Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 17
Capítulo 17




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A garota não sabia onde estava, não sabia o que fazer, não sabia o que sentir.

O mundo estava vazio; não tinha som, cheiro, calor, nada… tinha perdido tudo.

Tinha apenas uma escuridão abraçando a garota.

Tinha apenas um frio vazio a preenchendo.

Mesmo assim, ela sabia uma coisa; não podia soltar aquela espada, não importava o que acontecesse. Ela manteve os olhos fechados, seus dedos apertando o cabo ainda mais apesar de não ter mais forças.

O que… aconteceu…?

Tudo que a garota lembrava era o samurai correndo na direção dela. Ele parara ao pé da árvore e olhou para cima, procurando por algo. Por mim, ela pensou na hora. Não… eu sou ninguém… ele quer a espada…

Ela sacou a arma e segurou com as duas mãos. Mas ela tremia tanto que o metal chocalhando entregou sua posição.

O samurai olhou na direção do som e seus olhos encontraram.

A garota perdeu o controle da respiração. Com a cabeça vazia, antes que percebesse, ela gritou e pulou.

Então… eu…

Ela encarou nos olhos dele enquanto a lâmina perfurou a mão e o rosto dele.

Ela observou enquanto a luz se apagava de seus olhos e a alma do homem deixou esse mundo…

Eu matei ele…

Eu matei alguém…

— Ei…

De algum lugar longe, uma voz chamava seu nome. Era menos que um sussurro, tão baixo que a garota não sabia se era real ou apenas sua imaginação. Sem perceber, ela colocou mais força em seus dedos, tanto que doía. Mas ela não largou a espada.

Algo tocou a mão dela. Era tão leve que parecia ar quente envolvia seus dedos frios.

— Ei… Ei…

A voz a chamou seu nome de novo, mais forte dessa vez. Ainda era um sussurro para os ouvidos dela, mas ela escutara; não era sua imaginação.

O ar envolta das mãos delas ficou mais quente e pesado. Quando o calor percorreu através de seus dedos, afastando a dormência e o frio, ela os sentiu formigar. Pouco a pouco, os sentidos voltaram. Das mãos para o resto da garota. Mas com isso, veio o tremor. E ela não conseguiu parar.

O mundo ainda estava vazio e silencioso, mas no meio da escuridão a envolvendo, um som baixo alcançou a garota. Ela não sabia donde vinha, mas isso não importava. Para a garota, esse som era prova que o mundo ainda estava vivo, que ela ainda estava viva.

Ela focou em sua respiração. Com cada respirada, seu corpo despertava da dormência. Seus dedos começaram a latejar. Quando a dor se tornou insuportável, ela abriu os olhos.

Tinha apenas sangue diante dela. Sua respiração ficou rápida e superficial. Ela tentou recuperar o controle de si do jeito que alguém, alguém importante, a tinha a ensinado.

Demorou um tempo, mas ela percebeu que aquele sangue não era dela. Os dedos tingidos de vermelho não pertenciam a ela.

— Ei… Eiko… EIKO!

Alguém gritava ao lado dela. Alguém gritava o nome dela, por ela.

A garota reconhecia aquela voz. Era familiar e reconfortante para ela. Ela encarou a mão vermelha de novo. Lentamente, seus olhos percorreram o braço e ela viu a quem pertencia. Ela reconhecia aquele rosto, aqueles olhos. Eles pertenciam a ele, a pessoa importante para ela. Tadayoshi. Seu mestre.

A escuridão em volta dela ganhou vida de novo. Ela quase perdeu a consciência quando o mundo sobrecarregou seus sentidos. O som do rio inundou seus ouvidos, o cheiro de terra molhada penetrou suas narinas. O gosto de sangue encheu sua boca. O vento frio a fez tremer.

Ela virou para seu mestre, procurando um lugar seguro, alguma tranquilidade. Apesar do medo naqueles olhos, apesar de não ter seu sorriso de sempre, aquele rosto era reconfortante para a garota.

