Hart Milo escrita por John Stanos


Capítulo 2
The Rain


Notas iniciais do capítulo

Pra quem tava esperando, aqui ta o segundo capitulo fresquinho. Aproveitem.



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Após uma semana longa e cansativa semana eu finalmente chegava ao ultimo dia de aula antes das férias de verão e a minha única obrigação agora seria aproveitar as ultimas férias escolares da minha vida. No ano seguinte eu seria um formando e quando ele chegasse ao fim eu nunca mais teria que frequentar o ensino médio. Não posso dizer que isso não me assusta, mas eu já estou me preparando para isso. Até hoje eu sempre soube o que tinha que fazer e como eu tinha que lidar com cada situação, mas quando o ensino médio acabasse tudo iria mudar e mesmo tentando não pensar nisso eu me pegava eventualmente fazendo-o, era inevitável.

Uma semana já tinha se passado desde que fomos à casa do amigo de Archie, mas as coisas não mudaram muito entre nos dois. A gente ainda se evitava na maior parte do tempo nos corredores da escola, no vestiário, no horário da entrada e só ficávamos juntos no almoço por causa de Charlotte, ou nas aulas de educação física. Esses eram os únicos momentos em que conversávamos. No entanto, ele parecia mais aberto a dialogo e menos chateado com tudo o que aconteceu.

No sábado como já era de se esperar tive de ouvir um sermão de meia hora da minha mãe durante o café da manhã sobre o quão irresponsável eu fui a mentir para ela e no quanto isso seria ruim para mim. O mesmo de sempre, nos últimos meses ela vinha me tratando assim como se eu fosse uma criança de doze anos. Não entendo bem essa paranoia da minha mãe.

Já na segunda de manhã, levei os trabalhos finais para a senhora Ashcroft assim como havíamos combinado e ela pareceu bastante satisfeita com o que viu, disse que aquilo era o necessário para fechar minhas notas e ainda me cobrou por não ter me empenhado assim antes da situação chegar a esse ponto. Não discordei dela, pois tinha toda a razão e me desculpei com ela pela minha falta de empenho nos últimos meses. Quando ela disse que eu estava livre das aulas de verão eu a abracei e me despedi, tão feliz como se tivesse ganhado na loteria.

E então já era sexta outra vez.

Nosso professor de álgebra teve que se ausentar das ultimas aulas por algum problema pessoal e algumas turmas foram liberadas mais cedo. Charlotte e eu saímos juntos do edifício escolar e fomos direto para uma parte afastada do gramado onde havia algumas pessoas espalhadas pela extensão da área verde. Alguns esperavam por algum responsável que viria busca-los e outros, como nos, só estavam ali aproveitando o ultimo dia do ano letivo com os amigos.

Eu e Charlotte esperávamos Archie sair da aula de historia porque eles dois iriam ate o cinema comprar as entradas para um filme que iria estrear no domingo e depois iriam almoçar juntos, mas eu teria que ir para casa e ajudar minha mãe a reorganizar seu escritório como punição por eu ter mentido sobre ir à casa de Charlotte. Esse é o preço que se paga por um pouco de diversão quando se tem dezessete anos.

O sol que brilhou durante o amanhecer do dia já não tinha o mesmo brilho devido ao surgimento de nuvens densas de chuva durante o passar da manhã e ficar ali a céu aberto era arriscar tomar um banho a qualquer momento, mas ninguém parecia se importar muito com isso. Era o ultimo dia de aula, nada mais importava a partir de agora.

Ainda não acredito que ficou a semana de castigo por isso, Hart. –ela riu baixo, zombando.

Isso é culpa sua, sabia? ­—joguei uma pedrinha nela- Se não tivesse dito nada a sua mãe, a minha não saberia de nada.

Ela me lançou um olhar de pena e voltou a rir de mim, batendo seu ombro no meu.

Sabe que não fiz de proposito, não é?

Você nunca faz. Esse é o seu problema. –sorri e ela piscou para mim.

Charlotte não fazia as coisas por mal, ela só era esquecida às vezes.

Um estalo sonoro rompeu o ar anunciando o fim das aulas e uma histeria coletiva tomou conta da escola. Cadernos e folhas voavam para todos os lados no ar e atrás da multidão de alunos em comemoração era possível ver o rosto de vários professores sorrindo aliviados pela conclusão de mais um ano letivo. Os terceiranistas sorriam, choravam e gritavam de felicidade, celebrando o ultimo dia de aula de suas vidas. Era algo que contagiava a todos.

