Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 3
Capítulo 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/709603/chapter/3

Então foi isso, Tadayoshi pensou enquanto deitava na palha, encarando o teto. Aquela criança perdeu a mãe, mas não se entregou ao desespero ou quer vingança. Apenas uma chama chamada de determinação sobrou. Ele sorriu. Só de ver alguém assim valeu a pena vir pra essa vila.

O espadachim fechou os olhos, mas apesar de seu cansaço, o sono não veio. Não era o baixo choro vindo do quarto do chefe, mas a imagem do olhar do menino em sua mente. Coçando a cabeça, ele procurou dentro de suas roupas um dos poucos pertences que tinha para se distrair.

Tadayoshi possuía cinco coisas no momento. Um era a faca do bandido que tinha pego hoje. Duas ele roubou na última cidade por onde passou quando fugiu após descobrirem sua identidade. E as outras pertenciam a sua antiga vida

As duas uma vez pertenceram ao seu mestre e para Tadayoshi, a espada e o diário de seu mestre eram igualmente importantes.

O pequeno livro era tão velho e gasto e Tadayoshi lera tantas vezes ele temia que as páginas caíssem ou a tinta desbotasse. Mesmo assim, ele sempre lia quando não conseguia dormir, e toda vez conseguia escutar a voz de seu mestre. E por aqueles breves momentos, o espadachim sentia que o velho samurai estava ao seu lado mais uma vez, e que sua morte não era verdade.

Seu mestre era conhecido entre nobres e camponeses, e quase todos o consideravam uma lenda. Os próximos a ele diziam que ele podia ser considerado uma criança crescida. Sempre que Tadayoshi pensava em quão diferente as imagens eram, o espadachim não conseguia deixar de rir.

Para ele, seu mestre era alguém apressado, sempre pronto para uma briga… não, duelos, como ele dizia, e adorava irritar pessoas arrogantes, especialmente nobres que se consideravam importantes demais. No entanto, nas ocasiões mais inesperadas, o samurai era alguém calmo que analisava tudo antes de agir.

Sua letra refletia isso. Onde ele contava sobre suas lutas e aventuras, era quase um garrancho ilegível, como se seu mestre escrevera ainda no calor das batalhas. Mas quando escrevia sobre seus próprios mestres, a família, sobre o futuro ou sobre Tadayoshi, ou como ele gostava de falar, o moleque, a letra era clara, bonita e de algum modo parecia gentil.

Quando as noites eram pacíficas, e Tadayoshi não precisava se preocupar se acordaria com a cabeça ou não, o espadachim chorava enquanto lia.

A razão pela qual Tadayoshi lia e relia o pequeno diário era simples; encontrar quaisquer pistas que pudessem levar até o motivo por trás do último pedido de seu mestre. O velho samurai não escrevera o que aconteceu, nem onde aconteceu. Nada além de informações vagas antes da luta. No entanto Tadayoshi acreditava que tinha deixado passar um detalhe, alguma descrição, qualquer coisa.

Então ele leu e releu mais uma vez, mas sem encontrar nada. Droga, Tadayoshi pensou, guardando o diário enquanto a exaustão voltava. Respirando fundo, ele desistiu e tentou dormir na noite quente de verão.

Sumire-dono acordou cedo para preparar a comida. Apesar de não ser necessário, ela tentou fazer o mínimo de barulho possível para não perturbar o estranho em sua casa. Ou talvez ela não quer falar comigo, Tadayoshi percebeu. Apesar de manter os olhos fechados, ele tinha acordado ao primeiro sinal de movimento na sala.

Ele não tinha certeza quanto tempo passou, mas em algum momento Daisuke-dono também saiu do seu quarto. O espadachim permaneceu como estava enquanto o velho se juntava a sua mulher na cozinha. Pelos sons, eles tiveram sua refeição lá.

Ainda assim Tadayoshi não se mexeu, concentrando em sua audição. Por um momento, tudo que conseguia escutar era eles comendo, e acreditou que a refeição seria silenciosa como na outra noite, mas Sumire-dono interrompeu o silêncio.

— Devemos acordar ele? — ela perguntou, mantendo a voz baixa mesmo em outro aposento.

— Não — o velho respondeu curtamente. — Ele vai embora logo. Deixa ele dormir.

— Não vai mesmo aceitar ajuda dele? — Mesmo através da parede, Tadayoshi sentiu a angústia na voz dela. — Eu sei que ele vai se você falar alguma coisa.

Ele estalou a língua. Eu sou tão fácil de ler? Tadayoshi pensou, respirando fundo para calar a voz dentro de sua cabeça que parecia muito com a do seu mestre. Melhor ir embora assim que puder.

