HISTÓRIAS ETERNAS escrita por Solás


Capítulo 1
Capítulo um – Azalee: os balões e a Uagadou


Notas iniciais do capítulo

Não creio que esteja bom, mas... bem, ok.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/710766/chapter/1

 

A relva amarelada recobria o canto escondido da rua quinze, ao lado noroeste de Dodoma, na Tanzânia, o ponto x onde Azalee precisava estar ao entardecer. As nuvens, outrora brancas, cintilavam em variados tons de uma paleta cor laranja, o sol sumia no horizonte, tapado pela cadeia de montanhas que a garota não conhecia, mas achava um lindo retrato para por em uma moldura no seu quarto: o amarelo-canário dos raios solares, contrastando com o verde das montanhas e o azulado de seus picos, altíssimos e nevados.

Eram cerca de seis e quinze e, quem quer que ela esperasse, tinha apenas mais alguns segundos para aparecer, antes da seis e dezesseis, o horário que a linda moça de cabelos prateados lhe contou no sonho, há sete noites atrás, no dia dez de maio de mil novecentos e noventa e sete. Azalee era, absurdamente, obcecada por números e exatidão. Como boa garota criada nos costumes dos pais ingleses adotivos, não se atrasava e detestava atrasos. Estava sempre com o relógio preso ao pulso, os cabelos volumosos soltos e os olhos escondidos pelas lentes de um par de óculos de sol.

Faltavam só dez segundos. Quem quer que você não viria. Ela suspirou, olhou uma última vez para o longínquo das montanhas, observou os habitantes de Dodoma e suas belas vestes coloridas caminhando pelas ruelas, aproveitando os últimos raios de sol, e virou-se para a cidade, pronta para abandonar aquele resquício de paraíso e voltar para baixo das asas da mãe. Ou não.

Seus pés recuaram poucos centímetros, quando percebeu uma presença inusitada a sua sombra. Um homem sorridente – e desdentado −, com barba branca e olhar simpático, dentro do cesto de um balão de, no mínimo, cinco metros, colorido em estampas da selva, tons vermelhos, amarelos e laranjas. Azalee levou a mão a boca, assustada, sem saber como aquele balão havia pousado sem que ela percebesse.

− A menina ta desistindo tão fácil? – o homem disse. Azalee, curiosa, correu ao redor daquele cesto, a procura de fios ou cabos que explicassem aquilo que ela tinha certeza ser um truque. O homem a acompanhou com os olhos.

− Eu não entendo – disse, sem encontrar nada que explicasse o ocorrido. Ele riu.

− A menina tem que entender... que a magia não se entende. – respondeu convicto. Azalee sorriu. – Bom, eu sou Kabur, vosso motorista. E quem a senhorita é?

− Azalee – disse – E o que você quis dizer com “vosso motorista”?

− A menina pensa em chegar a Uagadou como? – questionou. Azalee sorriu, vendo que não haviam se esquecido dela. Kabur lhe estendeu a mão, enquanto o cesto do balão abriu uma portinha.

− Obrigada – respondeu, apertando a mão do senhor e subindo no sublime balão.

− Kabulii! – o senhor gritou. Foi como se o mais poderoso vento assoprasse o balão. Quando Azalee se deu conta, ela estava mais próxima do céu que do chão. O balão viajava a norte, direção as montanhas, como um barco, velejando nas nuvens e correntes de vento.

Lá de cima tudo tornava-se pó, ao ver de Azalee. Ela sequer via os enormes elefantes da savana, imagine então os pequenos insetos! Mas, o que mais a enchia de alegria era ver as cores de tudo que ela vira do chão, no céu. A grama amarela rasteira, que lutava para crescer meio ao chão marrom poroso, tornou-se um arco íris de tons quentes. As manadas de antílopes, comendo o pouco mato que achavam no chão, eram como uma escala de cores saturando: verde, amarelo, marrom. Os crocodilos navegando nos rios eram como grãos em uma sopa. Era tudo estupendo. Ela odiava o fato de quase ter desistido de Uagadou para ingressar em Hogwarts.

− É, é muita beleza para apreciar – disse Kabur, controlando o balão com duas cordas. Azalee sorriu, pegou a mala e tirou de lá uma câmera fotográfica instantânea. Ela apontou a lente para o chão colorido e fotografou. Segundos depois, a foto era devolvida pela máquina. – Mas a menina sabe como guardar os momentos – e riu.

− Kabur, como você chegou sem que eu percebesse? Abra o jogo! – ela suplicou sorridente. Kabur riu novamente.

− A pergunta devia ser: como a menina não percebeu Kabur? – ele respondeu. Azalee olhou-lhe com confusão e ficou sem palavras – A menina tem muito que aprender ainda. Sorte que ela vai estar no melhor lugar para isso.

− Uagadou... – respondeu – Como ela é? A moça do meu sonho não contou...

− A moça que visitou o sonho da menina é Diraní, − disse – e assim como ela, Kabur não pode contar coisas a menina – respondeu. Azalee deu de ombros e voltou a registrar a natureza com sua câmera. Havia uma manada de elefantes cinzentos a poucos metros do balão. Lee se mostrou entusiasmada.

− Kabur, você podia...

