The Ginger Girl Society escrita por Maga Clari


Capítulo 1
No creo em brujas, pero que las hay, las hay...


Notas iniciais do capítulo

Que saudade que eu estava desses personagens! Eu sempre quis escrever sobre Sherlock da série, e eis que me veio a oportunidade!
Uma amiga lançou a proposta de fazermos algo para o Halloween, e eu sei que não é uma fic assustadora, mas tem bruxas, então está valendo, certo? u_u
Obrigada, Pri. Adorei a proposta lançada no grupo do Nyah! Fanfiction Oficial no Facebook.
Beijocas e boa leitura ♥



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Olá, bem vindo ao meu blog!

Essa história é um pouco diferente das outras que você se acostumou a ler.

É claro que envolve investigação e situações sobrenaturais (e ouso até dizer “sobre-humanas”!), mas se você é um leitor antigo do blog, saberá que só escolho as histórias mais interessantes e bizarras pelas quais Sherlock e eu fomos intimados a viver.

Nesse dia em questão, eu podia jurar que seria um dia comum. Porque parecia um desses dias: Sherlock levantou ao meio-dia, coçou os olhos e se jogou em cima mesa da cozinha, sem importar-se com o fato de ser quase uma girafa gigante que tomava todo o espaço de madeira onde a Senhora Hudson havia deixado um café frio, torradas e ovos mexidos.

Eu estava zapeando os canais da televisão quando escutei o barulho da louça se quebrando, e virei o rosto, torcendo para que eu estivesse errado, e não fosse Sherlock. Entretanto, precisei levantar com um resto de gaze e esparadrapo senão meu amigo detetive continuaria (eu suponho) dormindo o resto do dia naquela poça de louça e comida.

— Passou a noite acordado de novo? — tentei descontraí-lo, mas tudo que tive foi um grunhido de resposta, então tentei de novo: — Sherlock?

— Oh! John, John, John! — ele levantou de repente, quase num pulo, e caminhou até a sala, falando enquanto andava — Você e suas suposições completamente óbvias!

Deixei escapar uma risadinha.

— É claro que passei a noite acordado. Está vendo isso aqui? — Sherlock apontou para grandes (enormes) olheiras debaixo de seus olhos escuros — Isso, meu caro John, é a própria noite das bruxas!

— Desculpe... — enruguei a testa, aproximando-me dele, que procurava insistentemente por algo — O quê?

— Ah! Droga! Será que a Senhora Hudson levou pra lavanderia minha sobrecasaca de novo?! Droga!

Sherlock chutou com violência a cômoda da sala, onde guardamos alguns arquivos. O som foi alto o bastante para assustar um gato preto que eu aposto algumas boas notas de que ele nunca esteve ali antes do dia que houve o incidente com a bruxa. Para ser sincero, até hoje não sei de onde aquele gato surgiu miando estridentemente naquela hora.

— Na verdade, Sherlock — pigarreei, procurando algum outro foco para meus olhos que não fosse meu amigo detetive — Fui eu que me dei ao trabalho de buscar na lavanderia. Acabei me esquecendo de devolver.

Então, corri para meu quarto, e quando voltei com a sobrecasaca, encontrei Sherlock Holmes escovando os dentes no meio da sala, agachado e encarando o famoso gato preto.

Pigarreei outra vez. Um terrível hábito de meus dias de fumante.

— Um minuto, John — sua voz saiu abafada pelo creme dental — Um minuto.

Olhei de um lado para outro, um pouco desconfortável com aquele monte de pano pesado em minhas mãos.

Quando Sherlock decidiu que eu não era mais um cabide-humano, e cuspiu o creme pela janela, apressei-me em complementar minha justificativa antes interrompida pela minha ida ao quarto:

— A Senhora Hudson que levou mesmo a sobrecasaca pra lavanderia e falou que tinha muitos afazeres... — pigarreei outra vez, agoniado porque meu amigo não me dava a devida atenção — Não é como se eu pegasse suas coisas sem permissão.

Tentei uma risadinha, mas Sherlock permaneceu aéreo enquanto vestia a sobrecasaca por cima do robe e saiu para a rua daquele jeito, mesmo de pantufas. A escova de dentes havia sido guardada nos bolsos.

— Você não vem, John? — Sherlock colocou a cabeça para dentro do apartamento de novo, ao ver que eu não o havia seguido.

