How Could This Happen To Me? escrita por Emmy Tott


Capítulo 28
O abençoado




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Ela mal conseguia se dar conta do que se passava ao seu redor. Nos poucos momentos em que conseguia recobrar a consciência, podia sentir uma grande movimentação à sua volta, e vozes urgentes e alteradas falavam coisas que a ela eram pouco inteligíveis. Mãos a colocaram no que parecia ser uma maca, e enquanto ela sentia uma forte dor aguda no baixo-ventre, ia sendo apressadamente empurrada por corredores estreitos, com uma iluminação branca estonteante.

Por favor, salve o meu bebê. Salve o meu bebê. Era a única coisa que ela conseguia pensar naquele momento. Gostaria de ter forças para poder dizê-lo em voz alta, mas sua língua estava presa e parecia pesar uma tonelada. As rodinhas da maca continuavam a deslizar pelo chão em alta velocidade enquanto ela conseguiu distinguir algumas das vozes que a acompanhavam. Uma delas era de sua mãe, totalmente desesperada e histérica, acompanhada da de seu pai, que a tentava acalmar, ao mesmo tempo em que tentava convencer a si próprio. Outras duas eram de Bel e David. O que faziam ali? Haviam acabado de se casar e deveriam estar em sua noite núpcias, e não acompanhando uma mulher prestes a perder a vida de seu filho e a sua própria. Por fim estava Pierre. Ele gritava, revoltado e desconsolado, que se algo grave acontecesse alguém iria pagar.

De repente, a maca fez uma curva à esquerda e uma porta foi fechada, deixando todas aquelas vozes para trás.

–Por favor, salve-os! Eu os amo, não sei o que faria se os perdesse. Apenas salve-os! - gritou por fim a voz de Pierre, em ressonância aos próprios pensamentos de Peggy.

E então tudo apagou.

***

A sala de espera estava cheia. O ambiente cuidadosamente decorado e limpo não combinava com a tensão que pairava no ar. Apreensivos, eles aguardavam por alguma informação acerca do estado de Peggy. Margareth tivera que tomar um calmante para conseguir permanecer no local, e seu marido rezava baixinho pela filha. Pierre andava de um lado a outro, impaciente por toda aquela demora. Bel e David os tentavam consolar de alguma forma, o que não ajudava muito àquela altura. Cada médico e enfermeiro que passava, com seus jalecos brancos esvoaçando às suas costas pela rapidez com que andavam, era uma esperança frustrada.

Lá pela nona ou décima vez, Pierre não aguentou mais.

–Por favor, eu preciso saber o que está acontecendo lá dentro – disse ele ao interpelar um dos enfermeiros antes que ele desaparecesse novamente. - Já faz duas horas que Peggy está lá e não temos nenhuma notícia!

–Por favor, acalme-se senhor – pediu ele. - O médico já está vindo para contar o que houve.

Os outros se levantaram também, todos os olhares acompanhando o enfermeiro de volta ao entrar na sala de cirurgia. David pousou a mão sobre o ombro de Pierre, apertando-o para dar-lhe forças. O ar ao redor tornou-se sólido e, pelo breve instante em que esperaram pela entrada do médico, que mais pareceram séculos, ninguém ousou respirar.

Quando ele finalmente veio, foi cercado pelos cinco, que o fitavam com olhos ansiosos e preocupados.

–E então, doutor?

Seus olhos eram insondáveis e ele falou devagar:

–O procedimento foi bem sucedido e conseguimos estancar o sangramento. O bebê não corre mais risco de vida…

–E quanto à Peggy?

Ele olhou de Pierre para a mãe e o pai de Peggy, com expressão séria. Em sua testa, podia-se ver algumas gotas de suor pelo intenso trabalho que tivera na sala de cirurgia.

***

Quando finalmente abriu os olhos, foi como se estivesse acordando de um terrível pesadelo. Embora as lembranças estivessem em sua mente, elas se apresentavam de forma confusa e desorganizada, como um filme mal produzido. Lembrava-se principalmente da expressão sinistra na face de Chuck e da dor que sentira. Muita dor.

