Pela Via das Dúvidas escrita por Lili Viela


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Perdoem meus erros e tudo mais. Está tarde, tenho aula amanhã mas eu realmente queria escrever.



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Acordei sem saber onde eu estava, quem eu era, quando tempo havia se passado desde que eu fechara os olhos e me deixara levar pela escuridão e pela maciez do meu novo sofá velho. Esse é o poder da soneca da tarde. Passei a madrugada toda imprimindo documentos, relendo regulamentos e pensando como seria a volta às aulas, agora como aluna da terceira série do Ensino Médio. Entre papéis, pensamentos e muito café, as nove da manhã meu corpo se rendeu eu desmaiei de cansaço. Só despertei quando já era quase duas da tarde. A adrenalina fez aumentar a minha frequência cardíaca no momento em que vi o horário na tela do celular. A tesouraria da escola fechava as três da tarde e eu não tinha grana pra táxi, nem mesmo pra ônibus. Meu cabelo estava horrível, minha cara amassada e o bafo era de quem dormiu por séculos, mas nada disso importava. Se eu não pegasse a bicicleta em cinco minutos eu poderia perder o prazo de renovação da bolsa. Eu precisava sacrificar algo, que no caso foi meu cabelo. Escovei os dentes com pressa, joguei uma água no rosto e troquei meus chinelos por um par de Crocs (tão feios, tão confortáveis). Desci as escadas correndo o mais rápido que eu podia, segurando no corrimão, claro, segurança em primeiro lugar.

 

Me mudei para esse pequeno aglomerado de flats quando iniciei a primeira série do Ensino Médio no Instituto Federal do Fluminense. Antes disso eu morava com meus pais em São Paulo, na capital. Eu realmente achava que se eu me mudasse para qualquer lugar do Rio de Janeiro eu veria praia todo dia, mas não é bem assim. Campos dos Goytacazes fica há umas quatro horas de Búzios, não dá pra ir a pé. Enfim, agora eu divido esse flat com uma garota que cursa o quarto ano de engenharia de produção em alguma Uniesquina por aqui. Ela se chama Amanda, ela é bem legal e dorme muito na casa do namorado, o que faz dela bem ausente e ainda mais legal. Nós moramos no terceiro andar. São quatro andares e não temos elevador, então eu acho que estamos numa boa posição. Eu consigo ver o pôr do sol da janela da cozinha, coisa que no segundo andar eles não conseguem fazer por conta do sobrado em frente. Nós precisamos subir vários lances de escada, mas poderia ser pior. Poderíamos viver no quarto andar.

Cheguei no IFF faltando pouco para as duas e meia, toda suada da pedalada. Meu cabelo que nunca conseguiu se decidir entre o crespo e o ondulado estava tão oleoso que me dava vontade de usar uma touca, apesar do calor. Apesar de tudo me encaminhei pra tesouraria com os documentos em mão. Não demorou muito pra perceber que não fui só eu que tinha deixado pra resolver essas coisas no último minuto. Tinham quatro pessoas na fila, adolescentes fodidos, com calor, uma pasta de documentos debaixo do braço. Só saí de casa usando Crocs porque tinha certeza que não encontraria ninguém lá. Engoli a vergonha e a vontade de jogar os sapatos longe e andar descalça. Essa coisa de hippie está tão na moda que a desculpa colaria, com certeza, mas o asfalto estava escaldante. Com o rabo entre as pernas ocupei meu lugar no fim da fila, logo atrás de um garoto mais ou menos da minha altura, mas sua postura era bem mais tensa do que as dos outros, como se ele não soubesse bem o que estava fazendo. “Calouro”, pensei.

 

— Você sabe que isso fecha as três, não sabe? - perguntei displicente. Ele se virou meio incerto, sem muita certeza sobre ele ser ou não meu interlocutor. No momento em que nossos olhares se cruzaram eu me senti estranhamente encabulada. Seus olhos eram de um verde acinzentado (isso é possível?), não soube no momento dizer se eram bonitos, mas definitivamente interessantes. Sua pele era clara, mas bronzeada, como se tivesse pegado um mês de praia direto. O cabelo castanho médio fazia uma onda, como se fosse um topete natural. Achei engraçado. No conjunto da obra, ele soava como uma música harmoniosa e agradável. Recompus meu sembrante amuado para explicar – Deixar para resolver as pendências nos últimos minutos é coisa de veterano que já desistiu da vida.

 

— O quê? Eu deveria estar deslumbrado e saltitante? - ele me respondeu com um sorriso de lado, meio tímido, meio de escárnio, como quem cutuca a ferida e sai correndo – Não precisa estar no último ano para ter desistido da vida. - terminou, revezando entre encarar a mim e aos seus papéis. A deslumbrada era eu.

 

— Você é um pessimista. Gostei de você.


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Notas finais do capítulo

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