— Aonde, afinal? Você não disse nada!

— Ah, detalhes! — ele revirou os olhos, quase impaciente — Vamos logo!

E então, mais como uma ordem do que um convite, Sherlock Holmes me levou a esta aventura com a bruxa estrangeira.

É interessante lembrar que Londres sempre foi uma cidade do mundo. Onde você pode achar pessoas vindas de qualquer lugar existente (e aparentemente inexistente também), e elas podem ser suas vizinhas.

Ou uma stalker, como meu amigo suspeitou desde o início.

Mas voltando ao começo da história, nós dois caminhávamos com mais pressa do que eu era capaz de entender, então não resisti à pergunta óbvia:

— Pra quê tanta pressa? Aonde vamos?

— Ué, John! — Sherlock parou no meio da avenida, e eu tive que puxá-lo de volta com bastante força se eu não quisesse vê-lo se esmagar feito mostarda no meio dos carros — Você por acaso tomou o desjejum?

— É.... Que tal às sete da manhã? — sorri de forma irônica, irritando-o profundamente — Sherlock, já é hora do almoço.

— Não importa, eu quero um café com ovos mexidos e torradas — disse simplesmente, colocando as mãos nos bolsos da sobrecasaca e olhando fixamente para a delicatessem do outro lado da rua.

— Talvez, quem sabe... Se você não tivesse despencado na mesa da...

— Sabe, John — ele me interrompeu, sem cerimônia — Há coisas mais importantes e urgentes do que louça quebrada. A Senhora Hudson sabe lidar com isso, ela já teve crianças em casa, não é como se ela não soubesse como proceder, então, por favor, vamos tomar café com ovos mexidos e torradas senão eu não respondo por mim!

Eu simplesmente balancei a cabeça e comecei a rir. Sherlock deu o braço a torcer e riu comigo também.

E enquanto comíamos aquele desjejum maravilhoso, Sherlock me falava sobre aquele gato esquisito:

— Ele aparece todos os dias há sete dias, John.

— Impossível.

 — Como assim impossível? Você não o viu hoje?

— Só hoje.

Sherlock soltou um muxoxo e voltou a comer e a falar de boca cheia:

— Você consegue ser mais cego que os cegos, John. Não sei como você consegue viver com esse... esse cérebro cegante!

— Talvez eu tenha assuntos mais importantes a resolver e pensar do que observar um gato qualquer na janela.

— É por isso que você quase morreu várias vezes.

— Isso é uma mentira!

— Não é não.

— Claro que é, Sherlock!

— Três de Fevereiro: você quase mordeu um sanduíche com uma barata dentro. Se eu não me jogasse nas suas costas e o empurrasse, você estaria infectado com o veneno que eu coloquei lá e já estaria mortinho.

— Olha, mas...

— Vinte de Junho: você não viu que estavam asfaltando a rua e quase deslizou naquele buraco, não fosse por mim que mudei o trajeto do caminho e você até questionou o motivo...

— Sherlock!

— Dezessete de Outubro: você não viu o pitbull que se descontrolou com raiva atrás de nós e se eu não tivesse lhe puxado, você ainda estaria lá, estático, com cara de idiota enquanto o cachorro estraçalhava sua pele imunda...

— Sherlock, já chega! Okay?! Já entendi que...

— Que você escapou de fins trágicos graças a mim? — e então, Sherlock ajeitou o colarinho e os botões das vestes, com um sorriso cínico — Não precisa agradecer tão melosamente.

— Sherlock!

— O que é? — respondeu, ríspido.

— O gato voltou!

— Olha só! Você pegou o espírito!

Mas quando meu amigo detetive virou o olhar para a direção que eu apontava, no lugar do gato havia uma moça. Uma moça de cabelos cor de fogo e roupas negras como a noite, não fosse pelo único detalhe colorido em sua echarpe púrpura.

— O que é isso John? — ele voltou a virar-se para mim, com desdém — É alguma gíria para garotas que vocês que costumam flertar usam?

— Primeiro: sim, Sherlock, é uma gíria bem antiga. Mas não, eu não estava mostrando a moça, mas um gato preto de verdade. Idêntico ao que vimos no apartamento.

Sherlock virou a cabeça energicamente de volta à moça atrás de nós, que bebia uma xícara de chá com fatias de bolo.

