Já era tarde, mas eu não queria entrar em casa, minha mãe chamava e eu fingia não ouvir, até que ela desistiu. A noite estava fria, mas eu não ligava, estava deitada no chão do quintal e tudo já estava escuro o suficiente para não ver nada a um palmo de distância. Medo? Não sentia. Não tinha porque sentir. Eu estava bem. Bem ansiosa devo dizer. Fechei os olhos. O que eu queria? Bom, deitada no quintal, esperei tudo ficar escuro e silencioso. Até que finalmente abri os olhos e sorri. Pequenos diamantes cintilavam na minha frente. Brilhavam como o sol, limitadamente, mas sem cegar e me traziam a paz que eu procurara o dia todo. Apenas pequenos diamantes no céu. Estrelas.

Pontos de luz que pareciam dançar no céu, a cor brilhante em contraste com a escuridão da noite. Eram pontos de esperança em meio ao completo caos e devastação. As coisas ruins tem seus lados positivos, mas as coisas boas tem um lado negativo? A luz do dia tem pontos negros? Não em si. Mas há aquelas que sempre gostam de tirar a luz, a do dia ou a da noite. Nuvens.

Falando nelas... Acho que não as convidei para tampar meus diamantes, mas elas vieram assim mesmo. Intrusas. Já não vejo a esperança no caos, elas cobriram tudo. Agora só há um embaçado. Uma fraca luz que tenta passar pelas intrusas. As estrelas tentam transpassá-las com sua luz. Não devem estar gostando disso. Ao longe um clarão indica a indignação das estrelas. Afinal, assim como eu quero vê-las, elas também querem me ver. Vários clarões ao redor cintilam e então são seguidos de estrondos. É a vez das nuvens afinal, estão reivindicando sua hora de passear pelo céu. Os clarões e estrondos se intensificam. É uma guerra no céu. Como será isso? Estrelas e nuvens podem se machucar? Antes de tudo, podem atacar? Uma torta linha de luz percorre o céu e é seguida de um estrondo mais alto. O céu já está completamente coberto. Até que, de repente, tudo pára. Estática. Minhas retinas brilham com a intensidade do momento. É como o clímax de uma história. A calmaria antes da tempestade. E agora?

Então o céu se abala, as nuvens devem ter perdido guerra. O que é isso? Estou suando? Chorando? Não vem de mim. Vem do céu. As nuvens é que choram, um choro silencioso e suave. Devem ter perdido a guerra, por que mais chorariam? Será que se feriram? Nuvens podem se ferir? O choro fica mais intenso, as lágrimas caem sobre mim como uma onda, mas não me importo. Podem estar chorando de emoção. Podem ter vencido e choram de alegria. Viro a cabeça para ver as gotas de lado. Chuva.

Cada gota é importante. Elas caem sem padrão, mas cada uma tem seu lugar marcado. É como uma competição. Vamos ver quem chega primeiro? É uma corrida. A diversão dura todo o percurso. Queda livre. Liberdade. Invejo as gotas por isso. Por que? Elas não tem medo da queda. Se uma pessoa pula de um penhasco, ela já sabe seu destino. Suas aventuras acabam ali. A menos que seja por pura diversão, esportes radicais, essas coisas. Mas isso não vem ao caso. E as gotas? Bom, elas caem por diversão. Parece engraçado, não? Cair por diversão. A queda é longa, o chão se aproxima e… PUFF! Ela se espatifa no chão. FIM.

*********************************

FIM? Não. Não é o fim. Ela não é uma gota solitária, apenas puxou o curso. Logo atrás as outras vêm e o mesmo ocorre. Fim para todas então? Ainda não. É só olhar para o chão. As gotas se amontoam. Poças. Escorrem pelo chão todas juntas. Enxurrada.

Correm juntas um percurso. Este é definido pela forma da terra. Para onde vão? Bom, há várias opções, mas não vou citá-las por falta de vontade mesmo. Se quiser, vá atrás das gotas e descubra por si mesmo. Sabe-se lá o que pode encontrar. Destino.