− Se a menina deseja, Kabur realiza – disse Kabur, prevendo o pedido de Azalee. Ela sorriu e ele puxou uma das cordas, levando o balão para mais próximo da manada de elefantes.

Haviam cinco deles, sendo que uma era filhote. Azalee não perdeu tempo, foi logo registrando todos eles em suas fotografias, que surgiam impressas instantes depois. Seu amor pela espécie era algo familiar, que ela não podia explicar. Elefantes sempre foram seus animais favoritos.

Kabur só fazia rir, vendo a alegria da mocinha. Os elefantes bramiam e pareciam não se importar com aquela presença. Alguns, inclusive, acariciavam Azalee com suas trombas. O filhote fazia pose, capturado pelas lentes de Lee. Era uma cena rara.

− É... Impressionante Kabur! Eles não têm medo de mim e tanto me advertiram que elefantes africanos são perigosos! – exclamou, alisando a tromba de uma elefanta.

− Os animais só são perigosos para quem é perigoso para eles. Eles viram a alma de princesa da menina e nada a ela fariam – respondeu. Azalee levantou-se, enquanto a manada se afastava, bramindo. Ela sorriu e Kabur puxou outra corda, levando o balão de volta ao alto, direção as montanhas. – A menina gosta de ser bruxa?

Azalee riu.

− Eu adoro – respondeu.

− E os pais da menina?

− Eles sempre souberam. Quando me adotaram, foram avisados sobre a minha natureza mágica.

− Digo os outros pais – disse Kabur. Azalee lhe olhou confusa. Ele riu – O pai da menina era guerreiro poderoso, não era?

− Contaram a mim que ele era escritor – respondeu ela. Kabur gargalhou.

− E que contador de histórias não trava uma batalha de vez em quando? Ananse era um grande guerreiro e também grande contador de histórias – disse ele. Azalee sentou-se no chão do cesto e olhou com curiosidade para Kabur. – Ananse era aranha, Ananse se tornou nome. O pai da menina era Ananse e a menina também será.

− Como você sabe quem é meu pai? Nem eu sabia! – questionou.

− Kabur leu nos olhos da menina – e então puxou outra corda, parando o balão em pleno ar, poucos metros distantes de uma enorme montanha rochosa. Azalee se levantou do cesto e olhou para a formação, confusa. Ele havia a trazido para o lugar certo? – A menina não vê, não é mesmo?

− Tudo que eu vejo é uma montanha, Kabur!

− A menina tem que ver, se não nunca será Ananse, como o pai, avô e bisavô foram! – disse irritado. Azalee engoliu seco e novamente fitou a paisagem. Para ela não passava de uma montanha. O que Kabur queria que ela visse?

− Kabur, eu não...

− A menina enxerga pelos olhos errados – disse, apontando para a câmera nas mãos de Azalee – A menina tem que ver apenas pelos próprios olhos – Azalee assentiu, jogou a câmera para o lado e concentrou o olhar na montanha, que continuava a mesma – Agora, a menina deve me contar uma história.

− O que?

− A menina tem que fazer por merecer, me conte uma história. – Azalee engoliu seco e começou a pensar no que contar para agradar Kabur – A menina não deve forçar a mente. Se ela for mesmo Ananse, a história surge sozinha – proclamou. Lee, convicta, fechou os olhos e respirou pausadamente, concentrada nas palavras do coração.

− Haviam, er, dois irmãos – disse. Kabur sorriu, enquanto Azalee fechou a mente e abriu o coração – Catira e Cadori, que adoravam caçar estrelas no céu. Catira, a menina, bordava em seu lenço cada estrela nova que via e Cadori, hum, tinha inveja de sua habilidade. Então, numa noite que parecia ter chuva vindo, Cadori disse para a irmã subir na mais alta árvore e de lá podia bordar todas as estrelas que visse. Ela foi e, assim que tirou as agulhas para bordar, a chuva começou e um raio... – antes que Azalee terminasse sua história, Kabur a ovacionou e aplaudiu.

− A menina conta boas histórias, mas não é hora de dar desfecho a elas... – ele disse – É hora de abrir os olhos, menina – e ela abriu.

O negro de seus olhos luziu com a grandiosa beleza rústica do que vira. Sua primeira pergunta? Onde estava a montanha que vira outrora? No lugar das cavernas e formações pontiagudas, havia um gigantesco castelo de pura pedra, rodeado por muralhas e resguardados por cerca de sete torres, que tinham tamanhos variados rodeando o castelo, e que também guardavam no alto imagens de saudosos animais, em uma escala decrescente, havia: um leão, um elefante, um rinoceronte, um búfalo, uma zebra, um avestruz e um suricate. Dentro das muralhas havia um verdadeiro oásis, cheio de plantas coloridas e lagos azulados. Azalee sorriu de orelha. Estava em casa, finalmente.

− Kabur – ela chamou, sem tirar os olhos do castelo de pedra – Onde estão todos? Os alunos eu sou... – e, ao virar-se para buscar o carismático senhor, descobriu que não estava mais sozinha. O céu... estava lotado de coloridos balões, como o seu, que carregavam pessoas diversas no cesto. Alguns, inclusive, saltavam e voavam pelo vento, carregados por brilhos em diversas cores. Ela sorriu.

− A menina – disse Kabur – É bem vinda na Uagadou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!