quando eu morrer quero tuas mãos em meus olhos escrita por Ironborn


Capítulo 1
sentir a suavidade que mudou meu destino


Notas iniciais do capítulo

meu tema foi destoante, como deu pra ver na sinopse (desculpa tava sem ideias)
dedicada ao lindo maravilhoso poderoso tirano stalinista raphael que me ajudou a abrir a categoria amor i lov u



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Aquilo tudo lhe era familiar, como se ele estivesse em casa novamente, preparando-se para avançar sobre Marlas. O relinchar dos cavalos, os homens rindo ao redor das fogueiras, o vento balançando as tendas até que elas começassem a ranger, o cheiro de couro e metal e suor e sangue. Ele respira fundo, três vezes, sentindo o ar encher seus pulmões, sentindo o sangue percorrer suas veias, das pontas dos dedos das mãos até as pontas dos dedos dos pés.

É como se Damianos estivesse em casa, não fosse um simples fato que martela em sua cabeça dia e noite, tão forte quanto o estalo do chicote na pele nua de suas costas.

A tiara dourada que costumava se aninhar em seus cabelos foi substituída pela coleira dourada que o machuca toda vez em que sua respiração se torna entrecortada pelo esforço dos exercícios de batalha. Já o braceletes pesam em seus braços, atrapalhando — mesmo que ele continue sendo o melhor em campo — sua proficiência com a espada. Aos homens ao seu redor tem a pele tão clara que um dia sob o sol de verão em Akielos os deixaria vermelhos como as pimentas que crescem em Sicyon, e a maioria deles usa armaduras de aço que cobrem cada centímetro de seu corpo, deixando apenas os olhos visíveis pela fenda do elmo.

É como se Damianos estivesse em casa — mas ele não está. Ele está em Vere, não como um príncipe, mas como um escravo. Não como Damianos, mas como Damen; Damen sem sobrenome, sem título, sem terra. Damen sem irmão.

Ele desce do cavalo com um movimento suave, de alguém que já fez aquilo dezenas de centenas de vezes — e ele fez, mas nunca daquele jeito. Nunca sem nem ser notado, sem que um escravo viesse correndo se oferecer para cuidar de seu cavalo, sem um a água para seu banho está pronta, príncipe, sem a voz de seu pai trovejando pelos campos, convocando seus kyroi para uma reunião na tenda de comando, sem Nikandros ao seu lado. Damen faz o caminho até a tenda principal e o máximo que recebe são saudações de alguns dos homens — homens de Vere —, aqueles que não sentem vontade de matá-lo apenas por ele ser Akielon.

Melhor ser um Akielon qualquer em Vere do que ser Damianos, o matador de príncipes.

Ele afasta uma das abas da tenda para entrar, encontrando Laurent ainda de armadura, mas já estudando um mapa das planícies ao redor de Ravenel. Os montes e as escarpas, todos os lugares onde um bando de mercenários contratados por seu tio pode estar esperando para matá-lo.

— Sente-se — ele diz, sem nem ao menos levantar a cabeça. — Diga-me o que você sabe sobre esse lugar. — Laurent aponta para a região à esquerda do castelo, e Damen, seu escravo, não perde tempo em contar tudo o que sabe.

Ele se lembra de outro tempo, quando era ele quem recebia as instruções de guerra, quando os homens debatiam por qual direção atacariam Marlas, quando seu pai lhe disse então vá, damianos. traga-me uma cabeça dourada, e ele a trouxe. Quando os soldados de Akielos o levantaram nos braços numa pradaria onde a grama crescia vermelha de sangue. Damianos, matador de príncipes!

(ele se lembra de duas escravas deixadas para trás, dos lábios de nikandros — kyros de delpha! não dá pra acreditar, damen — nos seus, do barulho do tambores até amanhecer)

Está tudo no passado, agora. Então ele se rodeia de homens de Vere com suas roupas de Vere e costumes de Vere e promete a si mesmo que não vai esquecer, não vai perdoar. Só mais uma semana — como seria enrolar os dedos nos cabelos de Laurent? Uma semana. Uma semana.

(primeiro, é damen)

Laurent parece uma pintura à óleo, sentado no trono como se ele já tivesse nascido ali — mesmo sendo um segundo filho, mesmo só estando onde está agora porque Damianos de Akielos cravou uma espada no estômago de seu irmão. Quiçá fora o destino que o quis ali, que arrastou seu pai para uma guerra com o rei Theomedes, que deu a ordem de batalha enquanto um de seus mensageiros ainda estava no campo de Akielos.