—Não sei nem quem ele é. Pelo que eu sei, ele pode estar com dos bandidos.

—Se acreditasse nisso, ele não estaria aqui. — Sumire-dono ficou em silêncio, deixando suas palavras no ar.

Daisuke-dono suspirou.

— Tem razão. Mesmo assim não vou pedir.

— Porque não? — Sumire-dono elevou a voz. — Com ele aqui, talvez não vamos perder tantos…

Não vamos perder tantos… — O velho deu uma pequena risada com uma voz tão vazia que fez o espadachim virar a cabeça na direção da cozinha. Daisuke-dono ficou em silêncio por um tempo. — Você está certa. Se eu pedir, talvez isso mude nosso destino. Aqueles que querem lutar vão aceitar até mesmo a ajuda de um forasteiro e a gente poderia continuar vivendo aqui como sempre — ele disse, sua voz quase sonhadora agora. — Mas eu sou um covarde. Eu prefiro entregar essa casa, essa vila e qualquer outra coisa se for para não perder mais ninguém.

Sumire-dono não disse mais nada, mas Tadayoshi escutou um choro baixo. Ela sabe que o chefe está certo. Mesmo se ganharem, ainda vão perder muito, o espadachim também sabia. O velho escolheu viver e é por isso que não vai pedir minha ajuda. Tadayoshi não conseguiu deixar de admirar. Daisuke-dono lembrava seu mestre demais.

Tadayoshi escutou a porta da cozinha abrindo, passos e então a porta principal abrindo e fechando. A única coisa que quebrava o silêncio era o baixo choro ainda vindo da cozinha. Depois de um momento, o som parou e o espadachim sentiu Sumire-dono se aproximando dele.

Será que ela descobriu que eu escutei? Tadayoshi continuou parado, esperando. Ele não acreditava que a mulher tinha descoberto, mas, apesar dele ir embora logo, ele não queria que o velho soubesse que estava bisbilhotando a conversa. Tadayoshi respirou lentamente para manter o movimento de alguém dormindo.

A mulher nunca disse nada. Ao invés disso, o espadachim escutou o leve som de madeira contra madeira e então ela também deixou a casa. Apenas quando estava só ele parou de fingir e virou. O que ele escutou foi Sumire-dono colocando hashi e uma tigela de milheiro com um ovo no topo no chão.

O sol brilhava tão forte quando ontem e parecia difícil que algo terrível pudesse acontecer nesta vila hoje. Mas o semblante dos moradores dizia o oposto. Mulheres e crianças trabalhavam nos campos plantando as mudas de arroz, mas de tempo em tempo, a maioria parava o que faziam e levantavam a cabeça, olhando ao redor. Só depois de confirmarem que não tinha nada errado, elas voltavam ao trabalho.

Meninos e homens estavam envolta do campo de novo armados com machados de madeira, picaretas, pás, pequenas foices, nata e qualquer outra ferramenta que podiam usar como arma. No centro do campo, como se liderasse os moradores, estava Ataduras com mais dois segurando as espadas. Enquanto os dois pareciam estátuas exceto por virarem a cabeça como se esperasse os bandidos saíssem que qualquer canto, Ataduras balançava a katana com movimentos exagerados.

Ele está treinando…? O espadachim continuou assistindo, mas depois de poucos instantes, ele suspirou. Pelos movimentos de Atadura, e pelo jeito que segurava a espada, Tadayoshi conseguia que o camponês nunca tinha segurado uma espada antes, muito menos usado uma para matar alguém.

Eu sei o que está sentindo. Eu sei o quão terrível é perder tudo que conhece num piscar de olhos, Tadayoshi pensou, apertando sua espada com força. E eu sei o frustrante é se sentir inútil e não conseguir fazer absolutamente nada. Mas um treino de última hora não o fará de você um guerreiro, mesmo que sua vida e a vida daqueles que ama estejam na linha. Não consegue entender o que Daisuke-dono quer? Ele quer que vocês vivam! Tadayoshi queria dizer, queria gritar. Mas ele não fez. As palavras de um forasteiro não mudariam nada, nem tinham um lugar lá.

Tadayoshi fechou os olhos e desacelerou sua respiração. Ele tentou pensar em alguma coisa que talvez pudesse persuadir os camponeses a escutar o velho. Mas uma risada frustrada escapou de seus lábios quase em seguida. Se o líder deles não consegue, o que eu poderia fazer? O rosto de Daisuke-dono apareceu na mente do espadachim junto com suas palavras nesta manhã. Tadayoshi apertou os lábios, ignorando a vontade crescente de ajudar a vila. Então a imagem mudou para o menino encarando o espadachim com aqueles olhos cheios de determinação.