Instintivamente, passou a mão pela barriga, suspirando aliviada ao se certificar que ela ainda estava ali. Porém, ao fazê-lo, notou que seu braço estava conectado a um estreito tubo que levava ao saco de soro dependurado sobre um tripé metálico ao seu lado, e só então se deu conta de onde estava. Era um quarto pequeno de hospital, com duas camas, embora uma estivesse desocupada, uma televisão de vinte e quatro polegadas fixada por um suporte na parte superior da parede oposta às camas, uma porta à esquerda, que deveria ser o banheiro, e ao centro uma poltrona, onde Bel repousava com o pescoço torto, boca aberta e olhos fechados. Ao vê-la, os lábios de Peggy desenharam um meio sorriso. Apesar de tudo, era reconfortante saber que a amiga estava ali.

Como se tivesse pressentido o olhar de Peggy, Bel acordou, endireitando o corpo.

–Peggy? - chamou ela, levantando-se da poltrona e indo até a amiga.

–Oi, Bel – disse Peggy, com dificuldade.

Ela sorriu em resposta.

–Como está se sentindo?

–Como uma boneca quebrada.

–Você vai ficar bem, só precisa descansar um pouco. Vou avisar os outros que…

Ela foi se virando enquanto falava, mas Peggy a puxou pelo braço, fazendo-a voltar.

–Bel, o que aconteceu? Está tudo bem com o bebê?

–Está sim, ele não corre mais risco. Fique tranquila…

–E Chuck? Conseguiram pegá-lo?

Bel inclinou-se para a amiga, passando a mão pela sua testa.

–Acalme-se, uma coisa de cada vez. Não é bom para o bebê que você fique agitada. Espere um instante que vou avisar que você acordou, está bem?

Peggy concordou com a cabeça, deixando-a ir. Mas sentia que algo estava errado naquela história. Por que não era bom que ficasse agitada? Tinha alguma coisa ali que Bel não queria lhe dizer.

–Que bom que você acordou – disse David ao entrar no quarto, exibindo um sorriso gentil.

Pierre entrou em seguida, mais sério que o amigo.

–Você nos deu um grande susto – ele disse.

Depois de tudo o que passaram, Peggy não sabia ao certo como encará-lo.

–Bem, não foi a minha intenção – improvisou ela, remexendo-se desconfortável no travesseiro.

–Tive muito medo de te perder…

Percebendo que os dois precisavam ter uma conversa a sós, Bel decidiu facilitar as coisas e sair de cena:

–Acabei de lembrar que não comi nada desde cheguei. Vou descer até a cantina para pegar um sanduíche. Você vem, David?

–Não, obrigado. Eu já comi.

Bel revirou os olhos. David podia ser uma boa pessoa, mas às vezes era bem lerdo.

–Você vem sim! Para me fazer companhia! - ordenou ela, enganchando seu braço ao dele e praticamente o arrastando para fora.

–Mulheres… - resmungou ele antes de fechar a porta.

Pierre continuava a encará-la intensamente, enquanto Peggy voltou a se remexer na cama. O peso do silêncio era insuportável para ela, então resolveu rompê-lo primeiro:

–Onde estão meus pais? Eu ouvi suas vozes quando cheguei aqui.

–Nós os obrigamos a voltar para casa, estavam muito cansados. Sua mãe ficou com você por dois dias sem dormir.

Ele se aproximou do leito, repousando a mão direita nas grades da cama, então Peggy o olhou pela primeira vez. Suas enormes olheiras revelavam que mais alguém não tinha dormido.

–Dois dias? Por quanto tempo fiquei inconsciente?

–Com hoje, faz cinco dias.

Ela o olhou, espantada. Parecia-lhe que tudo tinha acontecido a menos de cinco minutos, e não dias.

–Tanto tempo?

Ele concordou seriamente. Só então Peggy reparou que o braço dele estava envolto com um enorme curativo de gazes.

–Bel não quis me dizer, mas não acharam Chuck, não é? Ele conseguiu escapar da polícia…

–Sinto muito – ele suspirou. - Mas é verdade. As buscam continuam, mas Chuck é um sujeito esperto, não se deixaria pegar tão facilmente.

