Merrin escrita por renatoajmorais


Capítulo 1
- I -




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O calor era insuportável naquele boteco. A estreita rua onde o estabelecimento se encontrava, encrustado em uma galeria antiga de lojas, mais parecia um beco, estava apinhada de vendedores anunciando seus produtos aos gritos, trabalhadores de pele queimada e excessivamente carregando imensos sacos e caixas nas costas e, pontualmente, um ou outro turista olhando com um misto de estranhamento e admiração aquele local. O boteco estava, assim como a rua, apinhado de gente bebendo doses de gim barato em copos pequenos enquanto conversavam aos berros uns com os outros e riam sem o mínimo pudor.

 

Numa mesa no canto da parede, um homem usando chapéu, uma camisa bege com as mangas dobradas na altura do cotovelo, uma calça cáqui e botas surradas e sujas de areia. Sua pele, outrora branca, agora carregava uma cor avermelhada, um castigo do impiedoso sol do Oriente Médio. Assim como todos os homens no bar, ele também tomava o gim vagabundo e incolor, mas, diferente daqueles beberrões mal-educados, o homem, com feições europeias, bebia o líquido com uma calma completamente destoante do ambiente e das suas vestes surradas e sujas.

 

Após uma golada de gim, ele repousou o copo na mesa, levantou-se, catou no bolso de sua calça um punhado de moedas, colocou-as dentro do recipiente e, ajeitando as mangas da camisa, saiu do bar.

 

Enquanto andava pelas ruas em direção à avenida principal, onde deixara seu jipe, esbarrando aqui e acolá no ombro de alguém, o homem vasculhava cada lojinha, cada vendedor, cada estabelecimento comercial com seus olhos azuis, que contrastavam com sua pele queimada. Toda aquela exoticidade do local, das pessoas, dos produtos que enchiam de cores as mesas dos comerciantes e do próprio ar do local o fascinavam. Mas, de alguma forma ele sabia que não é o tipo de fascínio de um turista. Havia algo soturno naquele ambiente, mas tão velado por toda a beleza exótica que ele não sabia pôr em palavras o que era. “Talvez seja só o cansaço.”, pensava o homem, e com razão. Há meses ele estava coordenando aquela escavação no deserto Sírio a mando do Vaticano. Mesmo não sendo mais um homem de fé como fora anos atrás, aquele homem possuía um conhecimento ímpar no que dizia respeito a artefatos religiosos, e era a arqueologia o único cordão umbilical restante que ainda o ligava ao Vaticano.

 

Finalmente, após uma caminhada que não duraria mais que dois minutos se não fosse o vai e vem de pessoas, o homem chegara até seu jipe. Ele abriu a porta, sentou no banco do motorista, girou a chave na ignição, e com um ronco, o motor ligou. Segurando a direção, ele observava ao longe o monte arenoso onde se localizava o sítio arqueológico da escavação. Era um inferno por conta do calor e da poeira, mas era um preço a se pagar por uma descoberta ímpar e inestimável na arqueologia, e ele não sairia de lá até que tivesse cumprido seu trabalho, não importa o quão desgastadas estivessem suas relações com a Igreja após os acontecimentos de dez anos atrás. Era seu amor à arqueologia e o tamanho da descoberta que o mantinham firme, mesmo naquelas condições. Finalmente, acompanhado por um ruído metálico, o homem engatou a primeira e partiu em direção do sítio arqueológico.

 

Chegando lá, passou pelos guardas locais cumprimentando-os com um toque na buzina, e ao adentrar no sítio, viu que os locais que foram contratados para ajudar na escavação estavam trabalhando à todo vapor. Eram trabalhadores incessantes e completamente acostumados com o clima severo, ideais para aquele trabalho. Homens europeus como ele simplesmente não seriam capazes de trabalhar no mesmo ritmo, e como eram poucos no local, apenas escavavam o local principal do sítio, que ficava no topo do monte. Descendo do jipe, o homem circulava a escavação, e eventualmente se aproximava dos trabalhadores que achavam algo, geralmente moedas antigas e pontas de flecha. Após alguns minutos rondando, o homem foi abordado por um garoto que, ao se aproximar, tocou no ombro do homem e, ao conseguir sua atenção, apenas apontou para o cume do monte, onde uma figura acenava enquanto meia dúzia de trabalhadores enxugavam o suor do rosto. Entre as batidas surdas de martelos e picaretas no solo duro e seco e o conversar dos nativos em sua língua mãe, o homem foi até a figura, que o esperava próximo a uma estrutura recém-descoberta. A estrutura, encrustada no solo, devia ter dois metros e meio de raio, e era semelhante a uma claraboia milenar, mas estranhamente intocada. Ao se aproximar, o homem parou e analisou o vidro escurecido pelo tempo. Nenhuma rachadura, nenhuma imperfeição. Tudo estranhamente em ordem. Finalmente o homem, ainda encarando a estrutura com estranheza, disse: “Então, finalmente encontramos, não é Liam?”. “Sim, Merrin, encontramos. O Cardeal Agostini provavelmente vai abrir um bom vinho e convidar alguma puta para comemorar quando souber da notícia.”. Liam soltou uma gargalhada alta. Merrin riu discretamente.


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