Preciso ir embora agora, Tadayoshi disse para si, balançando a cabeça.

Que nem ontem, ele pensou enquanto se dirigia à saída da vila. Os moradores que não trabalhavam ou protegiam o campo viravam a cabeça quando o espadachim estava à vista. Não… não é exatamente como ontem. Os camponeses não paravam suas tarefas para encará-lo, apesar de ainda observaram todos os seus movimentos, alguns o olhando descaradamente e outros o espiando quando achavam que ele não estava prestando atenção.

Daisuke-dono estava falando com uma senhora, mas quando Tadayoshi estava na sua vista, ela parou e o encarou, seus olhos lacrimejando. Ah, então é isso… o espadachim percebeu. Os camponeses estavam mesmo o encarando, mas mais do que ele, era a sua espada.

O chefe olhou o espadachim nos olhos e então voltou-se para a mulher, dizendo algo que Tadayoshi não conseguia escutar. Por causa daquele olhar, ele finalmente entendeu. Aqueles que não querem lutar contra os bandidos provavelmente estão me culpando por aquilo, ele pensou, virando-se para o campo. Daqui ele ainda conseguia ver Ataduras treinando.

Cansados das encaradas, Tadayoshi andou o mais rápido que podia sem correr na direção da floresta. O caminho mais rápido para uma das saídas o levou até atrás de uma casa perto nos limites da vila. Com a sombra criada pela casa, o espaço vazio até as primeiras árvores era agradável. Tadayoshi descansou as costas na parede e apreciou a brisa… até as imagens de casas queimando invadirem sua mente.

Nem parece que algo ruim aconteceu aqui, ele pensou, olhando ao redor. Mas a imagem ficou em sua mente. Então mudou para o chefe segurando sua barriga, sangue saindo do ferimento, mas seu rosto nunca mostrou qualquer medo. Me desculpe velho, mas se esse é seu destino, eu não posso mudar, Tadayoshi disse para si de novo e de novo, até a imagem sumir. Mas ela nunca desapareceu. Ao invés disso, mudou para o menino, Ei, encarando uma sombra sem rosto rindo, seus olhos brilhando com a mesma intensidade ele demostrara para o espadachim.

Se forçando se mexer, Tadayoshi andou até as primeiras árvores, deixando a vila para trás. Com cada passo que dava, ele virara a cabeça e apertava os lábios, mas ainda assim continuava. Merda! Ele gritou em sua mente.

Tadayoshi olhou para sua katana, para a antiga espada de seu mestre, o rosto do samurai preenchendo a cabeça do espadachim. Merda! Ele sacudiu a cabeça e então olhou ao redor. Ele estava num tipo de clareira e então riu. Não acredito que estou pensando em treinar agora.

Treinar, algo que ele negligenciou nos últimos tempos. Como eu podia treinar com pessoas atrás de meu pescoço? Apesar de ser verdade, o próprio Tadayoshi sabia que era uma desculpa. Seu mestre era diligente e treinava quase todos os dias. ‘Não deixe sua mente perder o fio e sua espada enferrujar’, ele gostava de dizer, principalmente para seu filho mais novo e para Tadayoshi. Lembrar deles fez o espadachim rir por um instante.

É mesmo. Você realmente era esse tipo de pessoa, mestre. Mesmo sem precisar de mais treino, Tadayoshi pensou. Eu devia ter escutado mais as suas palavras, mestre. Eu queria mesmo ser mais como você. Acho que nunca serei. Enquanto arrependimento o preenchia, ele percebeu uma coisa. Será que é por isso que odeio quando me chamam de samurai? Ele se perguntou. Nunca tinha pensado muito além do desgosto. Queria mesmo que estivesse aqui, mestre…

Limpando as lágrimas, ele encostou sua katana contra uma árvore. Minha espada está muito bem, obrigado, ele pensou, lembrando das palavras de seu mestre de novo. Apesar de não saca-la por dias—algo que ele estava agradecido—não tinha razão para treinar suas técnicas hoje. Obrigado por isso, mestre. Por alguma razão, velhas memórias pularam na mente do espadachim, e seu corpo tremeu.

O que ele precisava era treinar seu corpo. Acho que só correr e fugir não são o suficiente. Então ele começou um dos poucos treinos sem espada que seu mestre o ensinara que ele podia lembrar no momento.