Ei acordou de seu estupor com um choro. Ela não tentou parar o choro e deixou tudo sair, sua voz ecoando através da planície e do rio.

No momento em que ela soltou a espada, a cor retornou aos seus dedos. Com sua mão ainda dormente, ela envolveu os braços ao redor de Tadayoshi e enterrou o rosto na barriga dele.

Tadayoshi a abraçou de volta e ela chorou ainda mais alto, sua voz abafada em seu mestre.

Ei não tinha ideia de quanto tempo passara, mas ela não se importava. Tudo que queria era ficar como estava com seu mestre.

No momento em que ela sentiu ele prestes a soltá-la, ela o abraçou com ainda mais força, agarrando as roupas dele.

Sem dizer uma palavra e com os braços dela ao redor dele, Tadayoshi tirou a bainha da cintura dela. Ei não fez nada para pará-lo. No outro instante, ela o sentiu puxar a espada com certa dificuldade, balançar e guardá-la.

Então Tadayoshi colocou a mão na cabeça dela. Ela parou de chorar.

— Ei. — Apesar de ser baixa e segurando a dor, a voz dele era firme. Ainda com os braços dela ao redor dele, ela olhou para Tadayoshi. — Olhe suas mãos.

Sem entender, ela assentiu e fez como mandada. Com a mão esquerda ainda segurando as roupas dele, ela olhou para a outra. Ei ficou paralisada enquanto encarava seus dedos vermelhos.

Quando Tadayoshi tirara as mãos dela da espada, ela tinha visto o sangue. Mas agora ela percebeu; suas mãos estavam sujas com sangue também.

Na hora ela sabia. Não era dela. Nem de Tadayoshi.

Pertencia ao samurai.

O sangue em suas mão sujas pertenciam ao primeiro homem que Ei matara em sua vida.

O tremor tomou conta dela enquanto a sensação de vazio a preenchia. Antes que soubesse, antes que Tadayoshi pudesse dizer qualquer coisa, a garota correu para o rio, mergulhando os braços dentro da água. Ela lavou e esfregou suas mãos com força, de novo e de novo. Até o sangue sair.

Ei puxou os braços da água. Não restara rastros do sangue; suas mãos estavam limpas.

Mas mesmo que não tinha nada lá, ela ainda conseguia sentir o sangue, conseguia ainda cheirar, conseguia ainda ver o vermelho invisível. Com as mãos trêmulas ainda mais, ela enfiou os braços na água de novo. Ela esfregou, lavou e arranhou de novo e de novo. Suas mãos ficaram em carne viva e latejando, mas ela não parou.

Até Tadayoshi segurar seu braço. Ela olhou para seu mestre em lágrimas. Ele a soltou e colocou uma mão no ombro dela, virando-a para longe do rio. A garota não resistiu; ela não tinha forças para isso.

Tadayoshi tirou a mão do ombro dela e, com dificuldade, sentou no margem ao lado dela. Ele colocou a bainha de lado e mostrou para ela as duas mãos. Elas estavam muito mais vermelhas que as delas.

Ela estremeceu e encolheu, mas não desviou os olhos. Ela se forçou a assistir enquanto ele mergulhou um braço no rio e deixou a água limpar o sangue. Quando estava limpa, ele puxou a mão e mostrou para ela de novo.

A água limpara a maior parte do sangue, mas ainda tinha traços de vermelho aqui e ali. Ele abaixou a mão e olhou nos olhos dela.

— Eiko. Pode limpar o quanto quiser, mas sempre terá esse sangue em suas mãos. — Tadayoshi usou a mesma voz firme que tentava esconder quanta dor sofria.

Ei virou as palmas e encarou as próprias mãos, sentindo elas ficarem frias e sua mente dormente.

— Sempre terei sangue em minhas mãos…

— Sim. Sempre — ele disse numa voz mais forte, gentilmente pegando as mãos trêmulas dela. Ela olhou nos olhos dele, vendo o mesmo Tadayoshi de sempre. Aquele que protegia e aquele que matava. O seu mestre. — Sempre terá esse sangue em suas mãos. Do mesmo jeito que eu.

