Dizer que estava traumatizado era pouco, mas Sasuke tentava manter as aparências do modo que podia. Tanto que um dia depois do assalto ele levantou, decidido a ir para a escola, querendo cumprir sua rotina. É claro que ela foi um pouco modificada, afinal, seus pais não queriam que andasse por aí na rua depois do acontecido – não tão cedo, pelo menos –, então foi levado de carro por seu irmão, Itachi. Nem quis reclamar sobre isso, sentia um pequeno pavor só de imaginar ser abordado de novo por aquele cara ou qualquer outro.

— Chegamos — ditou seu irmão, parando o veículo perto da entrada da escola. — Tudo bem, Sasuke? — perguntou, uma fina preocupação soando em sua voz enquanto o observava tirar o cinto de segurança.

As vezes Sasuke achava que Itachi por si só já servia de mãe e pai.

— Estou bem — suspirou, sentindo-se cansado por repetir aquela frase tantas vezes. — Obrigado por ter comprado meus materiais — agradeceu, pegando sua nova mochila no banco de trás, de cor azul marinho.

Itachi reprimiu os lábios, sentindo-se nervoso por deixar seu irmão mais novo. Era extremamente protetor e sabia disso, mas o que fazer quando seu irmão era tão ingênuo e indefeso daquele modo? As vezes tinha até que se controlar para não pegar o Uchiha no colo e niná-lo como quando fazia na época em que este era bebê.

— Sasuke — chamou quando o jovem estava prestes a abrir a porta do carro.

— Sim? — Sasuke virou o rosto para ele, os olhos negros tão parecidos com os de sua mãe levemente curiosos e indagadores.

Itachi apenas levantou os dedos em direção à sua cabeça, dando um poke em sua testa, exibindo um sorriso contido e caloroso, as pálpebras se mantendo fechados no ato. Sasuke abriu levemente a boca, numa exclamação muda de surpresa; fazia tanto tempo que não recebia aquele gesto.

— Tenha um bom dia, Sasuke — sussurrou carinhosamente.

O mais novo fechou os lábios, admirado demais para falar alguma coisa. Devolveu um simples “Você também” e saiu do carro, sorrindo bobamente enquanto adentrava pelo portão da escola, causando estranhamento no guardinha Guy, que raramente via uma dessas coisas acontecerem, se não nunca.

— Eu estou enlouquecendo, só pode — resmungou o homem em algum momento.

…

Um aluno novo tinha chegado no dia anterior, portanto Sasuke não sabia da existência do garoto até então, porque que havia faltado. Nem preciso citar que o Uchiha já guardava uma péssima impressão do outro; falava alto demais, citava a palavra “dattebayo” – coisa que não o incomodaria se ele não falasse essa palavra em todo final de frase –, sorria facilmente e ria de qualquer idiotice, sem tirar o quanto era escandaloso. E olha que ele reparou nisso tudo em menos de três horas de aula.

Mas Sasuke já havia decidido o que iria fazer a respeito disso: manter-se o mais longe possível, contato só se fosse realmente necessário. Naruto era o tipo de pessoa que o adolescente adora evitar justamente por contradizer tudo o que ele é: calado, quieto, sorrisos só se forem necessários, nada espontâneo.

E agora, apesar de tentar se concentrar na aula, fazendo anotações eficientemente enquanto ouvia a explicação do professor – ao mesmo tempo em que copiava –, a conversa ali atrás não cessava, deixando-o com uma irritação que crescia gradativamente.

Sua sobrancelha estava começando a tremer ao ouvir mais uma vez a voz de Naruto, que comentava alguma idiotice bem atrás de si.

Fechou os olhos, achando que iria explodir. Por que eles tinham que ter tantas aulas juntas? Choramingou mentalmente. E melhor, por que sua rotina simplesmente não voltava ao normal?

Sasuke quase sentiu um suor de alívio escorrer por seu rosto quando o intervalo chegou. Caminhou calmamente até um lugar que poucas pessoas iam, na verdade, o lugar do excluídos. Ele não reclamava, achava ótimo porque todos, geralmente, ficavam em silêncio ou falavam baixo. Trazia um livro consigo, não muito grosso.

Sentou-se num banco que ficava perto da parede, encostando suas costas ali, esticando os pés no restante do banco. Começou a ler o livro, segurando o objeto frente ao rosto, impedindo-o de ver ou perceber algo ao redor, o que também era um sinal claro de que não queria contato com ninguém no momento.

Mas Naruto não conhecia essa regrinha dele.

— Yo! — O Uchiha quase gemeu de descontentamento ao ouvir aquela voz. — O que você ‘tá lendo aí? — sentiu seus pés serem erguidos, fazendo-o arregalar os olhos por meio segundo, até que sentiu a presença do outro sentado ao seu lado, que apoiou suas pernas no próprio colo.

Fechou o livro com quase brutalidade, retirando suas pernas das do Uzumaki, endireitando a postura.

— O que você quer? — indagou direto, encarando Naruto com os olhos ferozes.

— Calma, parceiro — Naruto balançou as mãos. — Só vim conversar com você…, mas se não quiser tudo bem… — abaixou a cabeça.

Sasuke franziu o cenho, por que diabos aquela criatura denominada Naruto parecia triste?

— Por que quis conversar comigo? — era possível ver desconfiança em sua voz.

Naruto levantou a cabeça, os olhos azuis brilhando expressivos.

— ‘Tá de brincadeira, né? Cara, eu te achei o máximo! Você é tão caladão, dá vontade de puxar conversa. Responde toda vez que os professores fazem uma pergunta… — continuou a listar, mas Sasuke, enquanto ouvia, só conseguia olhar para ele com uma expressão bem “quê”.

Ele, ele, o máximo? Porra, todo mundo o tachava de O Chatão Uchiha.

Respirou fundo, cortando o discurso de Naruto.

— ‘Tá bom, Naruto — disse, fazendo o Uzumaki deixar a frase que ia falar morrer, sua boca aberta.

Ambos ficaram calados uns segundos. Naruto queria puxar assunto, não era do tipo silencioso.

— Mas então, o que você estava lendo? — perguntou.

— Não te interessa — retrucou.

— Ah, vai, Sasuke, não custa nada falar — Naruto insistiu, fazendo o Uchiha rolar os olhos e suspirar em derrota.

Apenas mostrou a capa do livro pra ele.

— Sério? — o Uzumaki tinha erguido uma sobrancelha.

— Sério. — deu de ombros.

— Você já comeu? — perguntou de repente, o que fez Sasuke franzir o cenho pela segunda vez.

— Não, por quê?

— Caramba, vem, vamos comprar uma coisa na cantina, estou com fome — Naruto nem esperou resposta e já estava o puxando pelos corredores.

Sasuke se sentiu irritado. Largou-se do outro garoto, passando a andar do lado dele, mesmo que sua mente berrasse para ir embora dali. Naruto lhe mostrou um sorriso largo, empurrando seu corpo com o ombro. Retribuiu a ação, batendo seu ombro com força no dele.

Sua rotina havia sido quebrada mais uma vez, mas foi dali que se iniciou a amizade mais verdadeira de sua vida.