Muitos davam fim ao ciclo escolar naquele momento, outros se despediam de amigos de anos inferiores porque teriam de se mudar para outra escola, e a nossa turma comemorava porque no ano seguinte nós estaríamos no lugar deles, nos despedindo do colegial e caminhando rumo a maçante vida adulta. Abraçamos alguns amigos mais distantes e cumprimentamos conhecidos, só por costume.

Charlotte passou o braço sobre o meu ombro e sorriu.

Vou sentir falta disso quando acabar.

—Falta de que? –Archie surgiu atrás de nos.

Disso, -olhou ao redor- desse calor, das brincadeiras, das nossas encrencas. Crescer é tão chato.

Quem é você e o que fez com a minha amiga? –zombei dela.

Gargalhamos os três juntos enquanto caminhávamos em direção à calçada para fora dos domínios da escola. No fundo ela tinha razão, e nos sabíamos disso. Nós crescemos vendo nossos pais atarefados e quase sem tempo para a gente enquanto lutavam pelo pão de cada dia desde que éramos apenas crianças e sabíamos que em alguns anos seriamos copias deles, tão afundados em nossos empregos a procura de dinheiro para pagar as contas que chegava a soar miserável de se ouvir falar.

Você não vem mesmo? –Archie insistiu.

Fiz uma expressão chateada e afirmei com a cabeça.

Então nos vemos mais tarde?

Charlotte beliscou minha bochecha direita e concordei com ela. Os dois combinaram de ir ate a minha casa já que eu não podia sair ate domingo por causa do castigo que recebi aos dezessete anos. Também porque desde os acontecimentos recentes nos estávamos um tanto afastados uns dos outros e era sempre eu a ir a casa deles por ficar muito sozinho enquanto minha mãe estava no trabalho. Charlotte bagunçou meus cabelos.

Não esqueçam o meu ingresso. –ameacei os dois de brincadeira com o dedo indicador.

Eles se despediram com uma piscada e seguiram na direção oposta a minha, rumo ao centro, enquanto eu tive que correr para não me molhar muito por causa do chuvisco que caía incessante. Quando adentrei a estação do metrô meus cabelos gotejavam agua, tão bagunçados quanto um ninho de pássaros. Só então me lembrei de que não tinha vestido o capuz da blusa antes de começar a correr.

A estação estava mais cheia de que os outros dias da semana e tudo o que se ouvia era sobre a chuva. Durante toda a semana minha mãe tinha ido me levar e buscar na escola, mas as sextas ela almoçava mais tarde e eu era obrigado a usar o metrô.

Passei a mão pelos cabelos para tirar o máximo de agua possível e então caminhei ate o banco em que eu sempre me sentava, avistando a figura de terno da semana passada sentado ali, mas hoje ele estava vestido de uma forma bem mais casual, sem o terno tão sério.

Não sei explicar o que aconteceu, mas algo dentro de mim pareceu se animar em ver que ele estava ali. Assim como na semana anterior ele me cumprimentou sutilmente com um olhar, arqueando as sobrancelhas escuras. Sentei mais próximo a ele que na semana anterior e encostei-me a parede, preguiçosamente.

Ele vestia uma calça caqui marrom e um suéter preto sobre o que deveria ser uma camisa jeans, de forma harmoniosa. Nossos celulares tocaram quase que no mesmo momento. Meu aplicativo de clima avisava que uma tempestade estava passando pela região, para que evitasse sair ate às seis da tarde, e para o meu azar eu chegaria ensopado em casa.

Chuva de merda. –resmunguei.

Minhas roupas já estavam úmidas e minha mãe iria reclamar disso mesmo sabendo que seria eu a ter que lava-las. Ela iria dizer que eu deveria ter pedido um taxi ou esperado o mau tempo passar, mas de um jeito ou de outro ela iria reclamar de alguma coisa. Entendo que ela só esta sendo uma mãe protetora, mas isso é um saco.

Disse alguma coisa? –sua voz me despertou do meu devaneio.

Estava pensando alto.

—Oh sim. –ele me olho rapidamente- Você esta com frio?

Mesmo arrepiado neguei com a cabeça.

Já me acostumei ao clima.

­O homem sorriu e concordou, meio sem jeito.

­-Mora aqui há muito tempo? —indagou.

—Desde sempre, e você?

Ele franziu o cenho como se estivesse pensando em algo, mas voltou à conversa.

Eu também, mas mudei para esse lado da cidade na semana passada.

Minha resposta automática aquilo será um “quem se importa?”, porem eu não queria agir como um completo imbecil com um cara que estava sendo legal comigo.

—Notei isso. Quero dizer, nunca tinha visto você por essas bandas.