Dessa vez as mesmas palavras a fizeram parar de tremer. Ei encarou as mãos deles. Elas não podiam ser mais diferentes. E mesmo assim, para a garota, tinha algo parecido nelas agora.

Tadayoshi pegou a bainha e usou como suporte para se levantar.

— Se lembra das palavras que eu disse para nunca esquecer?

Ei não esquecera, mas mal conseguia lembrar delas agora. Mas enquanto tentava lembrar, algo apareceu no fundo de sua mente. Ela tentou falar, mas as memórias estavam embaçadas demais para ela repetir as mesmas palavras. Limpando a mente do jeito que seu mestre ensinara, ela se forçou a reviver a conversa.

O Tadayoshi de sua mente estava falando, mas ele perdia a voz quando falava as palavras que ela queria. A boca se mexia, mas nenhum som saia dele. Ela se forçou a reviver mais uma vez. Dessa vez ele falou as palavras que ela queria, mas baixo demais. Ela repetiu a cena de novo e de novo, até ela ouvir Tadayoshi dizer e pronunciar ao mesmo tempo.

— Alguns vivem… alguns morrem… no caminho da espada — ela conseguiu sussurrar, sua voz machucando sua garganta.

Com o rosto vazio, seu mestre assentiu.

Ei sentiu as palavras a marcando como ferro quente. Não… mais como um ferimento profundo feito por uma espada… Como a cicatriz em seu braço que Tadayoshi fizera, aquelas palavras eram parte dela para sempre. Mesmo que a garota quisesse, ela nunca poderia voltar; ela era alguém que vivia o caminho da espada agora. E algum dia morreria ela no mesmo caminho.

— Eu matei muitos que mereciam morrer e muitos que não mereciam. Não sei em que lado esse samurai pertencia. Ele queria vingar o irmão, mas eu senti mais dor do que ódio dele. — Tadayoshi respirou fundo, estremecendo com dor. Ele se apoiou ainda mais na espada, o esforço de falar drenando ainda mais suas forças. — Existem horas que devemos lutar, que devemos sobreviver custe o que custar. Quando essa hora chega, não podemos lamentar as vidas que tomamos. Só podemos aprender e continuar.

Tadayoshi fechou o olho bom e pressionou o lado da cabeça com a mão livre, tentando parar o sangue. Ele ofegou e seu rosto perdeu um pouco de cor, mas ele mostrou um sorriso fraco quando virou para Ei de novo.

— Essa hora é diferente para cada um de nós. Eu não posso ensinar isso pra você. Ninguém pode. Você deve aprender isso sozinha. Só espero que quando essa hora chegar pra você, que empunhe sua espada sem arrependimentos e quando reencontrar sua mãe, não baixará a cabeça com vergonha pela vida que viveu.

Mesmo com a mente ainda dormente, Ei entendeu. No fundo de sua alma, era o que temia. Matar sem se importar ou sem se arrepender. De se tornar como os bandidos que mudaram a vida dela. Ela disse para si que nunca se tornaria esse tipo de espadachim, mas o medo de ser perder na espada sempre esteve lá no seu coração.

Antes que percebesse, tinha um sorriso fraco nos lábios dela. Ei realmente odiava o fato de Tadayoshi saber o que estava na mente dela.

A garota olhou para suas mãos limpas de novo. Mesmo que não consigo ver, elas estão manchadas, sujas, vermelhas para sempreEu vou ter que carregar isso pelo resto de minha vida. A ideia não parecia tão pesada quanto antes. Em sua mente, ela gritou a mesma coisa que falou quando decidiu seguir Tadayoshi. Quero ser forte! Eu serei forte!

Ei tentou levantar, mas seu joelhos cederam. Respirando fundo, ela se forçou a levantar mesmo assim. Seu mestre não ofereceu a mão. Por um momento, Ei pensou que foi porque ele não conseguia, mas logo percebeu que não era isso e ficou agradecida mais uma vez. Nesse mundo, vou precisar de minhas próprias forças pra me levantar, pra sobreviver, ela disse a si.


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