— Tem certeza que não tinha um gato com ela na mesa? — ele me questionou, sem tirar os olhos da moça.

— Não, Sherlock, não havia ninguém exceto o gato!

Sem estar convencido, portanto, Sherlock Holmes saltou do sofá que havíamos sentado pra comer e desfilou em direção à moça da última cabineta da lanchonete.

Eu, curioso como de costume, inclinei a cabeça para assistir o que quer que meu amigo fosse fazer. Ele sentou no sofá de frente para a moça e sorriu de modo realmente esquisito, o que causou somente um...

— Cai fora da minha mesa — sim, foi a voz da moça. Uma voz suave e assustadoramente calma.

— Ah, mas já? — Sherlock abriu o cardápio, como se já a conhecesse há séculos, usando seu melhor tom de ironia — Por que não pedimos um... como é mesmo o nome desse prato?

— Cai. Fora.

Sherlock levantou as sobrancelhas e enrugou a boca. Creio que ele estava era surpreso com a audácia da moça em expulsá-lo de sua mesa.

Depois disso, tudo que me lembro foi  de estar acudindo Sherlock no chão, e quando fui olhar melhor para a moça ela já não estava mais lá. E em seu lugar, um gato preto apontando suas unhas ameaçadoramente para nós.

— Sherlock — bati levemente em seu rosto, e ele começou a piscar os olhos — Sherlock, acorde!

Mas tudo que tive como resposta foi um grunhido que parecia isso:

— Bruxa.

Então, quando meu amigo detetive conseguiu se levantar, nem mesmo o gato permaneceu na lanchonete.

— O que aconteceu? — perguntei, um pouco atordoado — Você disse alguma coisa pra ela?

— Aquela mulher é a resposta de tudo! — ele ignorou minha pergunta como de costume, deixando alguns trocados no balcão de pagamento e empurrando a porta que soou o sininho da saída — Burro, burro, burro! Por que não pensei nisso antes?

— Nisso o quê? — quis saber.

Sherlock respirou fundo e brincou com a ponta dos próprios dedos:

— Tente esquecer a cegueira, John. Pense aqui comigo: você se lembra do que aquele casal falou sobre pelo de gato na cozinha sempre que algum ente próximo morria?

— Agora que você tocou no assunto...

— Pois então, John! Você se lembra de mais algum outro caso assim?

Enruguei a testa por alguns instantes:

— Teve aquele homem de Wiltshire, não foi? Hã... O que foi mesmo que ele disse? Que ouviu um ruído sibilante?

— Um miado, John! Um miado!

Sherlock já estava perdendo a pouca paciência que tinha.

Ele caminhou comigo até o hospital para analisar novamente o pelo de gato que recolhera noutra ocasião, e comparar com o que a moça da delicatessem tinha deixado com seu suposto gato.

E enquanto ele o fazia extremamente concentrado, seu celular tocou.

Era uma música eletrônica, do tipo bate-estaca, que parecia ter só o refrão:

Did you miss me? Hey! Oh! Did you miss me?

Eu pigarreei:

— Não vai atender? — ele olhou para mim, como se fosse óbvio seu pedido não feito.

— É seu celular, Sherlock, não o meu.

— Mas eu acabei de pedir.

Apenas franzi a testa e ele se consertou:

— Desculpe — voltou os olhos à amostra, ignorando o ruído irritante de seu novo toque de celular — Pensei ter pedido, aliás, acho que só pensei e não disse. Por favor, atenda.

— Não sabia que conhecia músicas modernas — atalhei, para descontrair.

— Pensei ter pedido pra atender. A propósito, é um novo hobbie que desenvolvi. Você tem seu próprio toque também.

— Eu tenho?

— Atenda logo o meu celular, John!

Hesitantemente, apertei o botão para atender:

— Alô? — eu disse.

— Oh! Que pena! Cansou de jogar, foi, Sherlock?

— Desculpe, quem está falando?

— Sabe o que eu acho disso? De você usar seu assistente pra não ter que falar comigo? CHAAA-TOOO!

Pigarreei outra vez e me dirigi ao meu amigo:

— Acho que é o Moriarty...

— Foi difícil assim de descobrir?

— Sherlock, ele quer falar com você.

