Deitado à cama simples, coberto suavemente por um fino tecido branco, Lúcifer sentia o feixe de luz que adentrava pelo espaço da cortina atingir seu rosto. Levemente incomodado, o louro franzia o cenho, custando a abrir, ainda que vagarosamente, seus olhos. Suas íris azuis reluziam como pedras de safira tamanha era a beleza de sua cor. Em uma olhada breve, viu o despertador sobre o criado mudo marcar nove e quinze. O sol já estava consideravelmente alto. Ajeitava o lençol sobre si, visto que a manhã estava ternamente gelada. Era início da primavera.

Ao seu lado, ouviu um leve grunhido sonolento e, sem tantas delongas, um braço forte envolver sua cintura, inconsciente. Ele tinha um calor agradável que tão logo lhe arrancou um singelo sorriso. Virou-se para trás e, bem ali, estava Miguel, seu tão amado irmão, adormecido com um semblante sereno – algo tão raro de se ver, diga-se de passagem. Ajeitava-se ao seu lado para que pudesse se encaixar melhor em seus braços que lhe envolvia. Cuidadosamente, o louro levou sua mão ao rosto ligeiramente marcado por uma grande cicatriz – herança das Guerras Primevas. Com máxima delicadeza, passou a acaricia-lo enquanto o contemplava, com certa admiração.

Desde que fora criado por Yahweh, jamais se imaginou viver uma realidade como aquela – na Haled, a levar uma vida ao lado de seu irmão mais velho, a quem por tanto tempo manipulou para obter suas próprias ambições, mas que agora não conseguia se ver vivendo sem o outro. Nem ele mesmo, o próprio Diabo, pensou que pudesse amar alguém tanto quanto aprendeu a amá-lo.

Silenciosamente, passou a aproximar seus lábios aos dele, sentindo a respiração alheia se misturar com a própria, porém sem deixar de afaga-lo como o fazia. Ainda que não o considerasse tão perfeito quanto si, o achava o belo e era totalmente encantado pelos seus detalhes, tão reais. Com cuidado para não acordá-lo, tocou os lábios com suavidade em um selo breve, porém tão amoroso. Com a mão esquerda que usava uma aliança em ouro, passou a segurar a dele, entrelaçando seus dedos, para logo apertá-la sem machucar. Com ele, havia encontrado o verdadeiro Paraíso e hoje sabia muito bem disso.

Havia fechado os olhos por um instante, quando então passava a ser correspondido naquele ato unilateral. Surpreso, esboçou, meio àquilo, outro sorriso, antes de finalmente concretizar o ósculo tão desejado por si, aprofundando-o enquanto, carinhosamente, acariciava a face alheia e apertava os dedos entrelaçados. O braço forte dele o envolvia com mais intensidade, de modo que seus corpos desnudos colassem um ao outro. Estava feliz, não podia negar. Estar ao seu lado era tudo o que queria... Tudo o que precisava.

Não almejava mais ser superior ao Pai. Seu maior desejo era poder ter um mundo, onde pudesse ter a prerrogativa de ser feliz e viver seu amor junto com Miguel – para toda a eternidade.

Quando o fôlego o chamou de volta, reabriu os olhos azuis que, agora, encontravam os castanhos do outro. Voltou a acariciar aquele rosto que tanto amava, quando o moreno também levou a mão com a aliança no dedo anelar sobre a do loiro. Por um tempo, nada foi dito entre eles – somente sentido. O Príncipe dos Anjos então sorriu – gesto esse dele que mais encantava ao Arcanjo Sombrio. Amava vê-lo sorrir e, para tanto, estava disposto a tudo como nunca esteve.

— Eu te amo, meu amor.