Todo Mundo Tem Uma Outra Mãe escrita por Chapeleiro


Capítulo 1
Capítulo Único




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—Você pode ficar com a gente aqui para sempre se quiser, filha. Só o que precisa fazer é… me deixar costurar botões em seus olhos - A Bela Dama repetiu as palavras que tantas vezes antes havia repetido e se deliciou ao ver sua nova vítima, uma garotinha de cabelos louros, sorrir para ela.

A menina queria ficar, já estava no papo. A proposta de costurar botões em seus olhos para deixá-los ficar no Outro Mundo sempre funcionava. Bom, quase sempre… Houve uma vez em que ela falhou e essa falha quase lhe custou a própria vida. Maldita menina arrogante de cabelo azul, tinha colocado tudo a perder.

A Bela Dama fechou os olhos e deixou brotar em sua mente as memórias de como a menina Coraline quase a havia destruído… Garota tola, mal sabia ela que o poço era apenas mais um portal para o Outro Mundo. Jogando a chave lá dentro, ela havia apenas lhe feito uma favor, lhe devolvendo a chave e sua mão mecânica.

Ah, sim, os esforços de Coraline para matá-la tinham sido em vão. A Bela Dama não se vingara, estava fraca demais para lutar outra vez e colocar tudo a perder. Não, em vez disso, havia desfeito completamente o Outro Mundo, sugando a energia e a magia que havia depositado dele de volta para si, de modo a poupar energia, e então voara para longe na noite escura, se mudara para outro país, chamado Brasil, onde podia achar muitas crianças sem mãe nenhuma.

Oh, como tinha sido fácil. Bastava andar pelas ruas a noite, criando uma neblina de magia ao redor de si, e qualquer criança a veria como seu próprio ideal de mãe, só que com botões nos lugar dos olhos. Essa mudança ela mantera. Ela sempre tinha gostado de botões.

E assim, facilmente as crianças passavam a andar com ela, se entregando em seu amor e amando-a desesperadamente. Afinal, embora ficasse mais forte ao devorar a “alma” (como ela chamava a mistura de bons sentimentos, juventude e vitalidade) de suas vítimas, o simples amor que elas nutriam por ela era suficiente para mantê-la viva… por um tempo.

Durante meses, várias crianças andaram com ela, e a amaram e a respeitaram a tal ponto que logo ela poderia criar novamente seu Outro Mundo. E, então, em uma manhã fria de julho, ela disse que precisaria embora, só podendo levar consigo aqueles que a deixassem costurar botões em seus olhos. Alguns se recusaram (estes foram imediatamente expulsos de sua névoa cálida, já que ela só podia devorar suas almas depois que eles deixassem, por vontade própria, costurar os botões), muitos choraram, mas a maioria aceitou.

E, oh, como havia se banqueteado naquele dia. Devorara tantas almas inocentes que poderia construir dois Outros Mundos, talvez até três. Foi aí que ela decidiu se instalar em uma nova casa e atrair uma criança infeliz, como fizera tantas vezes antes no palácio Cor-De-Rosa.

E a idéia dera incrivelmente certo. Criara um espaço vazio (algo essêncial para ter um Outro Mundo) atrás de uma pequena casa suburbana e agora, algumas semanas depois, estava a ponto de colher os frutos de seu sucesso.

A Bela Dama bagunçou sua cabeça e voltou ao presente, fixando seus botões na menina à sua frente. Dessa vez, melhorando a imagem da mãe da menina, tinha botões azuis e cachos louros que pareciam brilhar ao sol.

—E então, querida, o que me diz? - Ela perguntou, olhando para a menina com todo o carinho que fingia ter por ela.

Dois segundos. Foi o tempo que levou para a menina fazer que sim com a cabeça, lhe dando a permissão para costurar os botões em seus olhos.

Um enorme sorriso doentio se espalhou pelo rosto da Bela Dama enquanto ela avançava na direção de sua “filha”. Segurando ternamente a pequena criatura, ela rapidamente fez um movimento com as mãos que disparou um raio de magia púrpura de suas mãos nos olhos da garota, que gritou de susto e de dor. Um segundo depois, os botões já estavam costurados nos olhos dela.

A tola garota olhou para a bela dama e abriu um inocente sorriso

—Nóis vamu brincá agora, mamãe? - Ela perguntou.

A Bela Dama então finalmente riu e, lentamente, tomou sua verdadeira forma: a pele pálida cheia de marcas escuras no rosto, longas pernas que pareciam patas de aranhas, um corpo esquelético que era fisicamente impossível, olhos de botões negros e longos cabelos escuros que contrastavam com sua pele horrivelmente pálida.

A menina gritou de susto, mas não pode fazer muita coisa, não agora que já havia costurado os botões em seus olhos. A Bela Dama agarrou-a pelo pescoço e segurou-a perto de si

—Ah, Manuela, você têm sido uma menina muito boazinha. Mas, veja bem, eu preciso fazer isso, para ficar forte. Quando você crescer, vai entender.

E então começou a sugar a alma da garota. Oh, que maravilhoso banquete aquilo era para a Bela Dama. Todos os sentimentos, toda a vitalidade, toda a juventude, escorriam da menina como água escorrendo em um rio, e jorravam para ela, para a Bela Dama, preenchendo-a, alimentando-a, curando-a. Em pouco tempo, não restava nada da menina a não ser um cadáver vazio como uma casca de ovo.

A Bela Dama deixou o corpo sem vida cair no chão com brutalidade, e um estalo foi ouvido quando os ossos fragilizados se quebraram. A mulher sorriu e avançou sobre o corpo. Logicamente ela não desperdiçaria uma gota de sangue, não quando o corpo era tão suculento, macio e crocante ao mesmo tempo.

A Outra Mãe fechou seus dentes ao redor do pescoço da garota com um esgar de satisfação enquanto o sangue da garota jorrava e ela sugava todos os nutrientes restantes do corpo, alimentando-se do líquido vermelho e dos ossos que ela agora devorava pouco a pouco, empanturrando-se até não haver nada da garota para ser visto.

Em alguns minutos ela havia terminado seu banquete. E então se levantou, tirou uma mecha de cabelo que caía em sua testa, e se empertigou novamente.

Três batidas foram ouvidas na pequena porta, a qual a Bela Dama abriu, revelando a figura da Boneca (a que ela havia refeito depois que Coraline destruíra a anterior).

A Outra mãe sorriu satisfeita. Estava na hora de procurar uma nova vítima. Quem seria? Ela podia sentir muitas crianças que não se sentiam amadas, muitas crianças que estariam dispostas a trocar seus olhos por botões. Quem ela escolheria? Quem teria o azar de cruzar seu caminho com a Outra Mãe e encontrar seu fim?

Por que afinal, você pode não saber disso, pode se esquecer (ou fingir que esqueceu) as vozes que sussurravam para você no meio da noite quando você era uma inocente criante, os olhos que brilhavam no corredor escuro até o seu quarto, o reflexo distorcido do vulto que você via no espelho e até aquela boneca estranha que ninguém sabia de onde viera. Mas ainda assim, você não pode ignorar e nem escapar da verdade. Por que é um fato: Todo mundo tem uma outra mãe.


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