Fecho os olhos um momento. Sinto as gotas escorrendo pela minha face. Sorrio. Por que estou sorrindo? São lágrimas caindo em mim! Isso é horrível, não? Não. É maravilhoso. As gotas frias escorrem suavemente desenhando os contornos do meu rosto. Será que posso pegar um resfriado? Parece cômico. Ficar doente por conta de lágrimas. Mas fica bem claro o motivo. Leve para o lado real ou fictício da coisa.

Com olhos ainda fechados eu me levanto. A guerra acabou no céu, não havia mais clarões e estrondos, mas as nuvens ainda choravam. Eu estava do lado das estrelas. Torcia por elas. Mas agora é diferente. Eu invejo as gotas. Me chame de traidora. Mas não estou mentindo. Você iria preferir ser livre e cair sem medo ou cobrir a luz que existir no ambiente?

Abro os olhos e sigo para dentro de casa, mas antes volto o olhar para a chuva ainda caindo. Eu invejo as gotas. Sua primeira vida é uma queda, e elas caem sem medo. Sua segunda vida é diferente, e elas vivem sem medo. Correm por aí, passam por diversos lugares, adquirem várias formas. Queria poder viver sem medo. E não pode? Se não posso? Tenho 16 anos já vividos. É pouco. Não tenho nenhuma experiência de vida para passar. Ninguém sabe até quando eu vou viver. Se eu morrer? Bom, peço que seja no mínimo depois de amanhã. Preciso de um tempo para poder fazer algumas coisas. Coisas que eu sempre quis fazer ou que deixei de fazer por causa do medo.  As gotas não têm medo. Elas caem e morrem. Morrem? Não. Apenas deixam de ser gotas. Mas se tornam água. A água corre solta. Livre.

Já dentro de casa, me seco e me visto para dormir. A chuva bate com força na janela. Há uma goteira no teto do quarto. Deitada na cama eu a observo. As gotas me perseguem! Estão caçoando de mim! Só porque não vivo como elas! Bem, gotas. Eu tenho tempo! Não sei quanto, mas tenho. E vou usar esse tempo! Eu vou… Meus olhos pesam. Tudo começa a escurecer. Entrego-me de bom grado ao sono…

**************************************

Abro os olhos. Que horas são? Isso não importa agora. Há uma fraca luz entrando pela janela. Me levanto e a abro. Puxa vida! Não dá pra olhar! Aperto meus olhos, a luz é forte demais, mas não demora até que eu me acostume. Enfim, abro os olhos completamente. Então eu vejo. O que? Bem, é difícil de explicar. Mas não vou resumir. É a esperança no caos novamente. Como as estrelas à noite. Mas não são pontos. Há apenas um. Um imenso ponto brilhante de esperança que desponta no horizonte e desfaz toda a cortina de escuridão. Sol.

Ele sobe devagar em toda sua plenitude.. Dá adeus às estrelas e agradece seus serviços. Ele assume daqui. Ele sobe no céu e alcança cada canto com sua luz, mas parece procurar algo. Sua luz me atinge e ele para. Um sorriso brilhante e caloroso é lançado para meus olhos e tenho que desviá-los. Mas não desvio. Apenas os fecho e deixo que o calor domine meu corpo. Sua luz retira toda a escuridão de mim. Escuridão? Do tipo sombrio e obscuro? Não! Só escuridão da noite mesmo! Manhã.

Saio até o quintal. Não há mais gotas. As poças vão sumindo. O sol as chama de volta ao céu. Talvez elas voltem depois para outra corrida. Olho o horizonte. Tudo iluminado. Algo se acende dentro de mim. Sorrio. De repente, acho graça da situação e começo a gargalhar. Sou como uma criança vendo as coisas pela primeira vez. Fascinante. Mas também sou como uma senhora idosa, vivida e cheia de experiência. Estou mais sábia. E agora? Bom, não queria ser como as gotas? É um novo dia. Só dê o primeiro passo.