— Estou ocupado! — ele arregalou os olhos e falou com um tom de voz afetadamente irritado — Diga que eu ligo depois!

Voltei ao telefone:

— Ele disse que liga de...

— Eu quero falar com ele agora! — Moriarty interrompeu minha fala — Diga que estarei esperando no lugar onde ele saberá me encontrar. Não tenho o dia todo!

E então, a ligação caiu.

Cruzei os braços bem na frente de Sherlock.

— O que foi? — ele quis saber.

— Pelo menos uma vez na vida você pode me dizer o que está havendo?

Sherlock demorou quase cinco minutos para decidir que eu era digno de sua atenção: ele guardou os instrumentos e tirou as luvas.

— Tenho tido suspeitas de que Moriarthy está envolvido de novo nesses escândalos envolvendo seres demoníacos ou sobrenaturais, tanto faz, e pelos de gato e miados. Agora, tive a certeza de que é ele.

— E a moça que encontramos hoje?

— Essa é a parte mais intrigante e divertida, não acha?

Havia brilho nos olhos do meu amigo detetive. Ele continuou:

— Ela deve ser alguma lacaia de Moriarty. Se não fosse, por qual outro motivo ele me ligaria justo agora?

Não respondi nada.

— Você não precisa vir comigo agora. Depois te mando um SMS.

— Ah, mas agora fiquei curioso...

— John! — Sherlock gritou fingindo-se de ultrajado — Já temos um sociopata viciado em trabalho e basta um! Vá fazer sei lá o que vocês humanos comuns gostam de fazer! Leve a... qual é mesmo o nome de sua namorada? Bary? Leve-a para o cinema ou qualquer outra tolice!

— É Mary.

— Isso. Leve-a para passear. Depois nos falamos!

Com isso, Sherlock bateu a porta, e pude sentir o cheiro do cigarro mesmo tendo uma porta de vidro nos separando.

Mas eu não quis chamar Mary para um passeio. Eu estava intrigado também com aquela moça da delicatessem.

 Quando eu era pequeno, minha mãe costumava contar histórias sobre bruxas, mas eu nunca fui de acreditar, ao contrário de minha irmã Harriet. No entanto, estava começando a cogitar a ideia de que aquilo não poderia ser nada senão bruxaria, e das brabas!

Então, ao invés de seguir Sherlock, refiz o caminho que tomamos desde que saímos do 221 B de Baker Street. E não foi por acaso que encontrei a moça saindo de uma mercearia, cheia de sacolas.

Abordei-a imediatamente:

— É... Perdão, senhorita — embolei com as palavras quando senti seu olhar feroz em mim — Acho que nos conhecemos.

— Você deve ter se enganado.

Ela continuou caminhando, como se eu não houvesse ao menos existido alguma vez em sua vida.

— Na verdade — tentei outra vez, correndo para alcançá-la, apesar de meu fôlego quase ter me deixado na mão —, é o meu amigo... É... Chery. Ele gostou muito de você.

De repente, a moça parou para tirar o cabelo dos olhos e parecia intrigada.

— É o seu amigo stalker da lanchonete, não é? Pois diga que não tenho interesse.

— Pois devia — respondi, descaradamente, para depois estender minha mão — Quer ajuda com as compras? Você vai para a esquerda?

A moça estudou-me de cima a baixo, para então decidir que eu era (aparentemente) de confiança. Então me entregou as sacolas e desfilou ao meu lado, conduzindo nosso caminho, por incrível que pareça, para as bandas além de Baker Street, e juro que temia o lugar, qualquer que ele fosse, que ela me levaria.

Aquela bruxa era muito esquisita.

— Quem é você? — ela quis saber.

Hesitei um pouco e mordi a boca antes de responder:

— Watson. John Watson. E você, quem é?

— Não acho que eu deva alguma satisfação.

— Mas... Mas eu disse meu nome pra você.

— Ninguém o obrigou.

A bruxa parou no meio de uma praça e sorriu para mim, com um olhar perigosamente ácido:

— Você poderia ter ficado calado.

Com isso, eu fiquei de fato em silêncio.

A moça cujo nome eu ainda não sabia amarrou os cabelos ruivos espessos num coque alto e tirou um cartãozinho da bolsa de pano.

— Tome — ela me estendeu — Tome e me devolva minhas compras.

