Miguel o seguia a uma distância segura. O menino se sentou na grama a margem do lago e encarou a paisagem. Um vazio percorria os seus pensamentos.

 

Miguel hesitou os passos que vinha dando e o observou. Sentou-se um pouco afastado, deixando Chumbinho pensar sozinho por um tempo. Dez minutos. Após isso, ele se levantou e sentou-se ao lado do jovem rapaz.

 

Chumbinho não sorria exibia um semblante de decepção.

 

—Eu imagino o que você está sentindo… - Miguel quebrou o silêncio -.

 

—Não importa mais. - Chumbinho disse - Acabou não é?

 

—Não é bem assim. - Miguel olhou nos olhos do amigo - Só acaba quando você sente que acabou.

 

Chumbinho voltou a encarar o lago.

 

—... Descobrimos tudo o que podíamos… Fizemos justiça e mesmo assim… - Chumbinho observou as águas -… Eu sinto esse vazio é como se…

 

—... Se tudo isso, de certo modo, não adiantasse de nada. Não trará o Andrade de volta e nem fez a dor diminuir. - Miguel completou o raciocínio de Chumbinho -

 

Chumbinho o observou surpreso.

 

—Eu me perguntei se eu iria pensar nessa situação se tivesse a sua idade. Quando você surgiu pra mim, pela primeira vez, como um garotinho querendo ser um dos Karas, eu tinha a idade que você tem hoje. Eu iria pensar as mesmas coisas que você pensa sobre o Andrade. Mas lembre-se de uma coisa, Chumbinho…

 

Ele observou Miguel.

 

—Andrade, antes de conhecer o filho verdadeiro dele, amou você como um pai amaria um filho. Não é o Pablo Malpraga que é filho dele, e sim, nós. E os filhos começam amando seus pais. Depois o detestam.

 

Miguel se levantou. Chumbinho ainda o encarava.

 

—... E quando chega a hora certa, às vezes, acabam perdoando eles.

 

Ele entrega para Chumbinho o papel com o novo e-mail de Calú e se afasta. Chumbinho voltaria para casa sem a companhia dos Karas.

 

—... O que farão agora? - Magrí perguntou -

—Temos que voltar ao trabalho. Amanhã eu volto para a Europa. Desfiles. Calú vai me acompanhar.

—Eu volto pra faculdade. - Disse Crânio -

—Ainda tenho algumas semanas de descanso. Vou acompanhar minha amada nos muito cansativos assuntos da alta moda global.

 

Sorriram.

 

—E você Magri? - Peggy perguntou -

 

Magrí não soube direito o que responder. Por obrigação, embarcaria para a suíça se apresentar novamente para os treinos. Porém… Sua mente estava confusa. Uma parte dela não queria ir, sem resolver uma única questão. A mais importante de sua vida.

 

Eles observam Miguel retornar.

 

—Miguel. O que fará agora? - Peggy estava curiosa -

 

Miguel a encarou com um sorriso.

 

—Eu vou terminar a minha faculdade.

—Miguel, se você quiser, pode ser até presidente desse país. - Disse Calú com um sorriso honesto -

 

Magri o observava com admiração e carinho. Quando pensou no que diria, viu a silhueta de Chumbinho se aproximando do grupo. Ele voltou a sorrir.

 

—Posso dizer o que farei agora? - Chumbinho chamou a atenção de todos - Vou tomar um sundae de framboesa com bastante cobertura. Quem quer vir comigo?

 

Os Karas se encaram sorrindo. Aceitaram com prazer o convite. Ali estavam os Karas. Cinco adultos de espírito jovem, caminhando para longe da vista dos caretas. O único jovem de corpo e espírito estava a caminho de ser um adulto exemplar. Não em suas ações cem por cento corretas a todo tempo, mas por acreditar e ser dono de um espírito nobre o bastante para ver as virtudes na desobediência.

 

•|•

 

Magrí carregava uma única mala. A cabeça daquela linda mulher estava mais bagunçada do que a bagagem que trouxera. Ela havia carregado a dúvida que levava consigo até o aeroporto.

 

Era hora de voltar para a sua vida. As férias haviam acabado. Era hora de deixar isso para trás. A vida adulta a chamou de volta. Foi divertido, se pode se dizer.

 

Porém, existia uma única coisa que fazia Magri não atravessar o portão de embarque. Uma pessoa. Um único nome.

 

Magrí refletiu. Enquanto pensava no que faria, pensou sem querer em Sofia Malpraga. Suspirou triste e olhou para trás. Não viu ninguém para dar tchau.


Atravessou o portão.


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Notas finais do capítulo

Semana que vem, o último. Obrigado mesmo por ter lido até aqui.

=)



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