–Mas então eu tenho que sair daqui, Pierre! - disse ela, meio desesperada. - Corro um grande risco se ficar, ele pode aparecer a qualquer momento e…

–Por favor, fique calma – pediu ele, pegando sua mão e entrelaçando seus dedos. - Você não vai a lugar algum enquanto o bebê não nascer, são recomendações médicas. E não há o que temer, nós montamos uma vigília para você, estamos nos revezando para que fique segura. Além disso, tem alguns policiais de campana na frente do hospital. Ele não chegará nem perto de você ou do nosso filho.

–Eu me sinto péssima por dar esse trabalho todo…

–O trabalho quem está dando é ele.

–E por que não posso deixar o hospital? Aconteceu alguma coisa comigo, não foi?

Ele apenas a olhou, tirando uma mecha de sua testa com a mão livre.

–Por favor, Pierre, me diga a verdade! Eu preciso saber!

–Só quero que mantenha a calma, está bem? O pior já passou, tudo agora depende de você manter a calma.

–Mas… por que?

–O médico disse que é uma gravidez de risco. Você passou por fortes emoções e perdeu muito sangue. Sua pressão está instável e corre o risco de subir muito durante o parto, por isso precisa ficar em observação. Não pode sofrer qualquer tipo de estresse até lá.

Peggy olhou para o teto, sentindo-se fraca e impotente diante da situação em que se encontrava.

–Me diga que tudo vai ficar bem!

–Tudo vai ficar bem! - respondeu ele, levando a mão que segurava até os lábios e beijando. - Estou aqui com você!

–Obrigada.

Ele sorriu.

–Não precisa agradecer. Eu te amo…

Ela olhou no fundo de seus olhos castanhos. Toda a mágoa que sentia antes tinha se dissipado.

–Você salvou a minha vida…

–Faria isso mil vezes se fosse preciso.

–Não quero morrer sem que antes você saiba que também o amo. Nunca deixei de amar.

Pierre inclinou o corpo para frente, beijando sua testa.

–Se realmente me ama, trate de ficar bem viva.

–Certo…

Nesse momento uma enfermeira entrou no quarto, selando a conversa que tiveram. Pierre se afastou, mas continuou ali, deixando que ela fizesse as perguntas necessárias e medindo o nível do soro. Enquanto isso, Peggy o observava pela sua visão periférica. Pierre continuava gentil e solícito, mas havia uma nuvem negra pairando sobre o ar. Enquanto o bebê não nascesse, eles não teriam uma vida tranquila.

***

–Você nunca me disse se seus pais vieram mesmo ou não – disse Peggy para Bel.

Já tinha se passado um pouco mais que um mês e elas estavam no mesmo quarto de hospital. A rotina de Peggy era ficar ali, vendo as pessoas irem e virem, conversar sobre bobagens e comer o que lhe traziam. Às vezes vinham lhe medicar ou trocar o soro e ela podia se sentar um pouco. O tédio de sua nova rotina monótona não ajudava muito em seu propósito de não pensar em Chuck e seu perigo iminente.

–Eles vieram sim, e ficaram loucos quando souberam que eu me casei com David – respondeu Bel. - E não adiantou eu tentar argumentar que ele foi preso injustamente e que meu futuro está aqui, que se voltasse teria que começar a estudar tudo de novo e perderia o ano. Só sabiam repetir “mas ele está na condicional e é um péssimo exemplo”, então nós brigamos feio e eles foram embora. Acho que nunca vão me perdoar por isso…

–Bobagem, eles são os seus pais. Algum dia irão cair em si e entenderão seus motivos, então tudo vai ficar bem de novo.

–Eu espero que você esteja certa.

Enquanto Bel sorria para ela, Peggy levou a mão até a barriga, fazendo uma careta, como se tivesse engolido uma bala de pimenta.

–O que foi? - preocupou-se Bel.

–Acho que senti uma fisgada aqui embaixo.

–Minha nossa! Você acha que chegou a hora? - disse ela, se levantando na mesma hora.

–Não, espere – pediu Peggy. - Pode ser só um alarme falso.

Outra fisgada. Outra careta.