— Ah... Sim, claro — fiz o que a moça me pediu, ligeiramente atordoado — E... o que é isso?

Mas ela simplesmente piscou para mim e sumiu, meio de repente. A saia longa esvoaçando atrás de si, e em mim, uma leve impressão de ter tomado uma dose de droga, para me sentir tão tonto...

Analisei o cartãozinho em minhas mãos, com os dizeres:

Luanita – Serviços Noturnos e místico-astrológicos

Boas vibrações e nos veremos em breve

Franzi a testa, intrigado cada segundo mais ao pensar naquela bruxa. Mas não pude fazê-lo por muito tempo, porque senti um peso acima de mim cair em minhas costas, fazendo com que eu cedesse ao chão.

Ainda treinado para o imprevisível ataque na retaguarda, dei um chute em quem quer que fosse, e recuperei a estabilidade antes que meu corpo caísse de verdade.

Enquanto massageava as costas, virei-me para encontrar Sherlock Holmes fazendo uma careta de dor, os olhos apertados de raiva. Ele trincou os dentes:

— Vim ajudar você e é isso que ganho! Que irônica, não é? A vida.

— Desculpe. O que houve? Por que o ataque?

— Aquela bruxa..!

— Ah, então você também acha que ela é bruxa?

— Só burros não acreditam.

Pigarreei:

— Eu não costumava acreditar.

— Que bom que minha companhia lhe faz bem, John.

Segurei-me para não dizer nada. Não parecia uma boa hora para piadas.

— Mas corremos perigo, então por favor se apresse. Ande, o que está esperando?

— Como sabia que eu estaria aqui? — questionei.

Sherlock piscou os grandes olhos escuros:

— Essa mulher... Ela escolhe as vítimas. E... — então, Sherlock tomou o cartão de meus dedos — Bingo! VENHA LOGO!

Quando pus meus pés para correr, Sherlock já estava virando a esquina com suas pantufas de algodão que eram (estranhamente) mais aptas à corrida do que minhas botas de combate.

Chegamos a um beco escuro, até mesmo para aquela hora do dia. O ar era frio, e saía fumaça da boca de meu amigo detetive quando ele respirava freneticamente.

— Sherlock?

— O quê?

— Quanto tempo temos que ficar parados aqui?

Meu amigo consultou o relógio.

— O sol já está se pondo. Logo, logo você entenderá.

— Okay — dei de ombros.

Eu já estava ficando com sintomas de ansiedade. As mãos suando, o pensamento acelerado. Eu nunca fui do tipo que tem paciência para passar horas e horas parado, sem sequer conversar ou ocupar a mente. Mas meu amigo detetive simplesmente adorava fazer isso.

E já havia se passado algum tempo (quarenta e cinco minutos, quem sabe?) desde que conversamos, então tentei puxar algum assunto:

— Essas suas pantufas são realmente...

— Calado, John — ele me censurou, quase esmagando meu rosto com sua mão gigante e comprida — Nosso momento está quase chegando.

Segui a direção de meus olhos para onde ele olhava, e então descobri nosso arqui-inimigo (ou melhor, o arqui-inimigo de Sherlock, apenas) entrando justamente na porta à direita do beco onde estávamos.

Então, Sherlock tirou uma mochila das costas, que somente nesse momento eu fui capaz de reparar em sua existência, e apressou-se a trocar de roupa sem cerimônia bem no meio de um lugar público.

Não posso mentir. Fiquei de fato desconsertado com sua falta de vergonha ou embaraço. E como de costume, Sherlock não me explicou nada, mas eu tive que perguntar, principalmente depois da peruca ruiva em sua cabeça:

— O que está fazendo, Sherlock?

— Okay. Matarei sua curiosidade pulsante: se lembra da Sociedade dos Cabeças Vermelhas?

— Lembro.

— Suspeito de que há uma versão feminina, porém creepy, cuja reunião da semana está ocorrendo exatamente agora. Eu só preciso confirmar uma coisa antes de ter a certeza do papel de Moriarty nessa história toda, então vamos logo, não há mais tempo para explicações detalhadas, só vamos logo, o que está esperando, John Watson?!

Quando dei por mim, já estávamos subindo aquela infinidade de degraus íngremes em direção a uma porta estreita e alta, bem preta, com uma estrela de cinco pontas bem no meio desta.