Ele sorriu de canto e descruzou os braços, se virando para mim. Seus olhos pareciam gelados de tão azuis, era incrível como eles ficavam ainda mais bonitos quando se olhava de perto. Com certeza aqueles eram os olhos mais bonitos que já vi na vida, ainda mais bonitos que os da Charlotte.

É verdade. Tive que me mudar da casa dos meus pais agora que o escritório mudou para aqui perto.

Seu tom de voz era forte, suave e cadenciado. Ele não parecia ter mais que vinte e sete ou vinte e oito anos, apesar de sua face madura, ele ainda tinha olhos jovens e brilhantes.

No Chateau? –deduzi.

Não, fica no prédio ao lado, no escritório de uma editora.

—Parece legal. Você é escritor?

O homem negou com a cabeça, sorrindo, e olhou para seu relógio de pulso.

Não. Sou apenas secretario da dona.

Ele se pôs de pé e olhou em direção a entrada da estação de onde vinham os trens e só então percebi que tinha esquecido completamente do horário. Para a minha sorte ele ainda não tinha passado, porem já deveria estar próximo.

Eu sou Shane. Shane Isaac. –me estendeu a mão.

—Hart... Milo. –falei devagar, receoso a sua reação.

Muitas pessoas reconheciam o meu sobrenome graças a minha mãe, porque ela era escritora de um dos principais jornais da cidade e tinha bastante influencia com o publico. Uma emissora de TV estava tentando leva-la para o ramo televisivo como jornalista de bancada, mas ela ainda relutava sobre a ideia por causa da exposição. Margot ainda é da turma de pessoas que prefere acordar de manhã e ler as noticias em silencio, tomando seu café e comendo pão integral com queijo desidratado ao invés de ficar ouvindo aquela poluição sonora e visual dos telejornais.

Para a minha sorte Shane não fez aquela cara de “eu adoro a sua mãe, ela é uma pessoa maravilhosa”. Ele simplesmente apertou a minha mão e sorriu, como se nem mesmo tivesse atentado aquele pequeno detalhe, ou estivesse fingindo muito bem.

Acho que a nossa carona chegou. —ele indicou com o queixo para o trem que parava logo atrás de mim.

A multidão de pessoas saiu depressa do vagão e então adentramos o espaço recém-esvaziado. Havia um assento livre no fundo do vagão e me dirigi ate ele agradecendo aos céus e indo me acomodar confortavelmente. Olhei ao redor e não avistei mais Shane, que deveria ter ido para o outro lado. Ele era um cara legal, não do tipo que fica falando um monte de merda aleatória só para puxar assunto e encher o saco.

Os minutos pareceram levar horas para passar e depois de algum tempo finalmente chegou à estação que ficava perto do Chateau. Como era de costume, esperei o fluxo de pessoas diminuírem para poder sair e fui logo atrás antes de ser espremido pelo aglomerado de gente que entrava apressada. Subi a escadaria da estação em direção a rua já notando que a tempestade tinha cessado um pouco e talvez eu tivesse tempo para chegar a minha casa antes de me molhar outra vez.

Enquanto esperava os carros passarem para poder atravessar a rua eu avistei Shane parado tentando abrir seu guarda-chuva a alguns metros dali. Ele me viu e acenou com a mão desocupada todo desajeitado enquanto falava ao celular preso entre o rosto e o ombro. Fiz um gesto de continência zombeteiro e em seguida atravessei a rua depressa, rezando para que não começasse a chover antes de eu chegar a casa.

Uma parte de minha estava explodindo de felicidade em saber que eu tinha concluído o ano letivo e não teria de frequentar as aulas de verão, e minha mãe ficaria feliz em saber que eu não reprovei de ano outra vez. No ano do divorcio dos meus pais eu acabei reprovando por rendimento insuficiente graças ao ambiente caótico que estava a minha casa que acabou por influenciar na minha saúde me deixando com anemia e duas pequenas feridas no estomago causadas pela insônia e má alimentação.

A outra parte de mim só pedia para que eu parasse de pensar em tudo e corresse para o mais longe possível da minha casa para fugir do castigo que seria ajudar minha mãe a organizar dezenas de papeis e limpar a bagunça que estava aquele escritório.

Apesar de querer muito fazer isso, não havia lugar no mundo seguro o suficiente para me proteger da minha mãe caso eu fugisse das minhas obrigações. Pior do que ficar de castigo, era o que ela poderia fazer caso eu fugisse dele.

E eu não estava nem um pouco interessado em descobrir o ela faria.


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Notas finais do capítulo

Hart... Shane... Ah esses dois! No próximo capitulo tem surpresa, tem revelação da treta entre Hart e o Archie... To ansioso demais! Comentem ai pessoal, beijos do tio John.



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