Apesar das árvores bloquearem quase tudo, Tadayoshi conseguia ver um pouco do sol bem acima dele quando parou. Já é tão tarde, ele pensou, sentando no chão e encostando as costas numa árvore. Apesar de planejar só limpar a cabeça, ele acabou treinando mais do que pretendia. Que desperdício de energia. Ele descansou a cabeça na árvore também, fechando os olhos e respirando lentamente.

Tadayoshi virou na direção da vila. Daqui, ele ainda conseguia ver uma casa. Me desculpe, Daisuke-dono. Seu destino pertence a vocês. Espero que consiga fazer os outros verem seu lado.

— Pode sair agora — ele disse, abrindo os olhos. No momento em que falou, um galho tremeu e então Ei saiu de seu esconderijo. Desta vez o espadachim não sorriu. Tadayoshi apenas observou o menino encarando-o com os mesmos olhos inabaláveis de suas imagens. — Não vou pedir desculpas por não ajudar sua vila.

O rosto de Ei nunca mudou, mantendo a mesma expressão enquanto ele caminhava para o espadachim. O menino mostrou a palma quando estava perto o suficiente.

Tadayoshi encarou os pêssegos, mas sua mão não se mexeu. Ele está tentando me convencer? O espadachim encarou o menino nos olhos e entendeu de imediato. Ele já sabe que não irei ajudar, Tadayoshi pensou, aceitando as frutas e dando uma mordida no maior deles. O que ele quer é respostas.

— O que é preciso para ser forte? — a criança perguntou. Apesar de sua voz baixa, ela nunca falhou, e seus olhos brilharam um pouco mais fortes.

A vontade de rir durou apenas um instante, morrendo dentro dele tão rápido que não teve chances de escapar de seus lábios. Tadayoshi tinha perguntado a mesma coisa ao seu mestre quando era mais novo. Ele também lembrava que o samurai rebateu a pergunta, e a resposta de Tadayoshi deixou o velho rindo.

Mas não tinha nada de engraçado nessa pergunta hoje. Porque não importava quanta determinação ele tinha, Ei era apenas uma criança procurando algo para se agarrar. O espadachim sabia que sua resposta poderia influenciar a vida do garoto. Isto é, se ele sobreviver. Tadayoshi sabia muito bem disso, então ele fechou os olhos e pensou.

Depois de um longo tempo, ele os abriu. No final, ele precisava ser honesto. A pergunta tinha tantas respostas quanto pessoas nesse mundo. E cada um deve chegar na sua própria resposta, não é, mestre?

— O que significa ser forte? — Tadayoshi decidiu imitar seu mestre, apesar de isso irrita-lo. Colocando seus sentimentos de lado, ele encarou a criança, observando sua reação. A pergunta era mais complexa do que aparentava. Era um teste, um que o deixou irritado quando criança. A resposta revela quem a pessoa é, o espadachim escutou a voz de seu mestre sussurrando em sua mente.

— Forte é ser capaz de fazer alguma coisa quando tem algo errado! — Ei respondeu, sua voz elevando pela primeira vez. — Ser forte não chorar porque não consegue fazer nada e ver sua mãe morrer! — Apesar da voz firme, Tadayoshi percebeu os seus olhos tremendo e as lágrimas formando.

Tadayoshi suspirou. Por quanto tempo ele pensou nisso?

— Então não sou forte — o espadachim disse. — Acho que ninguém no mundo é por sua definição. — Não era o que Ei esperava, sua boca aberta e olhos arregalados revelavam isso. Tadayoshi respirou fundo e olhou para o céu. — Meu mestre morreu na minha frente e não pude fazer nada além de chorar. — Ele não tinha percebido seu punho tremendo, fechado com tanta força ao redor da espada que os nós estavam brancos.

Ei não tinha reação para as palavras de Tadayoshi. Apesar de sua expressão estar de volta a fachada sem emoção, seus olhos o traíram; o menino estava prestes a quebrar.

Acho que fui honesto demais… Tadayoshi olhou entre sua espada e Ei.

— Talvez eu não possa fazer você mais forte, mas posso tentar — ele disse, levantando a katana e oferecendo o cabo para o menino.

Ei arregalou os olhos. Por um momento, tudo estava quieto na clareira. Tadayoshi quase podia ouvir o coração do menino batendo mais forte enquanto suor descia pelo seu rosto. Ele estendeu os braços lentamente, como se pesassem mais do que deviam. Sua mão estava quase ao redor do cabo…

— Quem não quer morrer, saia! — um grito ecoou da vila.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Samurai NOT" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.