Mas não importa agora, Laurent repete para si mesmo, imaginando o que Auguste pensaria ao vê-lo ali, rodeado pelos homens que tomaram Delpha, pelos homens que pintaram as planícies com o sangue vermelho de Vere. O que Auguste pensaria ao saber que Laurent se deitou com o homem que o matara há seis anos, mesmo que não tivesse sido por desejo — mesmo que tivesse sido, no fundo.

O que Auguste pensaria ao ver o bracelete dourado ao redor de seu pulso, pior que qualquer marca feita à ferro. O bracelete que ele havia pedido, dias antes, antes. Antes que a realidade caísse sobre sua cabeça como uma bigorna, desfazendo a fantasia de Damen, o escravo, para desvendar a realidade que você já conhecia há tempo: Damianos, o assassino.

(ele é tão frágil daquele jeito, nu em pelo, com o corpo coberto de óleo. um bárbaro, laurent pensa. ele se lembra de segurar os mesmos braços que agora tentam se desvencilhar do aperto de pallas, de apertar os lençóis entre os dedos para não arranhar a pele das costas que agora se voltam para ele. seria tão fácil mas tão fácil pegar uma faca e arremessá-la na direção dele. daquela distância, não havia possibilidade alguma de erro

nikandros continua ao lado do trono de damianos, de punhos cerrados enquanto observa a luta. contra a coxa dele repousa o couro marrom de uma bainha. um metro de distância, talvez dois

laurent volta a assistir a luta)

Damianos ganha, é claro, e Laurent vira os olhos para a multidão enquanto ele veste — se é que pode se considerar roupa uma vestimenta que mostra mais do que esconde. Está quase acabando; só o okton e então estará livre.

Mas a vida, oh, é tão cheia de possibilidades.

Laurent conhecia o okton. Ele nunca havia visto um de verdade, mas pesquisara e perguntara o suficiente desde que fora informado das festividades que aconteceriam. Ele queria vencer Damianos na frente dos homens dele, como Damianos venceu Auguste na frente dos homens de Vere. Ele queria sorrir como se aquilo não fosse mais do que uma brincadeira de criança, desdenhando implicitamente de homens que montam enormes estruturas para competições em vez de arrumarem-se para a guerra.

(ele sabe o propósito daquilo, sabe que é necessário, que é bom para a moral dos homens, que é algo que ele mesmo faria se estivesse em vere — mas com damianos sentado no trono ao lado dele, seu cérebro só aponta para a inutilidade daquilo)

Ele vence — é um empate, tecnicamente, mas é o primeiro okton de Laurent e Damianos já perdeu a conta dos seus. Ele bebe, ele conversa com Makedon como se os dois não estivessem em lados opostos de uma guerra há seis anos. Ele deixa seus lábios encostarem nos dedos de Isander enquanto morde as uvas. E o tempo todo — o tempo todo — Laurent se pergunta se não seria melhor se entregar, se realmente há sentido nessa batalha que parece fadada à derrota. Se ele se humilhasse o bastante, seu tio poderia até se contentar com o exílio. Seria melhor do que ver Damen, a um metro de distância, e não poder mais fingir que aquele não é Damianos de Akielos.

(depois, é laurent)

Os jardins de Egeria estendem-se por quase um quilômetro, repletos de hibiscos e hortênsias, de copos-de-leite e dentes-de-leão, de crisântemos e magnólias. Laurent, deitado na grama verde e molhada pela chuva que caíra de madrugada, ainda acha que todas elas, a mais bonita das flores de Egeria é seu filho.

Os dois estão com togas típicas de Akielos, e Laurent aproveita para sentir as folhas de capim espetando seus braços, o vento arrepiando os cabelos de seu corpo. Coisas das quais ele vai sentir falta quando voltar para Vere. Damen beija a pele do seu tornozelo, não porque Laurent pediu mas porque é isso que ele quer — ele beija cada pedaço à mostra, desde seu calcanhar até os lábios. Ele cheia às tulipas que entrelaçou nos cabelos de Laurent.

(ele cheia à vida, e à calmaria e felicidade e desejo — e laurent queria poder costurá-los um ao outro para que ninguém nunca pudesse desfazê-los)

Eles não percebem quando Nikandros procura por Damen para discutir acordos com os kyroi, nem quando Jord procura Laurent para perguntar como proceder com seu mais novo exército, nem quando Paschal procura por Damen para verificar seu curativo. Só há o sol brilhando tão forte que queima a pele dos dois e a as flores no jardim. Só há Damen. E Laurent. E Damen e Laurent.

(no fim, é todo mundo menos eles)


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Notas finais do capítulo

ficou um pouco corrida porque eu perdi a vontade de escrever no meio da fanfic mas o que vale é a intenção