O cheiro de incenso despertava os medos infantis que eu insistia em tentar reprimir sempre que mamãe contava histórias sobre bruxas. E agora, depois de ter enfrentado a morte diversas vezes, depois de tê-la visto segundo a segundo numa guerra sem fim, eu me tremia num misto de medo e curiosidade ao entrar no reduto das bruxas.

A sala era escura, a não ser por velas ao redor de cada canto, tornando nossa visão bruxuleante.

Não havia sofá ou cadeiras. Somente almofadas jogadas pelo chão de madeira, sobre o qual treze mulheres de cabelos ruivos sentavam, seminuas, de olhos fechados, como se estivessem no meio de uma reza, ou o que quer que fosse.

Eu estava tão atordoado com aquilo, sem saber exatamente para onde olhar ou o que pensar, que quase não escutei o sussurro de meu amigo em meu ouvido:

— Sou uma nova integrante. Você é meu namorado que veio me trazer.

— Espera... Desculpe?

— Ah, olá, onde está Luanita? — Sherlock sorriu para uma das mulheres que havia se levantado para procurar saber o motivo de nossa presença. Sua voz estava bizarramente fina — Recebi seu convite.

Mas a mulher falou algo ininteligível, e meu amigo voltou a responder com a mesma linguagem, que mais tarde descobri ser espanhol. E então, ela cutucou a moça que havíamos encontrado mais cedo, na lanchonete.

Quando Luanita veio até nós, sua saia preta voava, mesmo sem vento (pelo menos, eu não consegui achar a existência de janelas ou ventilador). Seu peito desnudo estava recheado de pinturas psicodélicas, e com uma voz cortante e doce, a bruxa que não devia ter mais do que vinte e poucos anos falou em nossa língua:

— Treze é o nosso número. Não podemos aceitar mais ninguém.

— Mas... — Sherlock estava mesmo bom com essa coisa de dublagem, ou seja lá como ele chamasse a mudança no tom da voz — Você convidou meu namorado. Imaginei que soubesse que eu...

A bruxa deu um passo a frente:

— Apenas uma visita — e então ela sorriu, refletindo a luz da lua em seu próprio rosto — Uma oferenda a nossos irmãos do outro gênero.

Senti meu estômago revirar quando Luanita piscou para nós.

— Uma troca — ela continuou — Estamos iniciando nossa última garota hoje — apontou para uma bruxa ainda mais nova que ela — É sempre uma boa festa.

— Mas...  — comecei a falar, mas Sherlock tocou em minha mão, impedindo-me de continuar.

— Será um prazer — Sherlock tomou a palavra.

— Ah, isso será — Luanita sorriu, fazendo menção de andar — Podem me acompanhar.

E enquanto íamos pelo corredor escuro, sussurrei na perto do ouvido de meu amigo:

— Sherlock...

— Confie em mim.

— Mas, Sherlock...

— Confie. Em. Mim.

— Mas como ela não descon...

— Oh, droga, John! — sua voz saiu mais alta do que deveria, então ele se consertou quando Luanita olhou para trás.

— Algum problema? — ela perguntou.

— Ah! Não, não — Sherlock deu risadinhas femininas, brincando com meu cabelo — Só estamos bem animados! Nunca fizemos esse tipo de prática antes, você sabe.

A bruxa sorriu de modo enigmático até abrir outra porta com o mesmo símbolo que havíamos visto antes.

— Minha inicianda virá num instante. Enquanto isso, aproveitem o coquetel, o que acham?

Então, ela piscou os olhos e apontou para uma bandeja em cima da cama. E quando Luanita bateu a porta, Sherlock olhou pra mim:

— Não beba.

— Sherlock. A última coisa que eu ia fazer seria beber algo que aquela maluca fez.

Sherlock permaneceu encarando meus olhos por alguns segundos antes de cair na gargalhada e eu também.

— Isso deve estar sendo constrangedor pra você, não é?

— Pra você não?

— John — ele ergueu a sobrancelha — Sociopatas não se embaraçam com nada.

— Isso é o que nós vamos ver.

Sherlock deu mais algumas risadinhas.