–Nada disso. Vou chamar alguém agora mesmo!

Ela saiu do quarto quase correndo, avisando Seb e Jeff, que guardavam a porta do quarto em seu turno de vigília. Enquanto Jeff foi procurar um enfermeiro, puderam ouvir o grito de dor vindo do quarto.

–Isso não é nada bom – disse Bel.

–Fique com ela – tornou Seb, sacando o celular e começando a discar um número. - Vou avisar os outros.

Quando voltou, Peggy já contorcia o corpo todo de dor.

–Mantenha a calma, Peggy. Respire fundo – Bel pegou sua mão. - Já estão chegando.

Ela tentou fazer o que a amiga lhe pedia, mas quanto mais tentava respirar, mais forte as dores ficavam.

–Bel! - gritou ela, apavorada, quando percebeu que a cama estava molhada. A bolsa havia se rompido. - Ele vai nascer! Vai nascer!

–Calma! Tudo vai ficar bem, calma…

Três enfermeiros entraram no quarto, um deles com uma bandeja de medicamentos. A seringa já estava montada e ele aplicou no tubo de soro rapidamente, enquanto os outros dois a transferiam para a outra maca, com rodinhas.

–Vamos levá-la para a sala de cirurgias. O médico já está a caminho. - informou o enfermeiro da injeção.

Bel afastou-se, dando espaço para que eles passassem com a maca. Ao chegarem ao corredor, Peggy pôde ver Pierre correndo para alcançá-la. Sua imagem desesperada foi a última coisa que Peggy conseguiu visualizar antes que as portas se fechassem novamente.

***

Duas horas depois, o médico saiu da sala. Sete rostos ansiosos e preocupados o esperavam.

–E então, doutor?

Ninguém ousou respirar no segundo seguinte.

–Podem entrar, mãe e filho estão bem.

Um suspiro de alívio.

–Graças a Deus! - exclamou Margareth, agradecendo ao médico.

–Mas tomem cuidado. Foi um parto muito complicado e a mãe ainda está muito fraca. Precisa de repouso absoluto. - recomendou ele.

Antes que pudessem chegar até a porta, um choro abafado de bebê se fez ouvir, dissipando por completo a nuvem de medo e insegurança.

Peggy estava deitada meio de lado, acariciando com a ponta dos dedos o bebê, uma pequena bolinha envolta a um lençol branco que se remexia, inquieto, ansioso para descobrir o mundo a sua volta.

–Meu filho… - disse Peggy em um fio de voz. - Vai se chamar Julian…

Lágrimas desceram pelos rostos de seus pais, emocionados pelo fato do neto ter o mesmo nome do filho que haviam perdido para o câncer.

–Julian será um bebê muito abençoado! - exclamou Margareth.

Pierre os olhava sorrindo, fascinado com o fato de que agora era pai. Sua vontade era de pegar o filho no colo e embalá-lo em seus braços. Seu pequeno milagre de vida. Mas Peggy precisava descansar, e o bebê também, por isso os enfermeiros recomendaram que saíssem, levando Julian para o berçário junto com os outros bebês. Pierre teria a vida toda para ficar com filho depois…

***

Usava óculos e tinha uma barba rala por fazer. Ninguém nunca o tinha visto por ali, mas como usava jaleco e tinha crachá, todos sabiam que se tratava do novo médico. Andou despreocupadamente pelos corredores em direção à ala da maternidade, por vezes lançando um aceno cordial para os enfermeiros que cruzavam seu caminho. Parou na parede de vidro que separava os recém-nascidos dos visitantes do hospital. Como já era tarde da noite, não tinha ninguém à vista. Adentrou a sala, examinando os bebês com cuidado. Quando achou o que procurava, sorriu de canto.

–Agora você e eu vamos dar uma voltinha… - disse, sem pressa.

Com cuidado, pegou o bebê no colo, passando-o para uma pequena maca de rodinhas. O bebê não chorou. Calmamente, ele foi arrastando a maca para fora da maternidade, enquanto assobiava uma velha cantiga de ninar. Apenas um médico levando o recém-nascido que fizera o parto para fazer alguns exames. Totalmente fora de qualquer suspeita…


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