— Escute o plano: eu não o que diabos tem nessas porcaria de coquetéis. Vou beber ambos para fingir que você também bebeu. Se eu estiver drogado, tente me imitar, para não entregar o jogo. Se eu estiver certo, o que presumo estar, a inicianda virgem aparecerá nua e você terá que lidar com isso. Em algum momento, Moriarty chegará aqui e você tomará o controle da situação. Se for preciso, use meu revolver, pegue na mochila e coloque-o agora no seu bolso.

— Mas, Sherlock...

— O quê?

— E se... você sabe... — tenho certeza de que meu rosto estava visivelmente vermelho, mesmo na penumbra — Eu precisar... — pigarreei, achando realmente difícil imaginar o que poderia acontecer — tirar a calça...

— Tem razão! — ele exclamou, empurrando a mochila para debaixo da cama — Deixe-o dentro da mochila. Agora... — pegou as duas taças e bateu as duas com cada mão — Brindemos à solução desses crimes que já passaram da hora de serem solucionados!

E aí, Sherlock Holmes bebeu o líquido das duas taças de um só gole e não demorou para que eu o visse ficar meio tonto.

As duas bruxas chegaram (como o previsto) completamente nuas, mas Luanita permaneceu sentada no chão, com as pernas cruzadas e as mãos estendidas, como se absorta em algum ritual.

A inicianda, que deveria ter pouco mais de dezoito anos, aproximou-se de nós:

— Olá — ela estendeu a mão — Gostaram do coquetel?

— Maravilhooooso — Sherlock, mesmo drogado, não perdeu a voz fina.

— Qual seu nome? — apertei a mão da inicianda, e meus dedos suavam frio — Eu... Eu gosto de saber o nome antes. Dá pessoalidade, não é?

A inicianda sorriu um sorriso quase doce:

— Morgany.

Meu coração parou quase de vez.

Morgan era a fada-bruxa que tornou-se vilã nas histórias do Rei Arthur. Aquilo não poderia ficar ainda pior.

— E o seu? — ela quis saber.

— John.

— E de sua namorada?

— Er... Ch-cherry — respondi, pigarreando.

— E há quanto tempo ela virou mulher?

A pergunta me desconsertou completamente.

— Eu... sou muito mulher, ouviu, queridíssima — era Sherlock apontando o dedo para ela, sua voz um pouco distorcida pelos alucinógenos.

Morgany levantou a sobrancelha.

— Tudo bem, não é da minha conta. Só queria descontrair.

Então, ela sentou nos meus joelhos e começou a me beijar.

Eu sabia que isso era um modo de me deixar ocupado e distraído, para a chegada de Moriarty. Mas embora soubesse disso, algo naquele lugar (mesmo sem uma gota de alucinógeno) me deixou tonto e com o raciocínio bem lento.

E eu só consegui descobrir o que estava havendo depois do barulho agonizante de meu amigo detetive ao receber alguns pontapés de seu arqui-inimigo.

Consegui desvencilhar-me da bruxa por alguns segundos, para ver  Moriarty com um brilho nos olhos, agachado ao lado de Sherlock:

— Eu sabia que não recusaria um bom jogo — ele disse de modo afetado — Mas como sempre, deixou a parte boa para seu amigo homem, não foi?

Mais risadinhas afetadas de Moriarty.

Sherlock gemeu de dor, rolando pelo chão.

— O que eu faço com você, Sherlock?

Ele não respondeu nada.

— Matá-lo? Ah, não... Eu não faria isso comigo... Com quem mais eu iria brincar?

Mais risadinhas irritantes de Moriarty.

— Brincar com qualquer outro é muito chaaaa-tooo!

Moriarty aproximou-se ainda mais dele:

— Eu costumo matar por pedidos, você sabe. Esse é um novo negócio. Acho que é bem mais divertido, não é?

— Por quê? — Sherlock finalmente abriu a boca — Qual seu pagamento? Bruxas carentes?

Moriarty riu de verdade.

— Ah, Sherlock...

E aí, ao notar que eu havia mudado o foco de atenção, Morgany puxou-me de volta para ela e tentou desabotoar minha camisa, mas empurrei-a.

Eu havia escutado um chamado. E para ser sincero, eu o escutaria de qualquer lugar:

— John... Agora!

E então, mesmo de longe, eu vi um sorrisinho de satisfação percorrer o rosto de Sherlock. Ele sabia que havíamos ganhado mais uma vez.

Censurando-me mentalmente por ter que fazer aquilo, usei minha força de soldado contra Morgany, para que ela saísse de cima de mim, e então fui até debaixo da cama mais rápido do que imaginei que fosse capaz de ir.

Apontei o revolver para Moriarty que ergueu as sobrancelhas e se levantou com as mãos na cabeça:

— Uau. Estou impressionado, Sherlock. Seu namoradinho é bem audacioso.

— Mais do que você — ele alfinetou, sorrindo de alegria lá no chão.

— Não quero precisar usar. Só confesse.

— Confessar?

— Em alto e bom tom.

A verdade é que dentro da mochila de Sherlock também estava seu celular. Peguei-o e coloquei no gravador, escondido em minha calça. Junto com o revolver.

— Confessar o quê? Todo mundo pensa que é uma casa de mulheres.

— Mas vocês matam pessoas.

— Clientes! — ele fingiu-se de ultrajado — Clientes me pagam e eu repasso a grana. Você recusaria clientes com dinheiro, John Watson?

E então, meio de repente, as duas bruxas, aborrecidas (Luanita já acordada do transe), vieram até o espaço entre nós.

Ninguém precisou dizer nada. As bruxas apertaram os olhos, encaravam nós todos com profundidade. E como se fosse mesmo mágica, descobri as janelas do quarto. Elas abriram e fecharam com estrondoso som.  O vento lá fora cantava.

Depois disso, não soube dizer o que aconteceu primeiro, depois ou simultaneamente.

Senti uma força de vento me empurrar para o chão, e bati minhas costas na parede antes disso. Meus dedos correram pelo gatilho, e o som do tiro despertou meu amigo do chão.

Eu havia atirado nos pés de Moriarty, e Sherlock parecia ter sido agraciado pelo fim do efeito dos alucinógenos temporários. Pelo visto, a vítima já estaria morta àquela altura.

Sherlock correu para a cama, onde eu havia deixado o meu celular, e ele discou o número que supus ser da ScotLand Yard.

— Rua das casas noturnas, fachada preta com várias estrelas de pontas, é Moriarty e um grupo de assassinas que estão aqui, venham AGORA, quem fala é Sherlock.

E então, ele guardou nos próprios bolsos o celular. Depois, correu para segurar as duas bruxas enquanto eu vigiava Moriarty.

Mas como sabemos hoje (e de fato não queríamos admitir), não se brinca com bruxas, não se espera nada de bruxas.

O fim de nossa aventura terminou com um “D” bem grande de decepção, porque Sherlock não conseguiu segurá-las por mais de cinco minutos, momento este que ele dormiu como um bebê e eu também.

Acordamos já pela manhã com o toque do celular de Sherlock e um cartão colado em nossas testas com os dizeres:

 Espero que esta noite tenha sido um prazer.

Quem sabe nos veremos em nossa próxima sede.

Afastei o pelo de gato que por algum motivo havia muitos em cima de mim e de Sherlock, já irritado porque ele não atendia aquele toque irritante de celular.

Não me atrevi a perguntar o motivo de estarmos somente de samba-canção e meias, no meio de um quarto desmobiliado e com janelas fechadas.

Ao nosso redor, nenhum registro da noite anterior, exceto por estes sinais, e pela gargalhada (que julguei ser de nervosismo) de meu amigo detetive, que não havia sequer tirado a peruca ruiva da cabeça. E nem assim, numa situação tão cômica como aquela, eu consegui me juntar aos risos.

— Você quer atender a porcaria desse seu celular, Sherlock?

— Não é divertido, John? Agora temos um motivo para rejeitar o café da Senhora Hudson.

— Se você não vai atender — falei, debruçando-me sobre ele, deitado no chão. Seu celular estava bem do seu lado — Atendo eu.

— NÃO! — ele gritou, levantando o celular alto, acima de sua cabeça, porque sabia que eu não alcançaria, mesmo com metade de seu corpo deitado — Deixa tocar! Essa música é maravilhosa.

E então, joguei minhas mãos no rosto e respirei fundo, contendo a vontade de socar o meu amigo e jogar aquele celular na parede por causa do...

 Did you miss me? Para pam para pam. Did you miss me? Hey! Oh! Did you miss me? Pa ram pa ram-ram param!


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Notas finais do capítulo

Para quem ficou curioso, a música citada é "Did You Miss Me?" do cantor "Olly Murs"